sexta-feira, 17 de março de 2023

Psicologia, psicanálise, Freud e a questão da multiplicidade de existências - Reflexões sobre a obra de Hermínio C Miranda 'A memória e o tempo' Edicel 1984 - Parte V

 

A reencarnação, o espiritismo prático e o espiritismo doutrinal ou Kardecismo.


            Que pensar e dizer sobre a Reencarnação ou a pluralidade de existência.

             É algo que devemos analisar ou concluir por nós mesmos, uma vez que os espíritos de um e do outro lado da Mancha não estão de acordo - Sendo os espíritos anglo saxões pela negativa...

              Ademais, como declara o sr Hermínio C Miranda - A página 55 da obra em questão - que 'Há tantos neuróticos e psicóticos no mundo póstumo quanto neste de matéria densa.' - E mais adiante (p 56) refere aos traumas, complexos, bloqueios, etc dos desencarnados... Pelo que mesmo sem desejar mentir podem fantasiar ou imaginar, no caso 'vidas passadas' exatamente como nós ou nosso inconsciente. 

             Tornaremos, no capítulo subsequente, a examinar a ideia de uma 'Revelação' comunicada por espíritos desencarnados. 

              Quanto a fé - Cristã, Católica e Ortodoxa - discordamos por completo da opinião descabida segundo a qual a Reencarnação ou pluralidade de existências se choca com a Ressurreição dos mortos ou com o Resgate dos mortais.

               Afinal podemos admitir que todos os humanos ressuscitarão em seu derradeiro ou último corpo ou ainda que todos os humanos obterão um corpo. Outro o caso da Redenção simplista nos termos de um Agostinho, de Lutero ou dos protestantes, que é uma redenção confortável, fácil, amoral e anti Ética. Outro o caso da Redenção Católica ou Ortodoxa posta pelos padres da Igreja e inseparável da crença na reparação do mal.

                No entanto é necessário reconhecer que mesmo estando presente no Evangelho - Segundo as palavras de S Cirilo citadas pelo Pe Maldonado SJ nos Comentários a S Juan: "Os apóstolos lhe fizeram tal pergunta porque acreditavam na doutrina da transmigração." e esporadicamente (Como uma Hipótese) num ou noutro padre da Igreja > Como Agostinho, no prólogo das Confissões, a doutrina da pluralidade de existência não faz parte do que Cognominamos Revelação ou da auto comunicação divina dada por Jesus Cristo. 

                  Forçoso reconhecer que a Reencarnação não faz parte da essencialidade da fé ou da doutrina Cristã - Passando inclusive bem longe do restante do antigo testamento, como declara Jean Prieur no  'Mistério do eterno retorno', o qual, por obra e graça de um judaísmo mais tosco assume a unicidade da vida. 

                   E no entanto concordamos com o Dr R N Champlinn - É a opinião favorável a pluralidade de vidas - SEPARADA DA ÍNFAME DOUTRINA DO KARMA OU DA SAMSARA. (ESTA sim um absurdo monstruoso!) - excelente ferramenta teológica posta a serviço a Divina Revelação assente no Evangelho, tornando-a mais lúcida inclusive, se é que podemos dizer. Afinal por meio dela podemos admitir que todos os seres humanos que viveram nos incontáveis séculos anteriores a Encarnação do Verbo Jesus Cristo e a manifestação da Lei Evangélica, tem ora a chance de ter contato com essa Lei divina e de progredir nos domínios do espírito. Digo o mesmo das pequeninas crianças que morreram demasiado cedo, especialmente as não batizadas ou incorporadas a nosso abençoado Redentor. Posso ainda supor que outros tantos desejam voltar a este mundo sublunar para exercer missões e encaminhar seus irmãos a Jesus Cristo - E EM TODAS ESSAS SITUAÇÕES A PLURALIDADE DE EXISTÊNCIAS NÃO CORRESPONDERIA A UMA GRAÇA OU ACESSO A JESUS CRISTO...

                 No entanto, como disse acima, não pertencem a Reencarnação a fé ou a instrução divina.

                 Excluída qualquer tipo de certeza empírica ou revelada (Credal) só nos resta avaliar a hipótese da Reencarnação (Sempre desvinculada do Karma igualmente postulado pelos Hindus!) do ponto de vista meramente racional, tal e qual examinamos a existência de Deus e a sobrevivência da alma por ser assunto próximo, congênere ou co relato.

                  Que pensar sobre a reencarnação desvinculada de qualquer elemento religioso ou credal...

                  A mim me parece plausível que, admitido o valor da vida como experiência enriquecedora para o espírito, ter a vida ceifada aos dois, cinco, dez ou mesmo vinte anos - E portando na infância ou na juventude! - equivalha a uma desgraça ou infortúnio, inúmeras vezes causado por um acidente ou golpe de azar. 

                   Suponho portanto que em tais casos seja digno da sapiísssima Providência celestial permitir que essas almas vazias retornem a este nosso mundo e adquiram outros corpos com o intuíto de conviver com outros humanos, de obter novas experiências e por meio delas aprender ou adquirir conhecimento. 

                   Há em seguida o caso daqueles que por pura sorte ou azar recebem um corpo físico deficiente, o qual serve de obstáculo a experiência e ao aprendizado - Assim os que nasceram com paralisia cerebral e outros tipos de deficiência. Também me parece justo e digno que renasçam em posse de melhores corpos, de modo a completar seu aprendizado.

                    E há por fim aqueles que por causas de natureza diversa, como a escravidão ou o excesso de trabalho, extrema necessidade, avitaminose, o analfabetismo, etc não progridem no aprendizado, partindo quase como chegaram a este mundo ou ainda num grau assustador de ignorância/alienação. Também a esses me parece acertado que obtenham outras vidas.

                      De modo geral - E posso dize-lo como professor ou educador! -  uma única vida em condições médias ou normais já me parece insuficiente tendo em vista tudo quanto devamos aprender e conhecer. Parece-me portanto bastante plausível que haja pluralidade de vidas e que esta economia natural preceda a economia da graça ou da Redenção, devendo está inserir-se nela e dela servir-se, como já disse como uma graça. 

                        Não vejo portanto a pluralidade de vidas como os hindus, budistas e espíritas ou seja como uma punição pós pecado, e sim como uma ordem natural das coisas. Episodicamente pode e deve servir para reparar - Na comunhão e Lei de Jesus Cristo e sob o termo de 'Penitência. No entanto não parece ser essa sua função primária. Nascemos, morremos e renascemos, pelo menos a maior parte de nós, os medíocres para progredir em conhecimento e virtude. 

                         Portanto os mesmos raciocínios metafísicos ou especulações que me levam a afirmar a existência de uma Consciência Suprema, dum Ser imperecível, dum Espírito Eterno, de uma Lei Universal e de uma Alma do Mundo, bem como da sobrevivência da alma humana após a dissolução do corpo físico, os mesmos e exatos raciocínios me levam a postular a pluralidade de existências. Não a fé Cristã ou a divina revelação e menos ainda a comunicação de espíritos humanos, mas repito, a pura e simples reflexão.

                          Então qual o problema dos espíritas doutrinários ou kardecistas, assim do sr Hermínio C de Miranda... Onde é que nos separamos e por que nos separamos...

                          Nos separamos pontuadamente quanto a memórias de tais vidas na vida presente ou quanto a recordação ou ainda memórias das vidas passadas, mormente quando obtidas artificialmente por meio de Hipnose ou regressão. Pois consideramos tudo isso uma bizarrice monstruosa.

                          Tornamos já a essa temática tão cara $$$ a indústria de romances espiríticos Gasparetto S/A...

                           De nossa parte embora admitamos que, muito provavelmente, a maior parte dos humanos corresponda mais de uma existência, julgamos que quando assumimos uma nova vida a memória ou lembrança das vidas anteriores seja bloqueada por disposição divina tornando-se, via de regra, inacessível - Ao menos a tentativas artificiais no sentido de recobra-las. 

                           Qual o objetivo desse bloqueio... Acaso seria ele arbitrário ou caprichoso... De modo algum. Nós acreditamos que as memórias das ações realizadas numa existência anterior fiquem bloqueadas para evitar situações ou melhor confusões semelhantes aos casos de múltipla personalidade (Tal o caso Sybil). 

                            Naturalmente que tais almas que passaram por outras existências podem portar e portanto trazer para uma nova existência traumas, complexos, hábitos, tendências, etc mas não a memória de ações particulares. 

                             No entanto é perfeitamente compreensível e admissível que entre uma existência e outra, estando isentas de corpo ou desencarnadas, recobrem as memórias de cada existência porque passaram. 

                             Manifesto o engodo de todas essas ridículas tentativas de recuperar tais memórias por meio do que chamam regressão. Isto porque como tem sido cabalmente demonstrado pelos psicólogos é próprio do inconsciente fantasiar, de modo a satisfazer seus desejos. Portanto, caso acalente alguma crença - Como a reencarnação. - tentará o inconsciente dramatizar em torno dela com o intento de justifica-la. 

                               Bom salientar que Freud abandonou a Hipnose justamente por isso, pelo fato do inconsciente fantasiar com demasiada facilidade. Muito antes de Freud, ao tempo de Charcot e da Salpetrière, os críticos de Nancy já o haviam observado, declarando que frequentemente o próprio hipnotizador, Charcot, introduzia a histeria nas pacientes elaborando um enredo a que elas davam seguimento. 

                                Há inclusive diversas produções cinematográficas que apresentam o inconsciente fantasiando ou assumindo o papel de diabos, espíritos, deuses, etc até que se descobre que era tudo humano e demasiado humano, fruto da fantasia. 

                                 Eis porque na maioria quase que absoluta dessas regressões e relatos, raramente alguém foi pobre, obscuro ou feio na vida anterior e quase todos foram princesas, príncipes, reis, nobres, milionários, artistas, atores, enfim; gente bem sucedida e feliz. Tudo Césares, Cleópatras, Teodoras, Carlos V, Maria Antonieta, Carmem Miranda, Edith Piaf... Poucos os mendigos, pedintes, escravos... Pois todo esse enredo é forjado pelo ego tendo em vista a satisfação dos desejos ou a criação de uma vida dos sonhos...

                                  Caso houvesse em tais regressões alguma evidência de prova seria antes de tudo o aflorar de tais memórias numa pessoa que jamais ouviu falar em pluralidade de vidas, num ateu, num materialista ou num fanático religioso totalmente cético quanto a reencarnação. Jamais passou por minhas mãos sequer um relato desse tipo... Inútil mencionar protestantes, romanos, ortodoxos, judeus, etc em tese alheios ou infensos a reencarnação, pois bem podem no fundo simpatizar com ela ou mesmo acreditar, ainda que ocultamente... mencionar espiritas, esotéricos ou ocultistas então é pura deslealdade, afinal por que apenas os que admitem a reencarnação teriam memórias de outras vidas.

                                     O segundo tipo de evidência diz respeito as provas materiais e objetivas - Semelhantes as que os Historiadores e Arqueólogos manejam ao reconstituírem o passado. - que porventura confirmassem um desses relatos de regressão. 

                                     Explico - Quanto as viagens astrais ou melhor dizendo, quanto a pan cognição, temos na literatura metapsiquica ou parapsicológica, relatos controlados e circunstanciais (Provenientes de psicólogos como Freud e Jung dentre outros.) de pessoas que declaram ter abandonado seus corpos, ido durante o sono a lugares distantes e descrito tais locais, como o quarto de uma estalagem. Seria apenas mais um relato qualquer, provavelmente fantasioso, caso o autor da pesquisa não se tivesse dado ao trabalho de contatar as pessoas que estavam naquele local no mesmo momento e constatar que a descrição feita pelo sensitivo correspondia a cena até os mínimos detalhes: Disposição do ambiente, móveis, objetos, pessoas, animais e mesmo as cores das roupas... Isso a ponto de eliminar, estatisticamente, qualquer alegação em torno de coincidências.

                                       Até onde me é dado saber relato algum de vidas passadas obtido por regressão descobriu qualquer coisa de inédita em termos de conhecimento histórico que mais tarde tenha sido confirmado. Tampouco dilucidou qualquer mistério ou enigma importante... E nem sequer uma tumba perdida, como a de Alexandre ou a de Cleópatra foi descoberta graças ao relato de algum Alexandre ou de alguma Cleópatra regredidos...

                                        Repito, nos registros sobre pesquisas psíquicas que envolvem espíritos, fantasmas, assombrações, profecias ou paranormais, por vezes topamos com tais indicações ou evidências concretas que certificam-lhes a veracidade. - Pois contra fatos não há argumentos. Já nos inúmeros relatos sobre regressão não encontramos tais dados ou evidências materiais e tudo não passa de uma narrativa, mesmo quando isenta de contradição, o que por sinal nada prova uma vez que o Inconsciente é esperto.

                                        Quanto ao caso Bridey Murphy, obstinadamente citado pelos espíritas, após termos lido diversos livros e artigos sobre ele, podemos asseverar que há diversas incongruências histórias - Para além disso damos a público o seguinte fragmento:

"
Em Chicago o Rev. Wally White, pastor de um templo que Virgínia Tighe outrora frequentava, aplicou-se à análise cuidadosa das circunstâncias da juventude dessa paciente, conseguindo finalmente atingir as fontes de suas «revelações»…

Verificou, sim, que Virgínia, por muito tempo a partir dos seus sete anos de idade, habitara em Chicago, do outro lado da mesma rua em que residia uma senhora irlandesa denominada Bridie (não Bridey) Murphy Corkell; a jovem frequentava assiduamente a casa dessa pessoa, que oferecia ambiente tipicamente irlandês, onde Virgínia dançava a «jiga» e declamava poesias regionais da Irlanda, reproduzindo até mesmo a pronúncia e as expressões linguísticas dos habitantes desse país; Virgínia aos poucos tornou-se mais e mais interessada por quanto via e ouvia nesse meio irlandês, já que entrou em namoro com o filho de Bridie Murphy Corkell, chamado João (Sean, em irlandês regional); no seu pretenso enredo de encarnação anterior, «Bridey Murphy» chegava a dizer que se casara com Sean MacCarthy! … Ficou outrossim averiguado que aos sete anos de idade Virgínia raspara realmente a pintura de sua cama, e em consequência fora severamente punida (o que lhe causara, por certo, profunda impressão). Os peritos reconheceram igualmente que muitos nomes de pessoas e lugares da Irlanda, assim como certos episódios da vida na Irlanda descritos por Bridey Murphy no seu enredo, haviam sido manifestados a Virgínia pelo contato assíduo que a jovem tinha com a colônia irlandesa frequentadora da casa de Bridie Murphy Corkell. Assim puderam os estudiosos chegar à conclusão de que os pormenores, por vezes tão vivos e realistas, da «pre-vida» de Virgínia Tighe nada mais eram do que noções adquiridas pela paciente no decorrer mesmo da vida atual, tornando-se então inútil e arbitrária a explicação reencarnacionista."

                              Em suma tudo quanto temos aqui é uma elaboração fantasiosa do Inconsciente servindo-se da memória. O que explica os ligeiros equívocos - Tudo muito humano e demasiado humano. 

                               Como ignoro qualquer narrativa de regressão da qual não façam parte ao menos alguns equívocos em matéria de História, Geografia, etc não vou entrar aqui no mérito da questão que planteia a possibilidade de uma narrativa sem equívocos ser produzida pelo inconsciente com base em dados obtidos por meio de capacidades paranormais como a precognição. No entanto caso a pessoa em questão fosse comprovadamente paranormal e partidária da pluralidade de existência temo que a demonstração ficaria comprometida.

                                Resta-nos dizer algo sobre as alegadas memórias de vidas passadas que afloram espontaneamente durante o sono ou nos sonhos. Quanto a estas quero ser tanto mais comedido, mesmo quando sei que o mundo onírico é domínio da vida inconsciente. E no entanto há sonhos que envolvem clarividência rigorosamente comprovados. Diante disso surge a questão: Poderiam os sonhos funcionar como janelas e desbloquear tais memórias... Caso assim fosse deveríamos exigir as mesmas evidências que exigimos quanto as pretensas regressões. São neste caso os sonhos que envolvem supostas cenas do passado mais felizes... Definitivamente não! Pois não tenho que qualquer ponto ou vírgula tenha sido adicionado ao conhecimento histórico por meio de sonhos recordatórios - Ainda aqui nenhum mistério ou enigma resolvido, apenas puerilidades VAGAS E GENÉRICAS.

                                  Por isso digo aos teimosos e obstinados que insistem na tese da recordação: Ofereçam-nos um material menos genérico ou vago, um material tanto mais concreto, sólido e consistente, como a descoberta de um templo, de uma tumba ou de alguma ruína. Caso me ofereçam algo assim tornarei a examinar o assunto com a devida atenção e carinho. Por hora todavia devo dizer que mesmo admitindo a multiplicidade de existências nego que, por quaisquer vias, tenhamos acesso as lembranças relativas a tais existências. 

                                   Por isso, recorrendo como Freud a Mitologia grega, digo que os que renascem são como tivessem bebido as águas do Léthes no reino de Hades. 


                              

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