quarta-feira, 12 de junho de 2013

Bolsa família e seu significado - uma abordagem histórica II > O liberalismo econômico




LIBERALISMO ECONÔMICO



Grosso modo o posicionamento dos defensores e críticos do programa bolsa família reflete dois tipos de 'visão de mundo' radicalmente distintos ou melhor francamente opostos: a liberal economicista e a socialista humanista.

Segundo o primeiro modelo em questão as coisas funcionariam da seguinte maneira:

O setor econômico constituiria um compartimento fechado face aos demais setores da vida e da organização social gozando de total e absoluta autonomia. Destarte seguiria seu próprio curso, segundo as exigências e leis do mercado, regulando-se internamente como uma espécie de relógio... Na medida em que todas a leis e garantias que o Estado autorgou aos trabalhadores fossem revogadas e ao empresário/patrão fosse concedida plena liberdade assistiríamos ao alvorecer duma nova Era sem precedentes para a humanidade.

Eliminados os gastos excessivos provocados pelas leis que protegem o trabalhador, os lucros obtidos pelo empresário seriam maximizados de modo que investindo os excedentes convertidos em 'capital'  produziria novas frentes de trabalho garantindo a oferta de emprego para todos... o liberalismo só avança até aqui: geração de emprego para todos...

Mas é irredutível quando se trata das condições em que o emprego será oferecido... e devemos lembrar que aos escravos da antiguidade e do Brasil colônia também era garantida a oferta de empregos...

O liberalismo nada pode garantir ao povo em termos de condições pelo simples fato de opor-se a qualquer tipo de regulação externa, social ou política da qual dimanem leis e garantias. A livre iniciativa é e sempre foi a base de seu credo...

Na medida em que todos estiverem empregados supomos - e os liberais exploram esta suposição ao máximo - que possam arcar com os custos pessoais (habitacionais, terapeúticos, educativos, etc). Disto resulta que o estado não precisara mais investir ou sequer atuar em tais áreas (humanas ou sociais) e que elas seriam franqueadas a livre iniciativa aumentando ainda mais as frentes de trabalho e o consequente progresso social... e se o estado não precisa investir em tais áreas os impostos acabam sendo reduzidos ou até mesmo eliminados - donde o liberalismo acena com a sedutora proposta da redução da máquina tributária... a própria figura do estado tenderia a desaparecer ampliando a esfera de nossas liberdades pessoais.

Com tais promessas acena o liberalismo, embora promessas também possuam o fascismo e o comunismo...

Aqui tudo parece belo e o panorama idílico porque apenas se supõe ou se deixa subentender nas entrelinhas que o trabalhador ou operário sempre obterá o necessário para manter-se com certa dignidade e conforto.

O fundamento no entanto é metafísico e posto em seu lugar e bem compreendido faz o sistema concebido com exatidão matemática desabar como um castelo de cartas. E porque???

Justamente porque entra aqui o arbitro humano ou seja a livre iniciativa ou melhor a livre vontade do patrão que determina o valor e as condições do trabalho...

Caso levemos tal fundamento em consideração saberemos perfeitamente o que o liberalismo acenou e o que realizou de fato.

Implica o liberalismo noção otimista de individualismo, algo como: o indivíduo é bom ou simpático por natureza; em suma o oposto do 'pecado ancestral' dos cristãos e parte assumidos pelos comunistas e totalitários em geral. Os totalitários sendo pessimistas quanto a natureza humana teorizam o absolutismo ou estatolatria... os liberais economicistas sendo otimistas sustentam que o indivíduo deve fruir da liberdade em termos absolutos ou quase que ilimitados. Para o totalitário o mal supremo é a pessoa ou melhor a liberdade, já para o liberal economicista o mal supremo corresponde ao grupo social ou ao estado sempre opressor e repressor.

Posto está que ambas as visões são artificiais, idealistas, ingênuas, forçadas... e enquanto tais autênticos credos. Historicamente falando o homem não é nem mocinho nem bandido mas um ser em construção, capaz de em certas circunstâncias agir bem e noutras mal.

Foi justamente a possibilidade de um ou de vários indivíduos procederem de modo inadequado e prejudicial que resultou na ideia de um controle a ser exercido pelo corpo social face a liberdade individual, estabelecendo seus límites (aqui a velha ideia: a liberdade de um termina onde começa a do outro).

Evidentemente que a própria ideia de controle social veio a sofrer abuso na medida em que assumiu formas diversas, até o Estado a ser assaltado por indivíduos e grupos que fizeram reverte-lo em proveito próprio em detrimento do povo ou do corpo social, tal e gênese do estado burguês ou liberal.

Então não podemos encarar ingenuamente o estado, como deus ou demônio, mas como recurso que em certas circunstâncias ou conjunturas dou favorável e noutras desfavorável a promoção humana e a concretização de um ideal ético.

Tanto a pessoa como o estado assumiram condições diferenciadas e múltiplas, e complexas no decorrer do processo histórico e estas condições não podem ser apreciadas a partir da simplicidade dum esquema binário em torno de otimismo ou negativismo absolutos. A visão objetiva ou realista pautada na análise histórica deve repudiar tanto a visão maniqueísta de estado quanto a visão utópica do 'indivíduo sempre bom' e V Versa.

Disto resulta que a atribuição duma liberdade absoluta aos patrões nos termos propostos pelo liberalismo poderá resultar em desmando, opressão, abuso de poder, exploração, etc Crueldade, crimes, etc e não apenas e tão somente das benesses e vantagens acenadas pelo sistema.

Negar esta possibilidade ao ser livre será sempre mistificar...

Foi diante deste beco sem saída que o liberalismo teve de assumir seu carater materialista e forjar uma lei que determinasse o salário pago ao operário em termos puramente mecanicistas.

E saiu David Ricardo, teórico clássico com a lei de ferro dos salários.

Segundo este expositor o salário jamais ficaria ao sabor subjetivo do livre árbitro dos patrões, seriam antes regulado pela dinâmica interna do mercado estabilizando-se A NÍVEL DE UMA SUBSISTÊNCIA MÍNIMA.

Observem então que o liberalismo clássico não acena com o paraíso aos operários, porque se o salário recebido por eles jamais ficará abaixo de determinada parcela ou quantia devemos compreender que esta parcela ou quantia diz respeito a um nível de subsistência mínima.

Evidentemente que nem todos são capazes de compreender o significado de tão pomposa expressão, então devemos retirar o véu da Ísis liberal e revelar o segredo da esfinge ricardiana> por subsistência mínima devemos compreender a seguinte promessa: o salário recebido pelo proletário sempre haverá se ser suficiente para que ele sobreviva...

E com o SOBREVIVER mais uma vez a crença ou credo liberal recaí nas malhas do demônio subjetivista - logo ele que revindica uma exatidão matemática para seus pressupostos! - pois o operário compreenderá o termo sobreviver de um modo e o patrão de outro...

O patrão inglês do século XIX compreenderá que o operário sobrevive mesmo quando recebe apenas para forrar o estomago com babatas, pão preto e 'cachaça', quando trabalha até dezesseis horas por dia, quando dorme por apenas quatro ou cinco horas, quando habita um alcouce infecto de metro quadrado, quando trabalha em condições insalubres, etc Tal o significado de 'sobreviver' para os burgueses ou patrões e como assinalou Nordau trata-se numa morte contínua já porque, a longo prazo, reduz drasticamente a longevidade das massas a ela submetidas... Então aqui sobreviver é estar sujeito a uma morte lenta e dolorosa...

Naturalmente que para o trabalhador sobreviver implica 'salário família', mesa farta, habitação digna, roupas asseadas, acesso a medicina e a educação, etc O que o liberalismo com sua lei de ferro dos salários não leva em consideração ou conta. Então, se em tais contingências - produzidas pelo liberalismo - o estado não interfere positivamente investindo na saúde, educação e economia; este operário esmagado pelo exército de reserva e cuja derradeira liberdade é escolher aquele que o explorará; perecerá fatalmente quanto ao corpo e ao espírito... achacado pela enfermidade e pela ignorância crassa.

Então perceba que o discurso liberal é totalmente falacioso já por exigir de nós um ato de fé na bondade natural do indivíduo, já por deixar ao alvedrio dos patrões a conceituação do termo 'sobrevivência' e os insumos mínimos relacionados a ela... e introduzido o fator volitivo ou subjetivo a auto regulação do mecanismo torna-se problemática.

Por outro lado não é menos certo e evidente que o liberalismo economicista, mais do que o macro estado talvez; colaborou para reduzir a esfera das demais liberdades: seja a política ou a pessoal. A emergência da economia burguesa e a construção do sistema representativo (Locke) Arendt vincula a redução do espaço político tão caro aos antigos gregos e a eclipse da cidadania. Por outro lado situações de violência engendradas pela miséria tem servido para atemorizar os cidadãos e dar suporte a um discurso segundo as liberdades pessoais devem devem ser reduzidas com o intuito de garantir a paz e a segurança, e cada vez mais a liberdade é negociada e permutada tendo em vista a segurança... aplainando os caminhos do totalitarismo e da estatolatria.

Na base de tudo isto encontra-se a extrema miséria produzida pela exploração da mão de obra pelo patronado. Destarte enquanto as grandes fortunas acumulam-se a um lado de geração em geração, a miséria     , a pobreza, a ignorância, a alienação, a violência, o fanatismo religioso, etc acumulam-se a outro (Henry George) acenando com a desagregação do corpo social...

Em tais conjunturas o liberalismo, que não poupa críticas a investimentos e gastos no campo social da promoção humana, mostra-se incapaz de tecer a mais leve crítica aos gastos relacionados com policiamento e exército... pois depende de tais mecanismos ou aparelhos de repressão para conter os trabalhadores e massas descontentes no respeito. Haja visto que em cada greve ou mobilização o estado fantasma interfere poderosa e ativamente a favor dos empresários e patrões...

Não passa pois de lorota a afirmação de que o fascismo ou o comunismo deram inicio a opressão. Pois a única liberdade de que os proletários desfrutavam sob o regime liberal ou semi liberal era, como já foi dito, a da e escolher o patrão porque ser explorado ou morrer de fome; o que implica liberdade alguma ou seja a escravidão economicista. Os fascistas e comunistas apenas mostraram-se mais honestos e, possivelmente agraram a opressão vigente há séculos e apenas dissimulada hipocritamente pelos papéis, digo pelas leis e direitos que não podiam ser exercidos.

Em verdade o estado burguês ou liberal estabeleceu um padrão de intervenção (policial e militar) ao contrário e foi dissimuladamente totalitário na medida em que conteve pela força as massas trabalhadoras por geração.

Então já sabemos porque do ponto de vista dos liberais programas como 'bolsa família' e 'Prouni' ou mesmo programas destinados a proteger espécies em extinção ou a tratar crianças africanas vitimadas pelo câncer ou o HIV, são sempre descritos como 'gastos inúteis' e irremissivelmente condenados. Porque o segredo do progresso é investir no mercado ou na econômica, produzindo empregos, e não diretamente na pessoa humana, tornando-as 'dependentes'... Mas eu nem sei como as criancinhas aidéticas e os deficientes crônicos poderiam tornar-se independentes... Atrelados 16 horas por dia a uma máquina qualquer talvez???







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