sexta-feira, 14 de junho de 2013

Bolsa família - uma perspectiva histórica






Para que possamos compreender a mentalidade e os objetivos daqueles que desejam a suspensão da 'Bolsa família' convém analisar o discurso que durante as primeiras décadas do décimo nono século pleiteou a supressão do Sistema Speenhamland.

Iniciativa adotada pelos magistrados de Speenhamland, Berkshire; em 06 de maio de 1795 o 'Sistema Speenhamland' consistia em conceder aos agricultores mais pobres um abono ou auxílio em dinheiro, suficiente para que pudesse adquirir pão e consequentemente alimentar-se. O auxílio em questão correspondia ao número de filhos tendo em vista que criança alguma passasse fome. Sempre que o preço do trigo subia, o valor do benefício cobria os custos e garantia sua aquisição.

A primeira das advertências a serem feitas a propósito do sistema de 'Speenhamland' é que desde o princípio contaram com a oposição e crítica cerrada dos liberais. 

O primeiro golpe desferido em 1797 partiu do liberal Frederick Éden...

Na 'Situação dos pobres de Inglaterra' ele atacou o sistema de Speenhamland como sendo um 'Impedimento ao progresso agrícola nos campos'... Desejava ele que o jornaleiro completasse as dezesseis ou dezoito horas de trabalhado necessárias para 'adquirir o pão com o suor de seu rosto' e deplorava que após oito ou dez horas de trabalho abandonassem o eito e tornassem a casa, sabendo que o quanto faltasse seria completado pelo benefício...

E o último de Harriet Martineau, a qual assim se expressou:

"Estes homens favorecidos pelo abono, eram um obstáculo a contratação de homens mais dedicados, dispostos a trabalhar duramente por sua sobrevivência; de modo que todos acabavam por acomodar-se..."

Como sempre a um lado enfileiraram-se os poetas, filantropos, humanistas, etc como Carlyle, Kingsley, Blake, etc e do outro os liberais...

Estes sempre repetindo a mesma senha: o abono fazia com que os pobre trabalhassem menos ou se acomodassem, comprometendo o saldo da produção...

E aqueles advertindo que o regime de trabalho era excessivamente cruel e que os pobre tinha ao menos o direito de viver.

No entanto o que estava por trás de toda esta luta titânica travada em torno das leis de assistência poucos podiam adivinhar ou supor.

Coincidentemente fora em 1795 que os anseios de Smith, finalmente haviam sido correspondidos... referi-mo-nos a lei de 1662 que determinava a 'servidão paroquial' e consequentemente prendia os 'vagabundos' as paróquias impedindo-os de circularem livremente pelo reino e de satisfazerem a oferta de emprego oferecido pela indústria apenas emergente noutras regiões. 

Noutras palavras a afirmação da nova ordem social dependia da livre circulação da mão-de-obra.

Speenhamland no entanto, na medida em que assumiu a proteção do trabalhador agrícola e animou-o a permanecer no campo, preso a terra; frustrou mais uma vez os planos dos grandes investidores e teóricos no que concerne a formação de um proletariado 'independente' (a expressão é de Harriet Martineau) ou melhor dizendo de um exército de reserva determinado a trabalhar em troca de qualquer coisa ou de migalhas para não vir a morrer de fome...

Segundo Karl Polanyi Speenhamland representou o último grande esforço do corpo social e o derradeira muralha  posta pela cultura tradicional face as exigências do mercado auto regulável.

Na verdade os críticos do 'programa' em questão estavam muito pouco preocupados com os fazendeiros, o aproveitamento racional da terra, o ritmo da produção, o preço dos alimentos, etc Tudo isto não passavam de desculpas ou de pretextos pois o único resultado esperado era a oferta abundante de mão-de-obra oferecida por um custo reduzido...

Pois na medida em que as crises agrícolas expusessem os rendeiros e suas famílias a fome; não lhes restaria outra alternativa senão passar a cidade e trabalhar para obter o mínimo necessário tendo em vista a conservação da vida. Contavam pois os empresários citadinos com o espectro da fome para convencer os camponeses a abandonar suas terras e aceitar o trabalho 'livre e digno' que lhes era oferecido...

Speenhamland no entanto esconjurava justamente o espectro da fome, permitindo que o camponês sobrevivesse em seu próprio ambiente... ao invés de tornar-se refém ou prisioneiro das grandes cidades.

Diante disto a crítica liberal pôs-se logo a declamar contra os perniciosos efeitos do abono; cunhando por sinal o termo 'paternalismo'... como cunhou mais tarde os termos assistencialismo, populismo, etc Tudo no entanto por simples cálculo ou oportunismo... uma vez que tais programas de redistribuição de renda impede que os patrões possam explorar com máximo proveito as massas desassistidas e desamparadas.

Tendo o que comer e vestir as massas já não se deixam explorar e já não aceitam trabalhar por mísero naco de pão. E a vadiagem até se lhes apresenta como mais digna e honesta face ao que encaram como vil escravidão...  levando-os a 'negociar' com o 'senhor' e a exigir dele um salário melhor.

Evidentemente que todas estas decorrências frustram o meta liberal da maximização dos lucros...

Em tais conjunturas o patrão, o operário, o industrial... julgasse vítima por parte do Estado e passa a encara-lo como seu supremo inimigo e fonte de todos os males.

Por que impede que sua liberdade ou melhor que seu poder econômico suprima a liberdade do 'elemento servil' e abata sua dignidade.

Lamentavelmente Speenhamland foi revogado em 1834 correspondendo aos anelos do liberalismo.

Consequentemente em poucos anos a população agrária vendo-se em vias de morrer de fome abandonou os campos para concentrar-se no entorno dos grandes centros industriais como Manchester e Liverpool. Abrigando-se em miseráveis casebres de madeira e papelão e dando origem as primeiras 'favelas' modernas...

E sabemos que tipo de vida ficou reservada a este povo (de 1835 a 1890 - i é 55 anos!) que sequer possuía um palmo de terra para cultivar uma folhinha de alface... Podeis ler a tenebrosa crônica deste período áureo do liberalismo nas consagradas obras de Charles Dickens...

Por ora não removeremos todo este lixo fétido e pestilencioso produzido pela nova ordem...

Outro não é o significado do programa bolsa família no tempo presente!

Evidentemente que nos grandes centros urbanos como Rio e São Paulo -  nos quais o custo de vida é consideravelmente alto tendo em vista o consumo desenfreado - o significado deste abono de 100,00 é praticamente nulo. Pois em S Paulo o valor de uma cesta básica chega a 345,00 reais... 

No Nordeste, Norte e Centro Oeste no entanto, especialmente no campo; onde o custo de vida é bem menor e o custo com a alimentação de uma família pode chegar a 200, 150 ou mesmo 100 reais, A SITUAÇÃO JÁ É BEM OUTRA PORQUE ESTE PROGRAMA É CAPAZ DE ASSEGURAR A SUBSISTÊNCIA!!! Evitando situações de fome...

Duzentos anos depois esta evidenciado que o abono de Speenhamland proporcionou benefícios bastante concretos aos pobres de Inglaterra, evitando situações de morte, de fome e de extrema miséria e afastando daquele reino uma conflagração nos moldes da Revolução Francesa...

O mesmo podemos dizer a respeito do Bolsa família.

Afinal como sabido é de todos há sucessivas décadas as populações agrícolas deste país tem abandonado os campos em demanda das grandes cidades - fenômeno do êxodo rural - para converter-se em mão de obra assalariada e engrossar cada vez mais nossas periferias e favelas... E não podemos perceber como falta de tantos braços no campo pode ter beneficiado a produção agrícola e reduzido o custo dos gêneros...

A situação se nos apresenta ainda mais grave quando voltamos nossos olhos ao Nordeste assolado pela seca...

O qual durante gerações permaneceu abandonado pelo governo central...

E cujos habitantes foram em grande parte constrangidos a migrar para as grandes cidades do sudeste como Rio e S Paulo, potencializando a economia destes centros, gerando recursos, produzindo riquezas e obtendo em troca apenas e tão somente a miséria neste últimos e tristes tempos coroada pelo preconceito e a discriminação.

Evidentemente que tais contingentes não passaram as cidades e grandes centros econômicos com o intuito de passear ou de fazer turismo... não abandonaram o domínio ancestral por livre iniciativa... não deixaram seus lugares livremente mas quase sempre constrangidos pela ameaça da fome!!! Foi a fome que empurrou as massas sofridas do campo e do nordeste para o habitat urbano; no qual lhes foi reservada a pior parte...

Nem precisamos ser gênios para concluir que a situação acima descrita correspondia perfeitamente aos interesses dos investidores e patrões na medida em que propiciava larga oferta de mão-de-obra a preços bastante convidativos... permitindo inclusive a formação de um vasto exército de reserva e possibilitando, na prática, drástica redução dos proventos auferidos ao trabalhador e consequentemente a tão desejada maximização dos lucros...

O papel exercido pela miséria e pela fome nos campos vinha a calhar... era mister abandonar o campo a suas próprias forças para que sucumbisse miseravelmente e fornecesse mão-de-obra abundante as cidades; pois até bem pouco tempo acreditava-se piamente que o futuro estava nas cidades e no industrialismo e que nada devíamos esperar dos campos...

E nem podemos estranhar que o preço dos gêneros jamais tenha parado de subir na medida em que terras e mais terras foram deixando de ser cultivadas e tornando-se por assim dizer 'devolutas' quando não foram convertidas em pastagens... O empresário no então pode pagar o quanto quiser por sua lagosta ou alcachofra; enquanto ao operário sempre bastara um pedaço de pão, um ovo e algumas batatas... aqui quem se ferra sempre é o operário... pois o salário jamais lhe permitirá saborear alcachofra, lagosta...

Eis porque os meios de comunicação assoalhados pelo capital gritam todos os dias a plenos pulmões contra o bolsa família, esperando por sinal lançar o Sul e o Sudeste contra o resto do país. Porque os empresários ou sentem ou temem sentir a curto e médio prazo os efeitos do programa...

Pois na medida em que a fome não mais empurrar os campesinos e nordestinos para os grandes centros urbanos é certo que a mão-de-obra não deixará de sofrer certo impacto... o teóricos liberais são capazes de compreender exatamente o que estou falando e as massas sofridas do Sul e Sudeste também: sem a concorrência dos migrantes desesperados por uma vaguinha a procura por empregos diminuirá e acarretará por parte do patronato a necessidade de acenar com propostas tanto mais sedutoras em termos de salário...

Tolice seria crer que a lei da oferta e da procura no que diz respeito a ocupações e salários, permanecerá inalterada mesmo que o ritmo das migrações e deslocamentos: campo > cidade; diminua sensivelmente... Pois o exército de reserva diminuirá... e os salários terão de subir. Eis um autêntico suplício para tantos quantos buscam a tão alardeada maximização dos lucros...

Sem o fantasma da fome um número cada vez maior de pessoas lograra manter-se no seu lugar, no seu habitat, no seu canto, aquecendo a economia local; ao invés de vir morrer a minguá nos grandes centros urbanos.

Então percebam só o impacto que programas como o bolsa família produzirão ao largo de várias décadas... trata-se na verdade duma dívida que os estados do Sul e Sudeste - cujos empresários tanto lucraram por obra e graça da seca e das migrações - tem para com os estados do Norte e Nordeste ou que as grandes cidades tem para com o campo... campo sempre menosprezado e desprezado.

Enquanto para os parasitas que controlam o poder econômico significam gastos até certo ponto irrelevantes - caso tenhamos diante dos olhos o lucro exorbitante que sempre obtiveram - para o humilde caboclo refugiado em sua casinha de sapé significa mesa forrada, roupa asseada e saúde cuidada; efeitos que ao invés de minimizarmos como canalhas, deveríamos enaltecer como Cristãos e acima de tudo como membros da grande família humana.

Eis porque não posso nem quero ser massa de manobra destes empresários sem consciência ou dos meios de comunicação por eles financiados. Destarte o que classificam como paternalismo, populismo, assistencialismo, etc classifico como humanismo e encaro como cumprimento da justiça sob seu aspecto social.









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