terça-feira, 3 de outubro de 2017

No 'inferno' do 'Amar é'




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Levante a mão quem ainda se lembra do álbum de figurinhas 'Amar é'.

Caso você seja dos anos setenta ou mesmo oitenta certamente ainda lembrará do simpático casalzinho castrado...

Época da Sarah Kay, da menina moranguinho, dos animais fofinhos, etc tudo muito bonitinho e encantador. E é claro que os namoradinhos do 'Amar é' não podiam fugir a regra...

Exatamente por isso eram desenhados muito moralmente ou seja sem os 'asquerosos' órgãos sexuais. Nem o menino tinha pênis nem a menina tinha vagina, eram ambos completamente lisos ou tapados, i é, sem buraco algum.

Orifício por onde fizessem o número um ou o número dois não havia e ficamos lá pensando se comiam ou bebiam qualquer coisa, e por onde saiam os refugos - Pela boca? Pelo nariz, ou pelas orelhas? A pergunta bem pode ter ocorrido a qualquer criança do nosso tempo (anos 80) e premiada lá com algumas palmadas por parte desses pais educadores que já não usavam a 'vara de marmelo'.

Eu como menino 'bíblico' ou crente só pude conhecer a 'Amar é' através de meus amiguinhos pagãos, que costumavam cola-las em seus cadernos e - pasmem, pasmem sim - havia sido orientado a não fixar os olhos em tais figurinhas, pelo simples fato de ostentarem corpos nus!

E como disse não havia ali sequer vestígios de órgãos sexuais ou qualquer coisa que insinuasse um pênis ou uma vagina! Era ambos castradíssimo e sem embargo disto, 'imorais'. Ao menos para parte da boa Sociedade.

Jamais pude esquecer o comentário feito por uma velha senhora diante de uma banca de jornais em cuja parte externa o proprietário havia colado um cartaz promocional das figurinhas:

-- Viu Minguinho (tal meu apelido de menino) a que ponto chegou esta sociedade (nem sabia o que era sociedade)? No meu tempo não se ostentavam corpos nus desse jeito, vou falar com o seo Morgado para não colar esse tipo de coisa na Banca.

Tá certo que a senhora em questão era de outro tempo... Tão certo quanto o menino e a menina serem lisos e castrados, e não haver qualquer sinal de, digamos, 'malícia' nas figurinhas. Exasperou no entanto muita gene mais nova e não estou convencido de que ainda hoje não exaspere algumas pessoas, especialmente os fanáticos religiosos... Sempre em guarda contra o corpo, a nudez e a sexualidade humanas.

Nem estou suficientemente convencido de que parte da Sociedade atual seja ainda mais fechada do que aquela dos anos 80...

Reeditado o álbum 'Amar é' em nossos dias, será que venderia mais??? Será que não fariam autos de fé pelas esquinas. Alegando que o casalzinho de castrados é decididamente imoral ou pecaminoso...

Uma coisa é certa meu senhor. Há quem se sinta incomodado com as simples linhas ou com o esboço pictórico de um corpo nu. No passado dizia-se nu artístico e não me parece que fizessem tanta bulha em torno dele quanto hoje...

Problema aqui é que não se tratam de casos isolados ou de pessoas psicologicamente desajustadas. Aparentemente essas pessoas melindradas são normais. O que temos aqui é a produção intencional de uma certa cultural maniqueísta ou puritana...

Dirá você que estou fazendo tempestade em copo dágua uma vez que a produção desse tipo de cultura anti corporal ou assexuada é produção que remonta há séculos.

Indubitavelmente meu querido, indubitavelmente. Consideremos no entanto que vivemos num mundo pós freudiano direcionado cada vez mais para a aceitação do corpo, do sexo e da nudez, não em termos de valores supremos (como querem muitos), mas certamente como algo natural.

Consideremos que o passado século, em que pesem exageros e abusos, foi um tempo de avanço. A tendência a que me referi acima era um agregado persistente, mas condenado, ao menos a longo prazo, a desaparição. As tendências mostravam isto...

Portanto o que me assusta ou incomoda é a retomada feroz desse tipo de discurso ou dessa produção cultural na mais larga escola. O que estamos assistindo, ao menos aparentemente, é a retomada de ideais e modelos maniqueus e puritanos que não só confinam com islã como preparam seu advento em nossas sociedades ocidentais. Há todo um discurso negativo ou pecaminoso em torno da nudez ou da sexualidade e cujo objetivo é produzir um generalizado sentimento de culpa entre as pessoas, especialmente entre as mulheres... o fim desse discurso é que após o corpo experimentar certa degradação ou a beleza declinar sucede o arrependimento, a conversão e por fim túnicas, icabs, burkas, shadores, etc como forma de penitência.

Que tais pessoas optem por ocultar seus corpos decrépitos deveria ser assunto de ordem privada. Lamentavelmente no entanto, assistimos a toda uma reação contrária ao direito dos demais membros da sociedade exporem seus corpos ao menos por parte de algumas dessas pessoas 'convertidas' a alguma religião qualquer... De fato elas não estão nem um pouco convencidas de que a tais pessoas assista o mesmo direito que assistiu a elas durante a juventude. Não é simples questão de arrependimento mas também de egoísmo inconsciente expresso pela forma clássica: Se não ouso mais mostrar meu corpo ninguém mais deveria poder faze-lo. Em tais situações as pessoas que ousam mostrar seus corpos passam a ser odiadas e quando não insultadas ou agredidas.

A parte da sociedade que se esconde o corpo e a sexualidade parece não se dar bem com a outra parte, seja a sexista ou a que busca viver com naturalidade, tornando-se ativamente hostil. Assim entre os que não vão a praia devido a questão da nudez costumam sentir-se molestados porque os demais vão e isto pelo simples fato de serem influenciáveis, covardes e não terem coragem para fazer o que querem. A pessoa que assume um princípio moral ou crença sinceramente e que busca vivencia-lo em máximo grau, via de regra não se preocupa com o comportamento alheio, apenas com o seu. A preocupação com o comportamento alheio em termos de Psicologia, denota sempre um insatisfação subjacente, desconformidade, insegurança e, é claro rancor. Rancor por achar-se obrigada a viver uma vida que não gostaria de viver.

Em termos de cultura no entanto o ponto de partida desta postura intolerante é a produção de um sentimento de culpa, relacionado com a retomada de um discurso maniqueísta ou puritano cujo objetivo é satanizar o corpo físico, a nudez e sobretudo a sexualidade humana. O que me suscita minha reflexões não é a sobrevivência circunstancial desde discurso enquanto mero agregado persistente mas sua decidida retomada em alguns contextos da sociedade brasileira, do que resultou toda esta polêmica assustadora em torno do homem nu lá no Masp.

Lamento por Fernando Sabino, autor impagável da Crônica 'O homem nu' já não estar mais entre os vivos para escrever um segundo conto ambientado lá no Masp...

Afinal, desta vez ao menos, é o mesmo povinho que leva os filhos no colo, durante os carnavais, para assistirem 'mulatas' (a expressão aqui é mesmo para despertar choque) semi nuas ou nuas em pelo, rebolando e se arreganhando na passarela... E quem se choca???

Tudo bem que pela primeira vez cobriram a globeleza com um vestido...

Homem branco rebolando nu em pelo foi o que a Globo jamais cogitou por.

A simples imagem da mulher negra nua, pobre, favelada, sem oportunidade na vida... estar ali se arreganhando diante de um montão de machos caucasianos com seus filhinhos impecáveis nos colos, é tão perversa que me faz lembrar as velhas vitrines de zoológico em que colocavam tipos humanos primitivos.

Se é mulher, negra ou morena, pobre, etc rebolando em cima de uma garrafa pode, é bonito... Agora basta expor a nudez de um homem branco, simplesmente sentado num lugar fechado para produzir exasperação... Meu Deus onde estamos???

Ah mais haviam crianças lá....

Ok, mas foi a exposição realizada para esse tipo de público?

Quem levou? Quem são os responsáveis? Que pretendiam eles? São seus filhos???

E se os pais quiseram levar as crianças ao evento para familiariza-las com a nudez, segundo a opinião deles, o que você tem a ver com isto??? São seus filhos??? Então você quer total liberdade para educar e criar seus filhos, surrando-os com a vara ou espancando-os por qualquer motivo e para os outros pais liberdade alguma???

Digo isso porque criança alguma foi posta ali pelo produtor do evento ou raptada!

Estavam ali porque foram conscientemente conduzidas até aquele lugar pelo poder paterno que vocês tanto endeusam em causa própria.

Alias quando o menino Bernardo foi assassinado pelos pais após ter procurado ajuda, qual a exasperação de vocês??? NENHUMA???

Vejam a disparidade!!!

Claro que a lei bem poderia, e é alvedrio seu, fixar uma idade mínima para a assistência do evento. Agora proibi-lo pelo simples fato de contar com a exposição de um Nu, de modo algum, de forma alguma. Não existe nada, absolutamente nada no nu que cause dano ao outro e se alguém adota o ponto de vista contrário não vá a exposição, não compre 'Amar é', não manuseie material pornográfico as ocultas, etc Uma vez que aqueles que encaram a nudez com naturalidade ou como parte da vida assiste o direito de contempla-la livremente.

Mas a contemplação da nudez é um pecado ou uma imoralidade.

OPINIÃO SUA.

Não minha, nem de outros tantos milhões de cidadãos honestos e trabalhadores que não teem problema algum de aceitação com relação a seus corpos.

Agora se pensa assim conduza-se de modo coerente, ao invés de pretender comandar os outros porque ainda há cidadãos livres nesta porra dispostos a não se deixar comandar por gente autoritária e controladora como você.

Se a questão é as crianças, que a justiça estabeleça um limite de idade quanto ao acesso a tais eventos. Claro que todos os cidadãos e todos os pais deverão obedece-los, como você deve obedecer a lei menino Bernardo e cessar de espancar seu filho ou apodrecer na cadeia. Se a questão é a lei, comece cessando de educar seu filho com a vara de marmelo ou de tortura-lo.

Agora quanto a exposição e acesso a nudez, cidadãos adultos e maduros não precisam ser tutelados por zelosos moralistas de fancaria. Vão viver seu azedume e sua amargura sem importunar os outros!

Não pensem que estou defendendo, como os esquerdopatas sem causa, a dimensão artística deste nu ou deste exposição de arte moderna, a qual deploro como psicologista, relativista, subjetivista, estúpida, etc Não sou nem pretendo ser partidário dessa arte degenerada a que chamam de moderna, sou pelo clássico, decididamente. E em questão de nu prefiro uma Vênus de Milos.

A questão a ser ponderada não é repito, a dimensão artística da produção, a qual bem pode ser negada ou questionada. Não sou dos que iriam a uns exposição de arte moderna, mesmo para ver o Gianecchini em pelo, palavra não iria. O foco da questão é a nudez e a aceitação do próprio corpo, pressuposto absolutamente necessário para a construção de um personalidade normal, sadia e equilibrada. A negação do corpo, da nudez e da sexualidade é o ponto de partida para o desenvolvimento de uma série de neuroses e distúrbios psicológicos, e francamente este mundo já esta cheio de anormais e de seres sem consciência explorando a anormalidade alheia com propósitos financeiros...

Comecei lembrando das coleção 'Amar é' com o simples traçado de corpos nus lisos e tapados. E termino formulando a seguinte pergunta: Será que no Brasil de 2030 alguém terá coragem de criar algo semelhante ou de reeditar o velho 'Amar é'??? Eis uma pergunta aparentemente tola que demanda nossa reflexão urgente! Que rumo estamos tomando e como será o Brasil do futuro?

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