quinta-feira, 16 de março de 2023

Psicologia, psicanálise, Freud e a questão da multiplicidade de existências - Reflexões sobre a obra de Hermínio C Miranda 'A memória e o tempo' Edicel 1984 - Parte IV

               A proposição segundo a qual o pensamento é produzido pelo cérebro pelo simples fato de depender dele para existir é tão miserável e imbecil quanto a afirmação de que a água que chega a nossas torneiras é produzida pelos canos por depender deles para chegar até elas...

        Do fato de que a água não se transporta sozinha ou magicamente a nossas casas não podemos aduzir que seja produzida por canos, cântaros ou copos.

         Do mesmo modo ou maneira o fato de uma lesão cerebral qualquer impedir o pensamento de manifestar-se em sua plenitude não nos deveria levar a conclusão de que o pensamento é produzido pelo cérebro. 

          Pois o cérebro ao invés de ser a origem mais íntima do pensamento sempre poderia ser seu condutor ou transmissor, a exemplo de um aparelho de rádio, o qual apesar de ser estritamente necessário para que as ondas sejam captadas não as fabrica ou produz. 

           Vou formular um exemplo ainda melhor.

           Embora o músico dependa do instrumento para produzir aquele som a que damos o nome de música e não possa atuar sem ele é igualmente certo que o instrumento tampouco pode produzir o que chamamos de música sem o concurso de um agente humano - O qual por sinal compõe uma opereta, como sinal de inteligência; enquanto que o violino ou a harpa nada compõem... 

            Observe portanto que os conceitos de necessidade e origem nem sempre andam juntos. 

            Da mesma maneira caso, o instrumento usado por um Bach, um Mozart ou um Strauss não estivesse em excelentes condições, a melhor das sinfonias não sairia bem... Porque apesar de geniais, nenhum desses músicos poderia prescindir de um excelente violino ou de uma excelente harpa. 

             E no entanto sem um Haydn ou um Chopin os melhores instrumentos não produziriam qualquer som e menos ainda música. 

             Daí a necessidade de distinguir a causa eficiente, que é o músico, da causa instrumental ou condicional, que são os instrumentos.

             Então porque os cientistas ou melhor os cientificistas ao constatarem a dependência do pensamento para com o cérebro concluem, de imediato, por uma dependência causal que não pode ser verificada ou demonstrada... Isso quanto a tanta relação e dependência causal...

              A resposta é de certo modo dupla: Primeiro porque querem... I é porque são materialistas e desejam firmar sua opinião. Em seguida porque o positivismo lhes fornece uma norma ou princípio bastante discutível, o da monocausalidade; expresso pomposamente sob o termo 'Navalha de Ockhan' - Um beatinho franciscano ou melhor agostianiano que tem servido como capelão a Lutero, a Kant e aos Positivistas...

              Acontece que ao folhear qualquer Enciclopédia de Filosofia, constatamos o óbvio - Que a tal navalha sagrada, canonizada pelos positivistas, não é uma LEI, como por exemplo a Lei da Gravidade ou a Lei da Conservação da matéria, mas um princípio operatório ou metodológico. 

               Mas que raios que dizer isso...

               Que a sentença de Aristóteles - Pois foi o 'Filósofo' quem a enunciou pela primeira vez. - corresponde apenas a uma orientação geral... a qual não se aplica estritamente a todos os casos, contando por isso mesmo com diversas fugas ou negativas. I é: Nem sempre a explicação mais simples é a verdadeira e nem sempre a mais complexa pode ser descartada a primeira vista ou sem ser examinada. 

                 Então a pergunta a ser formulada e a questão a ser analisada é esta: Apesar da relação estrita ou necessária que existe entre o pensamento é o cérebro podemos afirmar, sem mínima sombra de dúvida, que o cérebro excreta pensamentos como o rim excreta urina... 

                  Não. Terminantemente não.

                  Pois antes de concluir teríamos que examinar toda uma série de evidências...

                  Muito recentemente Pinker e Roth, ambos behavioristas e cientificistas engajados, declararam que sim... Como já haviam feito Broussais, Dietzgen, Lênin e outros tantos nos últimos dois séculos. Agora qual o mérito de Pinker ou Roth se ambos são materialistas confessos... O único mérito deles é defender a tese predileta, o que é sempre muito perigoso.

                    Algo de novo nesses senhores com suas ideias... Nada que o behaviorista Hans Eysenck, já não tenha escrito em suas arengas contra Freud, a G
estalt e tudo quanto fosse Psicologia. Tanto que a exemplo de Pinker, que segue suas pegadas e repete-o por assim dizer, é, como Eysenck foi, o queridinho das Revistas científicas - Leia-se cientificistas, positivistas e materialistas, o que sem dúvida deve render uma boa comissão em dinheiro... 

          Gente como o Eysenck e o Pinker escreve o que esteja na moda entre os altos círculos 'científicos' nimbados pela mística cientificista, os quais convertem-se em público cativo e citadores seus. 

          Recordemos no entanto que dois homens honestos e leais - Um deles cientista. - examinando o elenco das evidências, foi pela negativa < Assim Popper e Eccles (The self and its Brain - 1977.) os quais nada tinham de imaterialistas... Merecendo crédito pelo simples fato de serem desinteressados ou insuspeitos. Outro cientista descomprometido que contestou a causalidade materialista foi Wilder Penfield, cuja alentada e acurada obra lemos - 

                    Muito antigo não...

                    Certamente, mas nem tanto...

                     Temos no entanto algo bastante atual: A controvérsia entre os dois Stevens: O Rose e o Pinker, o primeiro Bioquimico e Neurobiólogo, além de ateu - Não se trata, mais uma vez, de um monge ou de um psicanalista freudiano, mas... de um Fisiologista ou materialista por 'especulação'. Já o segundo - Oh Tempora, o mores! - é um psicólogo, naturalmente como Watson e Skinner o foram...

                        O quanto quero dizer aqui é que o Psiquiatra ou neurobiólogo e ateu Rose, a exemplo de Popper, Eccles e Penfield, não dá por suficientemente demonstrado ou como constatação científica inequívoca, que inexista consciência, que a mente seja um fantasma ou que o cérebro excrete pensamentos... Homem honesto e leal ele bem pode concluir, como pensador ou indivíduo, que as coisas sejam de fato assim - Confessa porém que nada disso foi empiricamente demonstrado. Digna especulação feita por pessoas inteligentes ou geniais, nada além... Posicionamento que nos trás a memória os nomes de Jay Gould e de DeGrasse Tysson...

                           Uma coisa são as constatações pessoais do cientista no terreno da metafísica. Outra suas descobertas científicas realizadas num laboratório. Preciosa distinção!

                            Assim se há psicólogos behavioristas ou positivistas e materialistas que vendem seus especulações como ciência, o que é para lá de suspeito - Pois implica dar por demonstrado justamente o que se crê ou quer. Há outros tantos que partilhando das mesmas convicções (E por tanto sendo insuspeitos!) são honestos a ponto de admitir que não foram empiricamente demonstradas - Assim Eccles, Popper, Penfield e Rose dentre outros... 

                              É o quanto basta para afirmar em alto e bom som que - Sobre a origem do pensamento ou o materialismo. - a controvérsia segue, tal e qual há dois séculos. E que não somos obrigados a engolir o materialismo de quem quer que seja, uma vez que por ora não passa de pura e simples Ideologia ou ponto de vista, a nosso ver precipitado e mal feito. 

                               Quanto a isso o sr Hermínio C Miranda tem plena e absoluta razão - Postulado metafísico que desejam impor dogmaticamente e nada mais...

                               As investigações de Freud e subsequentes avanços no domínio da Psicologia ou da Psicanálise bem como aquele tipo de investigação empírica cognominado meta psíquica ou parapsicologia, incomodam e causam repúdio por parte da elite cientificista justamente porque acumulam evidências contrárias ao dogma querido do materialismo.

                                Daí os esforços do Maddox, do Dawkins, do Dennett e do Pinker - Os guardiães ou senhores da verdade. - para lançar fora do clubinho tantos quantos ousem deles discordar. E Fermi e Dobzhanski, ficam sendo péssimos cientistas ou não cientistas pelo fato de não terem sido ateus e materialistas  Aqui o mesmo fundamentalismo abominável que criticam em seus adversários fundamentalistas sejam bíblicos ou muçulmanos, pois o espírito é o mesmo, inclusive quanto o sectarismo e a arrogância. 

                                  Outro aspecto curioso desse imbroglio é que Pinker na esteira de Skinner e outros tantos da velha cepa materialista é adversário confesso do livre arbítrio - E amiúde são liberais economicistas taiss senhores kkkkkk Digo-o porque tenho em mãos a obra de Monnod sobre esse tema e porque o ateu Steven Rose discorda...

                                   Ocorre-me tanta coisa a respeito do livre arbítrio - Elemento absolutamente incompatível com o ateísmo e com o materialismo (Este último mecanicista por definição como disse o Marques de Sade.). Antes de tudo o impacto de sua rejeição nos domínios da Legislação e da Ética - O que foi amplamente discutido no tempo dos liberticidas Lutero e Calvino, pupilos de Agostinho. Ainda me recordo da refinada argumentação de Erasmo, humanista por definição e representante de toda Europa civilizada aquele tempo... 

                                     Curiosamente tornou essa questão a baila no decurso do século XIX, justamente de carona no materialismo e no ateísmo, Vindo a criar um filão literário chamado naturalismo, o qual passou da França a Portugal e Brasil. A problemática, resolvida de modo diverso, era praticamente a mesma: Como atribuir responsabilidade e punir ou castigar os criminosos se eram determinados pelos genes ou pelo meio...

                                      Julgo que a questão continua premente e palpitante - Pois como punir um torturador ou estuprador de foi constrangido a cometer um crime que não poderia deixar de cometer... Afinal não castigamos e punimos justamente porque o autor de um crime qualquer sempre poderia não te-lo cometido, contendo-se por assim dizer...

                                        Aqui, mais uma vez ateísmo e materialismo topam com um sério problema nos domínios da Ética - Como se não basta-se o decantado utilitarismo individualista, o qual por questão de coerência lógica não podem ultrapassar. 

                                         Agora se há algo semelhante ou parecido com livre arbítrio - indeterminação no dizer de Rose e tantos outros, que resta do mecanicismo postulado por Sade... Afinal mecanicismo e determinismo sendo como duas metades da mesma moeda não se separam.

                                          Nada que já não tenha sido perscrutado pelo homem de Konigsberg, o qual após ter posto em dúvida nossas especulações metafísicas a respeito de uma Consciência ou de um Motor Supremo (Inda que Imanente.) observou que as mesmas e exatas impugnações opostas aos argumentos favoráveis a existência de Deus podiam ser aplicadas contra o livre arbítrio... Pelo que tornamos a repisada observação: Destruída a ideia de Deus tornam-se vulneráveis as noções de racionalidade e livre arbítrio, enfim o que nos qualifica como humanos em oposição a uma esponja ou a um coqueiro... Eliminados Deus e a Imortalidade vibramos o mais profundo golpe no humanismo e nos encaminhamos a dimensão do nihilismo...

                                Poderá a Ética (Sic) ou a Civilização suporta-lo...



                                

                     


Nenhum comentário: