sexta-feira, 20 de outubro de 2017

O tema da fuga...

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Como registrado foi em artigo precedente em posse do conhecimento da realidade assume o homem duas posturas características e antagônicas; a do afrontamento, que coaduna-se com o progressismo ou a da fuga, que corresponde a uma espécie de desespero invencível ou a um conservadorismo negativo nas palavras de meu grande amigo Douglas Eduardo Vaz.

Não se trata como bem poderia parecer de alternativas lineares. Não poucos progressistas, esquerdistas, trabalhistas, socialistas de modo geral após terem se dedicado por um longo tempo ao afrontamento e a militância (Tendo em vista a colossal dificuldade - já apontada com  peculiar lucidez por Freud - com que se transforma a realidade social) costumam costumam a passar por crises periódicas de angústia e desesperança até a ambivalência, alternando, em determinadas circunstância da vida, atitudes de afrontamento e de conservadorismo negativo ou desistência. Mauro Iasi caso não me falhe a memória, analisou detidamente esse problema numa de suas obras.

Temos de compreender estas pessoas ou melhor, temos de compreender a situação existencial experimentada por elas, as limitações do aparelho psíquico e a condição de cada um ao invés de sem mais classifica-las como vis traidoras ou inconsequentes. Do contrário nosso socialismo não terá valor algum. Ser humanista pressupõem no mínimo sincero esforço para compreender o outro, ao invés de te-lo em conta de conspirador malévolo.

Implica saber que a angústia não é em si mesma tolerável ou suportável, mas que corresponde mais ou menos a uma dor que se sente na alma...

Tanto mais intensa a dor, tanto mais a necessidade de ser estabilizada por meio de algum narcótico ou sedativo. No passado o ópio ou o clorofórmio... antes disto a Datura Stramonium, a Canabis Sativa, o Peyote, o Whisky... Homens e culturas sempre buscaram fugir a dor lancinante. Crendo-a radicada quase sempre no corpo. O homem moderno no entanto, objeto de tantos conflitos e frustrações, veio, mais do que qualquer um de seus remotos ancestrais a conhecer um outro tipo de dor não menos forte, a dor da alma ou a angústia.

Daí o já citado (apud artigo anterior 'Um pouco de arte) dramaturgo - Quem tem problemas tem conhaque... vodka, whisky, morfina... Afinal em situações de dor sedativo não é luxo, é necessidade.

E como a causa da angústia da-se inevitavelmente em termos de choque entre as instâncias mentais ou entre o Ego e o mundo externo, ao menos neste último caso, a única saída que se impõem é fugir deste mundo externo, cortar os vínculos com ele, separar-se...

Vindo a propósito a perda de consciência, por meio da qual temos acesso a outros estados de espírito, totalmente diversos da realidade.

No passado as multidões chegaram a crer que tais estados equivaliam a uma via de acesso aos seres divinos. Hoje multidões de homens irreligiosos continuam buscando-os não mais como forma de unirem-se ao sagrado ou ao numinoso, mas como forma pura e simples de romper com a realidade indesejável desde mundo ou enquanto fuga.

Apesar disto não é situação nem um pouco simples.

Fugitivos que recorrem a perda de consciência e a tão extravagantes fruições de prazeres costumam não poucas vezes a assemelharem-se aos marinheiros que bebem água do mar. E todos sabem muito bem o que se sucede com o infeliz naufrago que cede a esta forma de tentação...

Fugas bem planejadas e bem sucedidas podem se tornar recorrentes e incontroláveis; até que se perde por completo o nexo com a realidade vivida e se passa de vez para o outro lado, o lado da insanidade.

Pode sempre a fuga tornar-se compulsiva ou imperativa; e assim se perde o homem, não devido a angústia mas a fuga. Sempre bom após algumas fugas toleráveis buscar auxílio psicológico com que enfrentar a angústia em suas fontes e dribla-la. Fuga até pode acontecer como improviso, é compreensível. Urge no entanto, ir o quanto antes a raiz do mal e tentar estrai-la. Claro que num pais em que o custo do serviço psicológico é tão alto, as fugas podem se tornar ainda mais atrativas por serem menos onerosas, ao menos para o bolso...

Mas e se a substância empregada for nociva? E causar danos neuronais irreversíveis. E se os demais tipos de fuga ou compulsão tornarem-se incomodativos na medida em que se chocam com nossas necessidades vitais em termos de emprego, família, etc???

Não o tema da fuga não é nem um pouco simples. Na medida em que corresponde, não poucas vezes a um suicídio lento e inconsciente...

Assim se não se pode censurar o homem que sucumbiu ao peso tremendo da dor tampouco se pode deixar de orienta-lo no sentido de buscar por ajuda. Orientar é diferente de julgar e condenar. Como diria o Dr Frankl caso este homem não encontre um sentido mais profundo que o leve a apegar-se a vida mesmo com todas as suas dificuldades, quem poderá obriga-lo a viver? Se ele encara esta existência como um fardo doloroso, que podemos fazer? Como obrigar alguém a permanecer num navio que não o agrada ou a fazer uma viagem que não quer?

Como as dores da alma tendem a ser mais frequentes e continuas do que as dores do físicas, a intoxicação por meio excesso de sedativos ou por meio da fuga constitui uma ameaça real. Melhor tratar essa angústia já no começo... Após as primeiras fugas.

Bem, já enrolamos demais o amigo leitor. Urge finalizar este artigo. Arrolemos as possibilidades de fuga -

  • O fundamentalismo religioso, sempre associado a uma mentalidade magico fetichista ou seja crença em intervenções sobrenaturais e divinas. Tal a situação da gente simples ou ingênua sempre a espera de um milagre. Aqui sequer pressupomos qualquer explicação em termos de ocultação de causas ou de alienação, da qual o crente sempre pode prescindir. Descrevemos apenas a atitude vital daquele que abandonando mais e mais a vida refugia-se em templos e igrejas passando cada vez mais tempo assistindo a cultos religiosos, orando, consumindo literatura religiosa, etc Naturalmente que nos encontramos com um tipo de fuga plenamente justificado - O mundo é mal ou diabólico. Esta forma de fuga, que costuma ser total ou definitiva, tem seu principal risco quando a pessoa em questão acredita ser capaz de comunicar-se diretamente com a divindade, sendo estimulada neste sentido pelos líderes religiosos irresponsáveis. Assim por meio da via mística chegasse bastante facilmente a demência ou a esquizofrenia e não poucas vezes ao crime. Afinal não há pior opção do acreditar que tudo quanto pensamos, falamos, vemos ou ouvimos procede do próprio Deus.
  • Formas de hedonismo não substanciais ou químicas.
    Assim a compulsão sexual compreendida no sentido em que a busca pela fruição do orgasmo ou do prazer sexual converte-se em objetivo primário da atividade humana conflitando com as demais esferas da existência, assim com o trabalho por exemplo. Na medida em que essa busca vai trazendo mais e mais problemas, cumulativamente, caracteriza-se o problema. Trata-se aqui de um tipo de fuga bastante estimulado pema cultura e pela mídia tendo em vista certo nicho existente no mercado e evidentemente o lucro, situação que analisaremos em nosso próximo artigo sobre "A administração da alienação e da fuga ou do prazer pelo pode econômico."
    Outro tipo de compulsão diz respeito aos jogos de azar, estando nitidamente relacionada com a aspiração inconsciente pela emulação, pela auto afirmação ou pela realização pessoal, objeto de frustração. Aqui a relação com as finanças é ainda mais clara e perigosa, na medida em que uma pessoas viciada em jogos ou compulsiva pode vir a perder todos os seus bens muito rapidamente.
    Como variante deste temos a compulsão por jogos eletrônicos.
    Outra variante muito comum é a fuga por meio de uma realidade digital ou virtual paralela, inclusive produzida e comercializada. Tenho notícia de pessoas que por esta via chegaram rapidamente a alienação mental e irreversível por se terem hipostasiado com personagens e situações fictícias, cujo comportamento passaram a reproduzir socialmente. A derradeira variante é o esportivismo, no Brasil sob a forma do futebolismo e do clubismo, o qual não poucas vezes tem resultado em conflito armado e assassinatos. 
  • Chegamos por fim a menos crítica de todas as formas de fuga, se é que podemos dize-lo ou a que é mais apreciada pelo Sistema. Estamos nos referindo ao consumismo, em virtude do qual acreditamos poder saciar nosso vazio interior ou vazio de sentido e de perspectivas, adquirindo objetos, coisas ou mercadorias ou seja comprando, consumindo e aquecendo o Mercado. Aqui ainda a questão da auto estima, da realização pessoal, da auto afirmação... Pois não poucas pessoas sentem uma sensação indefinível de prazer, bem estar ou mesmo poder comprando coisas, o que em não poucas vezes reflete um estado psíquico análogo ao do misticismo, da auto sugestão ou mesmo do consumo de substâncias narcotizantes. Em tais circunstâncias além das dívidas o consume deve produzir certas substâncias glandulares ou endócrinas relacionadas com a sensação de prazer.
  • As formas de hedonismo químico resultante da introdução de certas substâncias no organismo seja por via bocal, nasal, venal, etc
    Temos aqui -
    A embriagues, definida como consumo de alcool na medida em que chega a alterar os níveis de consciências ou como consumo excessivo, o qual nada tem a ver com o consumo parcimonioso ou moderado (aqui C S Lewis). O problema imediato aqui são as situações em que o excesso conduz a perda total de consciência, assim o famoso caso do 'bêbado no banco da praça' ou o que é bem mais dramático, atirado inconscientemente sobre os trilhos de uma Ferrovia ou as margens de uma Rodovia, claro que todas estas situações traduzem certo grau de vulnerabilidade e comportando, riscos reais para a vida e a integridade física da pessoa. Afinal vivemos num pais em que índios e moradores de rua já foram incendiados pelo fato de estarem a dormir em alguma praça ou rua. A longo prazo todos sabemos que a embriagues implica sérios danos a saúde física, podendo resultar em cirrose ou câncer no fígado, para não falarmos noutras tantas moléstias 'comuns' como o AVC.
    Temos ainda aqui uma droga sintética extremamente forte e danosa, o Ecstasy, o qual é comercializado sob a forma de cápsulas ou pílulas. Associado a bebidas alcoólicas o Ecstasy tem seus efeitos potencializados podendo produzir facilmente uma parada cardio respiratória. O Ecstasy também pode conduzir os viciados a imbecilidade completa em curso prazo pelo esgotamento dos neurônios cerebrais.
    Chegados a via nasal temos toda uma gama de drogas inaláveis - Da cola e dos perfumes até o cigarro - que a bem da verdade não passa de uma droga legalizada - e o insidioso crack, i é as pedras de fumar feitas com cristais de cocaína (A qual também pode ser cheirada em pó). Ocioso dissertar a respeito dos riscos implicados no consumo continuo do tabaco descobertos há quase cem anos pelos médicos alemães do fuhrer. Igualmente ocioso mencionar os efeitos danosos do consumo de cocaína ou mesmo da inalação da maconha.
    Quanto a via venal temos a introdução de cocaína das veias. Aqui além de outros tantos riscos há o de contrair-se doenças transmissíveis devido ao uso comum da agulha e o de envenenar-se, haja visto que aqueles que manipulam tais implementos nem sempre estão conscientes do que fazem...
    O LSD pode ser consumido oralmente, inalado ou injetado, a vontade do freguês. É a dietilamida do ácido lisérgico produzida pela cravagem de um fungo do centeio desde 1943 por Albert Hofmann. A História do LSD constitui uma página a parte quanto ao consumo de entorpecentes pelo simples fato de ter produzido uma cultura, a cultura psicodélica (nos anos 60) relacionada com um grande número de artistas e intelectuais dentre os quais Aldous Huxley. É uma das drogas mais poderosas em termos de efeito, e relativamente segura. Sem consumo no entanto pode levar a psicose, inclusive crônica.
    Cumpre registrar a imensa popularidade da droga entre artistas e intelectuais, os quais tendo tomado consciência quanto a dura realidade da existência humana, e sua resistência a quaisquer tentativas de transformação deixaram-se dominar pela angústia e pelo desespero, resultando disto, obviamente a necessidade da fuga e consequentemente a droga. O trágico epílogo deste tipo de experiência todos conhecemos muito bem - A overdose e a morte... ou seja o suicídio, algumas vezes consciente, outras vezes não...

    FUGAS SAUDÁVEIS?

    Algumas fugas saudáveis tem sido relacionadas com a sensação estética produzida pela arte. Assim a fuga da realidade por meio dos livros de romance, ficção e fantasia. A fuga pela contemplação visual de um quadro ou duma exposição. A fuga pela poesia ou pela musica. A fuga pelo teatro. A fuga pela apreciação de cerimônias religiosas de caráter simbólico. A fuga moderada pela prática saudável de algum esporte. A fuga moderada pela apreciação sóbria do licor ou do narguilé. A fuga por um tipo de esforço pessoal agradável; como o artesanato. A fuga moderada pela arte culinária ou pela degustação de um bom prato. A fuga moderada pelo exercício da sexualidade, etc Em não poucas situações somos levados a perceber que a distinção entre o tolerável e o danoso esta apenas na intensidade da fruição a que chamamos fuga.


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