sábado, 3 de dezembro de 2016

Crise de civilização: O momento crucial porque passamos!

Imagine que um grande navio atravessando as vastidões do Oceano enfrenta ora momentos de calma e bonança, ora momentos de tormenta em que corre risco iminente de sossobrar e ficar eternamente sepultado sob espuma marulhante...

Nos momentos de calma e bonança o capitão não tem que preocupar-se em demasia com a qualidade daqueles que ocupam os postos no navio... Nos momentos de perigo todavia ele certamente escolhe os mais aptos e preparados para que juntos possam superar os desafios da tormenta e salvarem-se uns aos outros!

Não sei se a História deste planetoide obscuro possuí capitão. Digo capitão que desperdice seu tempo escolhendo os oficiais que haverão de resistir a tormenta. Afinal o capitão supremo e infinito não habita entre nós...

No entanto caso tenhamos sido lançados e existência com algum tipo de propósito ou cálculo, nós que vivemos no momento presente - refiro-me aos Ocidentais do século XXI - devemos ser especiais e feitos de rija tempera, pois tal os tempos, tal o homem e passamos por tempos incomuns, daqueles que marcam a História e a memória.

Sendo assim não devemos invejar aqueles que viveram do século III ao V ou mesmo VIII desta nossa Era e que assistiram não a queda do Império Romano, mas ao sossobrar fragoso de todo mundo antigo e duma herança ancestral acumulada por mais de três mil anos!

Refletindo na esteira do brilhante V Gordon Childe não mais aprecio a batida expressão: Queda do império romano, por inexata, insuficiente ou mesmo falaciosa. Império romano foi repositório da cultura grega ou helênica, esta das culturas egípcia, fenícia e babilônica; estas das culturas sumeriana e indiana, dentre outras. É todo uma caudal ou corrente compósita de civilizações que vem ter em Roma e a queda de Roma perante os teutônicos ou de Bizâncio perante os muçulmanos é a o ponto final de um mundo ou universo específico.

É todo um mundo que entra em colapso e declina com o Império romano.

E não afundou de um dia para o outro mas em decorrência de uma crise de identidade ou de um lento processo que arrastou-se por diversos séculos.

Claro que há elementos de natureza econômica e são preponderantes. Mas talvez não sejam os únicos...

Não me estenderei agora por esta direção.

O que desejo salientar aqui é que a queda de Roma é momento em que a civilização de desintegra, decompõem, dissolve e evolve ao 'nada' ou ao quase nada. É momento de crise e Roma só cai e deixa de existir em decorrência desta crise, econômica certamente, mas também de consciência e cultura.

A econômica foi brilhantemente deslindada por Childe, Huberman e outros mestres brilhantes. A da cultura por uma plêiade de analistas vigorosos, assim Th Momsen, W Oncken, etc 

Mas a que propósito vem isto pergunta o amigo leitor.

Quando o Império romano ou melhor dizendo a cultura ancestral entrou em colapso uma organização recém aparecida mas que comportava uma força colossal: A Igreja antiga, Católica, Cristã Ortodoxa, Episcopal ou como queiram chama-la tomou os elementos mais significativos daquela civilização desorganizada, caótica e decadente que estava a ser materialmente aniquilada por bárbaros germânicos e árabes, agregou-os, deu-lhes novo sentido e plasmou uma nova civilização capaz de subsistir por cerca de mil anos, talvez menos, pouco menos.

Não, não foi uma civilização perfeita, ideal, pura, sem pecado, isenta de contradições que isto não existe. Não existiu no auge da civilização antiga e não existe, jamais existiu. Mas logrou essa força, o Cristianismo antigo, salvar e conservar alguns fragmentos preciosos de cultura antiga, assim algumas partes de Filosofia - assim Platão, assim Aristóteles, assim Cícero, Vírgilio, Horácio - e alguns vestígios de arte que do contrário - não fosse essa força muitas vezes menosprezada - teriam perecido para sempre.

É verdade que durante o prolongamento ou continuação imaterial da crise (séculos VIII ao XII) tais fragmentos permaneceram encerrados nos mosteiros e no acesso de pouquíssimas pessoas. Todavia o fato da semente permanecer repousando sob a terra antes de vir a germinar e a dar fruto não tira o mérito daquele que a lançou... Pelo que rendemos os créditos dos futuros renascimentos literário, filosófico e artístico ( cujas condições foram produzidas por um Renascimento econômico cuja gênese é específica) tanto aos monges e bispos copistas assírios ou nestorianos do Oriente quanto aos monges copistas da antiga Irlanda. Quase tudo quanto pode ser futuramente explorado pelos Ocidentais após o Renascimento econômico dos séculos XIII e XIV foi transmitido por eles. Sem este elo da cadeia seriamos muito mais pobres...

seja como for a estabilidade e a produção ordinária de cultura vão sendo paulatinamente restabelecidas e obedecendo a um ritmo e significado próprios a partir de 1200. Tanto este ritmo quanto este sentido plasmam como já dissemos uma nova civilização e uma nova Idade - a Idade média ou baixa Idade Média (porque a alta Idade Média é por assim dizer a Idade Média em termos de estabilidade e cultura, especialmente os séculos XIII e XIV)  - a qual no entanto conhece um declínio bastante rápido e pronunciado (em meados do século XV) até desaparecer ao cabo de meio século de transformações materiais, técnicas e enfim CULTURAIS OU INTELECTUAIS.

A crise suprema, de cultura imaterial ou intelectual surge mais uma vez ao cabo da crise econômica ou as mudanças econômicas, materiais e técnicas; e prolonga-se para muito além desta até que nova síntese cultural ou modelo de civilização seja elaborado e a estabilidade restaurada.

A Idade primitiva conheceu esta estabilidade cultural. A Idade Antiga conheceu esta estabilidade ida que por um menor período de tempo e enfim conheceu-a a Idade Média por brevíssimo espaço de tempo. Pois em que pesem as crises e rupturas todas estas Fases e Idades conheceram a transmissão da cultura ou a Permanência. Assim a religião ancestral introduziu os elementos da cultura primitiva na Idade Antiga após as mudanças de produção e técnica porque passou e podemos dizer que naquela fase áurea não ouve uma crise de identidade ou consciência mas avanço tecnológico apenas. O qual prolongou-se após algumas 'crises' episódicas e de menos grau até a queda do Império romano, quando a humanidade letrada conheceu sua primeira e grande crise global ou se querem Ocidental.

No entanto ali estava como já dissemos a instituição Cristã, muito bem organizada e disciplinada com seus Bispos e Monges letrados disposta a salvar todo quanto lhe fosse significativo. Por isso lemos a Antígona de Sófocles e a República de Platão ou a Amizade de Cícero...

E mil anos depois ali estava ainda o mesmo Cristianismo ja sob a forma de um papado monárquico contagiado até a medula pena Renascença humanista e capaz de mais uma vez identificar-se com os ideais da cultura clássica afirmando-os face a nova crise emergente.

Importa dizer que após o término da crise 1530 (???) e o fim da Idade média não produzimos uma cultura estável, mais ou menos coesa ou uniforme em torno de um núcleo ideológico comum. O que a religião ancestral fora para os primitivos, o que a paidéia grega fora para os antigos, o que o Catolicismo e os restos de Paideia haviam sido para os medievos e Renascentistas da primeira leva NÃO TEMOS. NÃO TEMOS, NÃO TEMOS...

Porque desde Lutero e sua reforma temos apenas materialismo, técnica, econômica. Em termos de cultura propriamente imaterial, em termos de epistemologia ou de crenças religiosas tudo quanto temos hoje é epifenômeno da dúvida ou do ceticismo. Não temos verdades, não temos nada de intelectualmente positivo, não temos nada de metafisicamente relevante nestes tempos de continuidade e agravamento da Crise.

Passamos por uma fase ou por um tempo de ceticismo crasso ou crônico, a qual como já se disse é incapaz de produzir elementos intelectuais ou imateriais revelantes a ponto de conferirem estabilidade e certa unidade a cultura. E temos uma cultura fragmentada em inúmeros elementos contraditórios ou caóticos, um turbilhão de partículas separadas e de homens que são como mundos que nunca se encontram e jamais dialogam.

A princípio, como todos os seus erros (alguns bastante graves por sinal) o Cristianismo ocidental, papismo ou romanismo - AO MENOS PARTE DELE - buscou em maior ou menor medida reintroduzir estes elementos de unidade e reorganização em termos de epistemologia aristotélica, direito natural (hoje direitos humanos) e até mesmo de justiça social. Busca esta que prolongou-se até o colapso da Igreja romana nos anos 60 por ocasião do Vaticano II. Desde então embora ela tenha mantido de forma muito sumária e restrita tais valores foi invadida pelos elementos ou pelo conteúdo que até então denunciava (relativismo, subjetivismo, etc) e perdeu grande parte de seu prestígio e influência.

O papel que a religião ancestral desempenhou no mundo antigo, que a paideia grega e a igreja antiga desempenhou no mundo medieval (cf Jaeger 'Paideia grega e paideia Cristã'), que o papismo representou no fim da Idade Média e até meio século atrás não há instituição que possa representa-lo hoje em 2016 e já Toynbee e outros que acompanharam a agonia e o fim da igreja romana enquanto elemento social unificador e dinâmico, avaliaram esta situação como única e dramática. Cientes - com Coulanges, Mauss, Dawson - de que a religião e a Filosofia, a Filosofia e a religião sempre desempenharam papel de máxima importância quanto a produção, transmissão, afirmação, estabilização e unificação da cultura (necessária a existência de uma Civilização) parte dos intelectuais deixou-se contagiar pelo pessimismo e com Huizinga, Spengler, etc proclamaram o fim do ciclo ou da civilização Ocidental embalada pelo divino Sócrates e patrocinada por Alexandre há quase vinte e cinco séculos.

Após os círculos do ceticismo e do materialismo terem se fechado parece não haver mais qualquer possibilidade religiosa para o Ocidente após o Cristianismo (Nós restringimos tal afirmativa aos padrões Católicos: ortodoxo, anglicano e romano.) que parece ser a menos problemática e a mais evoluída das crenças religiosas mesmo sob o ponto de vista natural (aqui Bertrand Russel). Krisnamurti já apontou com propriedade o vão esforço de produzirmos um civilização sobre bases céticas ou materialistas. Pelo que o já citado filósofo da História, Toynbee, para escapar a maré ascendente de pessimismo imiscuiu-se (quase que como K Marx) pelos meandros sutis da profecia postulando o surgimento de uma nova síntese religiosa no Oriente médio, isto pela última quadra do século XX. Conciliando o humanismo, a ciência e a metafísica, elementos filosóficos, positivistas e hindus este novo padrão religioso superaria definitivamente a rivalidade islâmico/Cristã trazendo paz ao mundo, Unidade a cultura e suporta a civilização do futuro.

Nem preciso dizer que semelhante oráculo não se concretizou.

Assim temos hoje: O SALAFISMO, o ISIS, o TALIBAN, etc fazendo peripécias no Oriente. O sectarismo fetichista e bíblico dominando o Cristianismo Ocidental. Uma ciência cada vez mais cientificista e não só ateística e materialista como anti ética. Um humanismo ameaçado pelas culturas de morte com seus venenos totalitários, Nossa herança grega em termos de epistemologia objetiva ou realista cada vez mais negada ou esquecida. Um total entorpecimento em termos estéticos ou artísticos; enfim mundos em colisão, sociedades em conflito, culturas em choque e nada de Civilização.

Dentre este cenário caótico e negativo apenas os herdeiros do protestantismo, legatários de um ceticismo e de materialismo tímidos e paladinos de um individualismo economicista ou seja capitalistas ousam falar numa nova civilização pós medieval elaborada por eles lá nos Estados Unidos. Tal a única proposta de Civilização que em certa medida estendeu-se pelo Ocidente pulverizando os elementos humanistas da cultura antiga.

Temos aqui o ideal de civilização protestante, liberal economicista ou yankee (porque forma uma solidariedade cultural ou modelo mais ou menos uniforme construído naquela República) e já foi cognominado Americanismo ou câncer americano (Aron e Vailant). É o único modelo mais ou menos consistente que nos é apresentado num cenário geral de ceticismo, materialismo, totalitarismos e islamização. Ao ceticismo epistemológico e ao materialismo crasso opõem os yankees uma espécie de metafísica que desenvolveram em torno do lucro e do dinheiro numa perspectiva individualista. Uma espécie de religião ou culto do ego voltada para necessidades econômicas ou como dizem para o Mercado.

O Mercado este existe e dele não duvidam nem podem duvidar os apóstolos deste novo culto. E até se auto regula, em que pesem as crises, que eles sempre atribuem ao controle exercido pela Sociedade ou pelo Poder político, em que de fato não creem...

Como se vê e sabe ali tudo começou pela Bíblia, a luz do livre exame e naturalmente, depois, vieram, as seitas, as disputas e a total ou quase que total falta de fé. No capital porém encontraram os Yankees digno substituto para seu javé e nos livros de Smith, Ricardo, Molinari, Bastiat e mais ainda nos de Mises, Hayek e Fridmann a nova Bíblia com os dois testamentos: velho liberalismo e neo liberalismo... Há ali templos que são bolsas de valores. Sacerdotes que são acionistas e empresários. Culto que é o trabalho alheio e evidentemente hóstias ou sacrifícios que são os trabalhadores ou a gente humilde esmagada pelo peso da miséria.

Seria um ideal de civilização a ser seriamente analisado se como declarou o Filosofo estivesse destinado a fazer sumamente felizes o maior número possível de pessoas.

O liberalismo econômico no entanto não faz consideração em termos de pessoas ou de Sociedade. Para ele tudo quanto existe é a iniciativa privada e necessidades individuais que cada qual satisfaz segundo suas capacidades. Aqui quem não satisfaz, quem não se adapta ou se acomoda, quem não deixa comandar ou explotar pelo 'mais forte' é vencido, quando não vagabundo e esta é a lei da vida, a lei eterna que rege o universo e que foi ultimamente descoberta pelo vidente Mises.

Tudo quanto existem são unidades individuais (sic) empreendedoras num cenário natural de disputação ou concorrência e tudo quanto o Poder público deve fazer é velar para que a concorrência seja livre. Fazer algo pelos derrotados, miseráveis ou humildes seria anti natural!

É o Mercado impessoal e soberano e não o patrão que por puro capricho seleciona arbitrariamente os afortunados. Que é afortunado o é por qualidade e competência e questionar isto é simplesmente absurdo.

Mas é ou foi o protestantismo e não o liberalismo que separou as pessoas ou a comunidade em individuos no momentos mesmo em que ousou apresentar a Instituição do Cristianismo como uma relação individual com Deus na qual o homem bem pode salvar-se sozinho, isolado em seu egoísmo e sem se preocupar com seus irmãos os demais homens.

O liberalismo econômico veio depois e aproveitou-se certamente da situação, tirando partido da nova realidade cultural ou ideológica.

O terreno, repito em alto e bom som fora preparado pelo Dr Lutero ou pelo protestantismo no momento mesmo em que excluiu da econômica Cristã - inda que provisoriamente - os conceitos sociais ou gregários de igreja visível, mediação sacerdotal e obras éticas propondo um novo modelo religioso e espiritual centrado apenas no ego. A busca de uma salvação individual ou pessoal desvinculada da dimensão comum, eclesiástica ou social tinha mesmo de dar onde deu, numa economia individual, numa política individual ou negação da política (Estado mínimo/ Stirner), numa moral individual ou individualista (Rand) e até mesmo numa arte individualista. Pela porta da religião o individualismo apoderou-se de toda cultura ou de todas as esferas da cultura até formar uma anti civilização ou uma civilização anti humanista em tudo oposta a nossa herança clássica e a nossa herança Cristã as quais pensavam antes de tudo em termos de Pólis e de Igreja, jamais em termos de individuos.

Havia decerto o espaço da pessoa. O qual todavia jamais conflitava com a dimensão social da fé ou com a dimensão social da política.

Aqui o individualismo e suas necessidades egoístas ou psicopáticas por assim dizer tudo dominaram e produziram uma cultura para a qual o homem nada é ou para qual as exigências do Mercado, o capital ou o lucro foram postos acima da pessoa. Relação de já foi definida em termos de TER X SER.

Todas as civilizações antigas foram todas pelo SER. A nova civilização surgida no Norte das Américas ao tempo em que a Europa alienava-se de seus valores e se desagregava como civilização (seculos XVI e XVII) é decididamente pelo TER.

A reorganização e o sentido dados ali sob o influxo do protestantismo tendiam a um liberalismo exacerbado em todas as instâncias do ser. Por isso na terra do protestantismo o capitalismo evoluí cada vez mais num sentido ANACAP e não creio que seja por coincidência ou que as coisas possam se dar doutra forma. A um tempo político por seu conteúdo anti político e social e a um tempo econômico por sua insistência mórbida em torno da excelência do Mercado julgo que este modelo de pensamento corresponda a forma mais desenvolvida do individualismo.

Agora por que raios o protestantismo não produziu o mesmo efeito cultural na Europa???

Simples gênio, porque ali de par com ele haviam elementos - as vezes até inconscientes - da cultura ancestral e gregária mantidos pela velha igreja romana ou pelos catolicismos. Mesmo nos locais onde a nova fé suplantou a antiga haviam Catedrais, torres, sinos, cruzes, calvários, instituições culturais, etc Havia cultura Católica e nela cultura pagã ou cultura helênica e esta não pode ser destruída de imediato pela nova fé.

O desconforto dos reformadores mais dedicados tinha sua razão de ser justamente nisto, em que o povo mudava de fé mas não mudava facilmente de costumes e as instituições sociais perpetuavam-se e perduravam mesmo quando eram rotuladas como anti bíblicas. O ideal iconoclástico e fanático acalentado por alguns implicava erradicar todos os monumentos e vestígios da fé ancestral e por produzir um novo modelo de sociedade, uma sociedade que partisse dos moldes bíblicos do antigo israel numa perspectiva protestante e houve quem pensasse em termos tão radicais quanto menonitas e amishes inclusive em termos de técnica.

Sonhavam com um mundo totalmente novo sem cruzes, torres, sinos, bispos, pinturas, enfim tudo quanto lembra-se o Catolicismo e seus elementos pagãos e politeístas ou idolátricos como diziam. Era toda uma febre ou delírio que levou os puritanos ingleses do século XVII a destruir até mesmo os antigos padrões reais.

Poder destruir símbolos e emblemas até podiam mas a cultura é que não podiam destruir pelo que encaravam-na como poluída. A Apostasia da igreja romana e sua paganização havia contaminado a infeliz Europa durante toda Idade Média e deseducado a Cristandade. Mesmo após o surgimento da luz, como diziam os pregadores protestantes, alguns dos cidadãos ao contemplar os antigos emblemas sentiam renascer a fé antiga e regressavam ao papismo inda que tivessem de enfrentar as sansões do poder secular.

Era uma situação desconfortável porque não dava para produzir de imediato uma cultura protestante pura e consequentemente uma nova civilização isenta de elementos 'católicos'.

Neste sentido o surgimento de um novo continente, Virgem em termos de cultura européia - a cultura indígena sequer era considerada), passou a ser encarado providencialmente ou como uma benção divina e os sectários - que se sentiam oprimidos pelo simples fato de terem de conviver com os Bispos anglicanos paramentados, as cruzes, as catedrais, os sinos, os órgãos, etc - puderam concretizar seu sonho no sentido de criar uma civilização protestante pura. Essa cultura de fundo protestante ou civilização protestante é a cultura Norte americana ora marcada não mais pela religiosidade bíblica ancestral mas pelo capitalismo ou pela religião de mercado. O elemento comum que representa a continuidade é o ideal individualista presente em todos os setores da existência da religião a economia passando pela política.

A partir da religiosidade ancestral os primeiros povoadores da América do Norte puderam imprimir um sentido individualista a todas as esferas da vida humana e este pode desenvolver-se bastante rapidamente pela simples falta de uma cultura oposta capaz de conte-lo. Consciência social ou gregária não estava presente ali. O individualismo religioso medrou e desenvolveu-se até secularizar-se sob a forma de capitalismo e assumir ultimamente sua forma acabada: o projeto ANACAP. Em certo sentido este projeto é o último herdeiro direto do protestantismo...

Compreendem agora porque estamos lançados num conjuntura tão grave quanto aquele que teve lugar após o fim do Império romano, e sem instituição que nos possa valer.

Como somos levados falaciosamente a optar pelos extremos da ausência de civilização (representada pelas culturas de morte surgidas na Europa - comunismo, fascismo e nazismo) e a proposta duma anti civilização ou dua civilização anti humanista...

A encruzilhada da existência conduziu-nos a este terrível dilema.

O que a ética se é que assim nos podemos exprimir, espera de nós é a negação desta falsa cultura Americanista e sobretudo esperança de dar com uma solução cultural eficaz no sentido de forjar uma nova civilização humanista, que resgate o elementos do passado e nos reconcilie com a herança ancestral.

Faremos nós jus a esta tarefa?

Estaremos a altura de semelhante desafio?

Seremos nós os homens certos?

Estaremos nós no lugar e no momento certos?

Fomos escalados por algum capitão?

Corresponderemos a tão prementes necessidades?

Ou assistiremos o fim da civilização e quiçá da humanidade, enfeitiçada por um modelo que nada tem de ético???

Tais as minhas cogitações e perguntas ao querido leitor.

Porque eu mesmo me sentiria bem melhor no século V a sombra da igreja antiga e ao lado de um Boécio... ou no século XVI ao lado de um Morus ou de um Campanella e mesmo algum tempo depois ao lado de um mably, um Morelli ou um Lammenais. 

Diante de tudo quanto presencio em termos de cultura sinto-me um tanto desanimado, partilhando os mesmos temores de um Huizinga e de um Spengler sem as ilusões de um Toynbee. 



Nenhum comentário: