sábado, 18 de março de 2023

Psicologia, psicanálise, Freud e a questão da multiplicidade de existências - Reflexões sobre a obra de Hermínio C Miranda 'A memória e o tempo' Edicel 1984 - Parte VII


UM AMONTOADO DE PRECONCEITOS - O MATERIALISMO, O DOGMATISMO E A RECUSA.


           Certa vez o conselheiro Aksakoff assim se expressou a propósito dos fenômenos paranormais ou 'heterodoxos': "Os fenômenos correm atrás dos cientistas e os cientistas fogem dos fenômenos.". Já a mistagoga Blavatsky referiu-se a certos acadêmicos como "Psicofobos" talvez parafraseando Platão. 

            Ao contrário do que se poderia pensar não era a importância do cérebro e sua conexão com o pensamento ignorada pelos antigos. Bastando para tanto mencionar Herófilo de Kalkedon e Eresístrato de Chios. Eresístrato no entanto, juntamente com os hormônios ou fluídos cerebrais um Pneuma que pode ser compreendido como força vital ou espírito.

              Efetivamente uma teoria materialista ou atômica foi elaborada pelo pensador Demócrito de Abdera, mas não com base empírica ou pautada em observações fisiológicas em torno do cérebro. 

              No entanto, ao que parece, a ideia de que o pensamento corresponde a uma espécie de secreção produzida pelo cérebro, surge apenas na segunda metade do século XVIII. Impõem-se no entanto a alguns cientistas como dogma ou princípio fundamental e indiscutível.

               Sobre a primeira síntese materialista contemporânea, o "Sistema da natureza" (1770) do Barão de Holbach temos duas apreciações que falam por si mesmas: A primeira é a do Marquês de Sade (A respeito do qual disse o ultra insuspeito Michel Onfray "Fazer de Sade um herói é intelectualmente bizarro.") segundo o qual era esse livro - Que lera seis vezes e de cujo sistema se considerava um 'mártir' - um "Livro de ouro" que "Deveria estar em todas as bibliotecas e cabeças."

               Necessário dizer que o Sistema de De Holbach sendo determinista e mecanicista excluía por completo a noção de livre arbítrio ou de liberdade. Eis porque, para Sade, imoralidade e crime eram palavras vazias uma vez que todas as ações humanas eram fruto da necessidade, assim o estupro, a tortura, a agressão, o assassinato, etc

               Afinal, como ensinava o profo Carus, o materialismo "sendo mecanicista por necessidade, tudo explica por combinações e agrupamentos de átomos. Sendo assim todas as variedades de fenômenos existentes: O nascimento, a morte, etc não são senão o resultado puramente mecânico das composições e decomposições, mera manifestação externa de átomos que se agregam e separam." Não há portanto outras opções ou possibilidades e tudo, absolutamente tudo, inclusive o crime - Como ensina Sade - torna-se não apenas necessário mas inevitável. 

               Vejamos agora que diz o grande Goethe sobre a obra prima de De Holbach: "Quintesência da velhice enfadonha e insípida." 

                Moleschott no entanto concorda perfeitamente com De Holbach e Sade "Caso uma razão ou personalidade dirigisse a matéria a um determinado fim, A LEI DA NECESSIDADE DESAPARECERIA da natureza, e cada fenômeno seria apenas possível."

                Agora demos a palavra a Pierre Cabanis: "Vemos as impressões chegarem ao cérebro por intermédio dos nervos; elas se acham, então, isoladas e sem coerência. O órgão entra em ação, age sobre as impressões e as reenvia metamorfoseadas em ideias que se manifestam, exteriormente, pela linguagem da fisionomia ou do gesto, pelos sinais da palavra ou da escrita. Concluímos, com a mesma segurança, que o cérebro DIGERE, DE ALGUM MODO, ESSAS IMPRESSÕES; E QUE REALIZA A SECREÇÃO DO PENSAMENTO." Eis o que diz o homem... e o que dá por demonstrado - Sem que o seja.

             Completa-o Carl Vogth "Os pensamentos tem com o cérebro a mesma e exata relação que a bílis tem com o fígado e a urina com os rins." só faltou completar: E as fezes com os intestinos...

              Ouçamos agora a Broussais: "Desde que eu soube, pela cirurgia, que o pus acumulado à superfície do cérebro destruía nossas faculdades, e que a saída desse pus lhes permitia o reaparecimento, não as pude considerar mais de outras forma, as ideias, como produtos do cérebro vivo, mesmo sem saber que era cérebro e que o que era vida." Testamento.

               Observem agora a lógica desse senhor - Tens um revólver que não funciona porque está enferrujado, removes e ferrugem, ele funciona... pronto, o tiro é produzido apenas pelo revólver, se necessidade de uma gente humano que lhe puxe o gatilho...

                Demos no entanto a palavra a Moleschott: "O pensamento não é mais que um fluído, assim como calor e som, é um movimento, uma transformação da MATÉRIA CEREBRAL, a atividade cerebral é uma propriedade do cérebro, tão necessária como a força, por toda parte inerente a matéria, de que é caráter essencial e inalienável. É IMPOSSÍVEL QUE O CÉREBRO INTACTO NÃO PENSE, COMO É ABSOLUTAMENTE IMPOSSÍVEL QUE O PENSAMENTO SEJA LIGADO A OUTRA MATÉRIA QUE NÃO O CÉREBRO." 

                     E noutra parte continua: "Bem sabeis que a abundância excessiva do líquido céfalo raquidiano produz a idiotice, a apoplexia é seguida pela aniquilação da consciência, a inflamação no cérebro causa o delírio, a síncope - Que diminui a circulação do sangue, no cérebro provoca a perda do conhecimento, a afluência de sangue venoso provoca alucinações e vertigens, uma completa idiotia é efeito necessário e inevitável da degeneração dos dois hemisférios cerebrais; enfim toda a excitação nervosa na periferia do corpo só desperta sensações conscientes no momento em que repercute no cérebro." Até aqui Moleschott.

                   
Passemos a palavra ao Dr H Tutlle "Tudo - diz ele - desde a lagarta que dança aos raios de sol até a inteligência humana que EMANA DAS MASSAS MEDULOSAS DO CÉREBRO, é submetido a princípios fixos, isso pelo simples fato de inexistir um deus." 

                    Ouçamos também a Dubois Reymond "O pensamento nada mais é além de matéria em movimento."

                    "Esse negócio de espírito nada mais é do que uma força da matéria que resulta imediatamente de atividade nervosa - Mas donde provém... Do éter em movimento nos nervos." assevera Hermann Schaffle.

                   Tudo perfeitamente aceitável, como Filosofia ou especulação Metafísica.

                   Como dado científico, tudo perfeitamente discutível. 

                   Inclusive para pensadores ou cientistas honestos como Bruchner, o qual assim responde a seus companheiros: 

                   "Em que pese o MAIS ESCRUPULOSO EXAME, não podemos encontrar analogia entre a secreção da bílis ou da urina e o processo porque se forma o pensamento no nosso cérebro. A urina e a bílis são elementos materiais palpáveis, ponderáveis e visíveis; e mais ainda, são matérias excrementícias que nosso corpo usou e agora rejeita. O pensamento, o espírito, a alma, pelo contrário, nada têm de material, não são substâncias, mas o encadeamento de forças diversas que formam unidades, o efeito do concurso de muitas substâncias dotadas de força e de qualidades.
                       Quando uma máquina feita pela mão do homem produz um efeito qualquer, põem em movimento seu mecanismo ou outros corpos, dá uma pancada, indica a hora ou coisa semelhante, esse efeito considerado em si mesmo é coisa essencialmente distinta de certas matérias excrementícias que ela produz, talvez, durante essa atividade.
                         Assim é o cérebro, princípio, fonte, ou melhor dizendo, causa única do espírito ou do pensamento; mas não é por isso seu órgão excretor. Ele produz algo que não é rejeitado, que não perdura materialmente e que se consome no momento mesmo de sua produção. O trabalho ou atividade dos rins ou do fígado se realiza sem que o saíbamos... mas a atividade do cérebro não pode existir sem que dela haja consciência completa..." 

                           
O que o nobre professor Bruchner jamais logrou esclarecer - Como lhe foi solicitado pelo Dr Janet no "Materialismo dos dias atuais, uma crítica ao sistema do Dr Bruchner" - é como o cérebro, sendo um agregado de células materiais, produziria pensamentos imateriais ou o fenômeno da consciência... 

                             Mais adiante de Moleschott foi o professor Bayson que para demonstrar que o cérebro produzia ou excretava pensamentos dava-se ao trabalho de pesar todos os sulfatos e fosfatos que consumia por meio da alimentação, após o que dedicava-se a algum trabalho mental e por fim contabilizava a quantidade de sais presentes em suas excreções i é fezes, urina e suor, visando demonstrar que a quantidade de sais excretados aumentava após qualquer trabalho intelectual...

                              Meio século passou-se até que um outro Nobel, e portanto para que um pesquisador sério, Henri Bergson repudia-se expressamente a doutrina ou ensinamento segundo a qual é a mente humana produto do cérebro ou que o pensamento seja exclusivamente elaborado por ele. O espírito, declara ele, não é matéria e não está demonstrado que seja ele mera função do cérebro. 

                              Todavia, como não houvesse um Bergson a Ideologia materialista impregnou de tal modo a ciência e suas instituições ao cabo dos séculos XIX e XVIII, que elas chegaram a substituir o Vaticano e a Inquisição com suas denuncias por heresia, excomunhões, interditos, etc enfim com seus meios de controle.

                               E já veremos como Mesmer teve seus pedidos de pesquisa ou análise aprioristicamente negados por tais Instituições, o que por si só é comprometedor. Posto que é dever dos cientistas e instituições científicas investigar.

                               Todavia, tanto mais se apegavam a certos princípios apriorísticos ou metafísicos, tanto mais esses acadêmicos temiam a realidade e suas manifestações - Justamente por não se enquadrarem em seus sistemas. Do que resultava a recusa ao exame... 

                                Os tais sábios limitavam-se a cruzar os bracinhos e declarar: Tal coisa não pode ser real - Determinando se algo podia existir ou não, conforme o esquema de mundo vigente.

                                 Foi atitude que vigorou por mais de século e infectou vários homens ilustres, a começar por Lavoisier o qual, apelando a tais e tais princípios, tachou os camponeses de simplórios ou imbecis, por insistirem que pedras caiam do céu. Feito isso compôs a famosa memória contra a existência de meteoritos e enviou-a a Academia, onde foi ovacionada pelos guardiães da ciência. Trinta anos depois tiveram os mesmos guardiões que dar razões aos camponeses imbecis - Que apesar disso tinham olhos e sabiam observar! - e admitir a existência de meteoritos! 

                Passado um século foi a vez de Th Edison, após ter apresentado seu Phonógrafo, quase ser agredido por um acadêmico francês, o qual aos gritos de - Não passais de um ventríloquo! - buscava desmascara-lo.

                Tais os tempos.

                O mais grave no entanto era a peremptória recusa, por parte de alguns, a investigar. 

                De fato, quando o fenômeno das mesas girantes chegou a França, Foulcault, no "Journal des debats" apelando a determinados princípio, não apenas negou o fenômeno, como após ter declarado que era absurdo e impossível, declarou que sequer deveria ser examinado por um cientista sério.

                 No entanto passados mais de cento e vinte anos, pudemos ler com gosto num Carl Sagan que todo e qualquer fenômeno, por insólito que fosse - A exemplo dos discos voadores ou OVNIs - deveria sim ser investigado, sendo dever faze-lo. 

                  Muito antes de Sagan, tanto o estadista Agenor de Gasparin quanto o poeta Victor Hugo - Legítimos expoentes do pensamento crítico e científico. - deram competente resposta ao grande físico -

                   "Substituir o exame pela zombaria é muito cômodo, mas bem pouco científico. O fenômeno da velha trípode, como o da atual mesa, tem, tanto quanto qualquer outro, direito a observação." Hugo in "William Shakespeare

                    "Não, eles não lerão essas coisas, mas julgarão! Julga-las-ão sem mais nem menos, do alto de suas cátedras e apelando a um argumento irrebatível: Não creio porque não creio - Simples, fácil e peremptório. Não admito tais coisas porque são impossíveis. Sendo assim perdeis vosso tempo transmitindo tais narrativas!" De Gasparin
in "Des tables tournantes, du surnaturel en général et des esprits." 

                   Acho absolutamente válido discutir teorias, explicações, hipóteses, etc discutir, por em dúvida ou negar a atuação de espíritos... Postulando a Hiperestesia, a objetivação de tipos ou a Prosopopese metagnomia, os resíduos mentais ou tulpas, desdobramentos psíquicos, etc desde que fatos não sejam aprioristicamente negados e pesquisas seriamente realizadas desdenhadas, pois aqui topamos com a desonestidade. E o fruto da desonestidade e da negação dos fatos será o descrédito da própria ciência, mormente num tempo em que os fundamentalistas e ocultistas buscam desacredita-la.

                        
                                
               



                  

             

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