Antes de iniciar este artigo gostaria de assinalar que nem todos os comunistas são inimigos de programas sociais como o 'Bolsa família' e o 'Prouni' havendo entre eles alguma gente de boa vontade que reconhece o valor de iniciativas como estas na conjuntura atual.
De fato os Comunistas não se consideram socialistas, consideram-se Comunistas e a começar por Lênin encaram as diversas formas socialistas como sintomas diferentes da mesma 'enfermidade infantil'...
Num primeiro momento apontam eles certo temor ou receio, por parte de algumas correntes socialistas - a começar por P Kropotkin - de se recorrer sistematicamente a violência e a sedição; ou certa hesitação em promover efusões sangrentas, extermínios, carniçarias, atentados, etc
Eles não podem nem querem compreender que o recurso a violência também ele deva passar pelo crivo da razão... e não desejam refletir sobre o descontrole de certas situações, os excessos, os abusos, etc que atingindo em cheio a vida humana tornam este método bastante discutível e contraproducente. Já porque em seu curso a força ignora quaisquer distinções entre opressor e oprimido, agressor e vítima, burguês e alienado, patrão e proletário, etc de modo que muitas vezes acaba a aniquilando o inocente juntamente com o culpado e exterminando ou aumentando os sofrimentos daqueles que propôs a emancipar...
Pois não podemos ignorar que a maior parte daqueles que estão inseridos neste sistema de morte é constituída por alienados, isto é por pessoas que são manipuladas pelo poder político, pela imprensa, pelo fanatismo religioso, etc Numa só palavra: por vítimas que sequer tem consciência a respeito de sua condição... E não vemos a que título seja justo imolar ou exterminar tal categoria de pessoas juntamente com o elemento opressor.
Num segundo momento os Comunistas sustentam a doutrina da restrição das liberdades humanas as quais acrescentam o epíteto de 'burguesas' e dos demais direitos inerentes a pessoa; revindicando a construção duma ordem totalitária e opressora a que denominam 'ditadura do proletariado'. Por ditadura do proletariado - expressão cunhada por A Blanqui - devemos compreender a ditadura do Partido Comunista na medida em que se apresenta como órgão autorizado do proletariado e depositário de seus anseios e expectativas.
Assim reproduz em si o Comunismo os velhos e decantados erros apresentados por seu antípoda: despotismo, materialismo, economicismo, tecnicismo, monoculturalismo ou tentativa de padronizar os seres humanos, etc
Personalismo/humanismo e anarquismo apenas tem o mérito de demolir tais ídolos e de dar cabo de semelhantes fetiches transmitidos ao comunismo pela mística positivista, decantado subproduto do éthos liberal.
Não devemos estranhar pois de que em algumas situações liberais e comunistas; em que pese a enorme distância que os separa, estejam de acordo e encontrem-se do mesmo lado.
Fortemente influenciado pelo positivismo do tempo Marx acreditava que o Comunismo só seria possível e viável quando o ideário liberal atingisse ulteriores estádios de desenvolvimento, de modo que a passagem para o comunismo se faz por meio do liberalismo e o liberalismo fica sendo uma etapa ou degrau rumo ao comunismo.
Não se trata aqui - e nem sequer podemos pensar nisto - de conservar ou resgatar qualquer elemento humanista ou solidário que tenha precedido o advento do liberalismo e menos ainda de 'retomar' qualquer coisa que tenha sido perdida no meio do caminho. Trata-se antes de destruir o liberalismo e este só pode ser destruído caso venha a existir...
Da doutrina marxista salta a vista uma necessidade: a de que o liberalismo se expanda livremente, cresça, desenvolva-se e atinja níveis cada vez mais complexo até entrar em crise e ceder espaço ao comunismo... é como se o sistema liberal fosse semelhante a um organismo vivo devendo por consequência: nascer, viver, crescer, desenvolver-se, declinar (a crise) e morrer. De modo que seu nascimento ou introdução nas diversas culturas seria um 'mal necessário' ou uma etapa a ser percorrida... tampouco poderíamos imaginar - como em sua cegueira imaginam os socialistas - cortar passo e impedir seu desenvolvimento por meio de sucessivas reformas...
Cada reforma empreendida pelos socialistas e humanistas é encarada pelo comunistas como um prolongamento da vida e da subsequente agonia do liberalismo. Sempre que por meio da reforma agrária, das leis trabalhistas, dos programas sociais, etc suavizamos ou amenizamos as mazelas do sistema estamos emprestando-lhe novo fôlego de vida e dilatando seu reinado...
Eis porque nas mais variadas situações os comunistas fraternizam-se com os liberais em seus ataques e suas críticas ao ideário reformista do socialismo.
Para os comunistas o socialismo por representar um entrave a implantação e desenvolvimento do programa liberal posterga do mesmo modo e maneira a aparição e triunfo do comunismo.
De fato a maior parte dos comunistas encarna a ideia maquiavélica e desumana do 'Quanto pior melhor'...
Pois acreditam que rigorosamente aplicado o ideário liberal redundará em fracasso e que estre fracasso corresponderá a ascensão e vitória do comunismo. Fique pois o estado entregue a sanha feroz dos burgueses té que desabe e seja tomado de assalto pelo proletariado...
Aqui conter o liberalismo é sempre uma desgraça e enjaula-lo como fez Keynes uma tragédia.
Esperam os comunistas que o 'furor' liberal açule de tal modo o bom povo que este mesmo se veja obrigado a lutar ou a apoiar a luta dos comunistas. Segundo esta ótica é necessário que a proletarização siga seu curso, que a produção de miséria aumente, que a situação de injustiça se agrave, que a desigualdade social se aprofunde; enfim que o bom povo sofra como gado levado ao matadouro, té que a situação, atingindo niveis jamais vistos ou imaginados, torne-se insuportável. Constrangendo o proletariado a exercer violência e tomar o poder...
Tal e qual a matemática dos liberais, esta também parece ser exata...
Porque os comunistas tal e qual os liberais, sendo materialistas, abstraem e desconsideram o elemento humano.
Afinal se o povo será despertado de seu letargo por meio dos sofrimentos e dores, estamos quase diante daquela lógica de ferro que leva o Hindu - compenetrado a respeito das derradeiras exigências e fins da Sansara - o cuspir no rosto do cego e do aleijado que lhe pede esmola... pois qualquer tipo de suavização: mesmo a caridade exercida pelos religiosos, serve de obstaculo ao fim proposto.
Destarte, para que o fim seja concretizado e o povo, oprimido até os limites da suportabilidade deveriam os cidadãos conscientes e apóstolos da 'nova' ordem comunista conduzirem-se exatamente como o super homem de Friedrich Nietzsche, como o homem superior de Herbert Spencer, como o individuo impassível de Stirner... ou seja adotar, ao menos por estratégia ou conveniência, o ideário dos individualistas, darwinistas sociais e anacaps; persuadidos de que assim procedendo as coisas seguirão seu curso livremente, até que o povo se canse de tanto sofrer e ponha termo em semelhante estado de coisas abraçando a causa do Comunismo...
Então o caminho para o comunismo sera o calvário do liberalismo extremo e a via da dor e do sofrimento até a suprema angústia e desesperação... aqui a compaixão esboçada por socialistas dos mais diversos matizes será sempre contraproducente. Faz-se mister que a 'evolução' siga seu próprio curso... guarde-mo-nos pois de intervir e de mitigar este infernal estado de coisas.
De certo modo esta visão cruel segundo a qual os sofrimentos conduzirão a sociedade a transmutação e a glória não deixa, no fundo no fundo, de aproximar-se do darwinismo social... Um e outro sistema encarecem a luta e o conflito como fatores evolutivos e associam a paz e a concórdia a paralisia...
Implica esta visão extremista admitir que tantos quantos lutaram e se empenharam - de 1880 a 1940 - para afastar a Inglaterra da sereia liberal e por edificar o modelo 'trabalhista' lobrigaram em vão ou melhor trabalharam em favor do liberalismo, prolongando sua existência... e implica sobretudo em permanecer completamente indiferente - e aqui esta o cerne da questão - face a morte prematura de MILHÕES E MILHÕES DE SERES HUMANOS IMOLADOS AO DEUS MERCADO...
Implica o etapismo dos marxistas a aceitação da morte, da fome, da miséria, da opressão, da indignidade, etc como males necessários ou mesmo como eventos de natureza positiva na medida em que encaminham a sociedade para seu derradeiro e último fim: o Comunismo...
Ora o tão execrado socialismo reformista tem sido justamente isto: uma obra de compaixão face aos sofrimentos alheios e o firme desejo de minora-los sem consideração de etapas, estádios ou fases a serem necessariamente percorridas pela sociedade. Já sabemos pois porque enquanto comunistas e maniqueistas (adversários radicais do estado) cruzam os braços e assistem do alto da arquibancada, como platéia, o rosário de sofrimentos, dores e lágrimas experimentado pelo bom povo; os odiados socialistas descem a arena da política burguesa, infiltram-se nela, abalam suas estruturas e implementam reformas que correspondam aos anseios concretos das massas oprimidas. Comunistas e maniqueus cruzam os braços e entregam-se a discursos verborrágicos enquanto os socialistas descem ao cenário do parlamento e agem tendo em vista o bem comum e a felicidade geral da nação.
Eis porque os comunistas pouco se importam diante da manobra liberal que tem em vista a aniquilação e completa supressão dos direitos trabalhistas. Porque na verdade esperam que semelhante política exaspere e desperte as massas trabalhadoras até então acomodadas atraindo-as a luta.
Isto também explica e nos ajuda a compreender porque parte deles faz coro com os liberais a ponto de encarar a totalidade dos programas sociais implementados pelo centro ou pela esquerda como formas de paternalismo, assistencialismo, populismo, etc a serem erradicadas.
Assim sendo é natural que mostrem pouco ou nenhum entusiasmo pelo 'bolsa família', o 'pronacampo', o 'prouni'... pois para eles 'Quanto pior melhor'...
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