domingo, 24 de setembro de 2023

Hipóteses sobre Gobleki Tepe




Durante séculos ou milênios acreditamos nós que a construção de alvenaria mais antiga fosse a Pirâmide de Sakkara, edificada pelo divino arquiteto Inhotep, para o Faraó Djoser ou Neterkete, durante a terceira dinastia do Antigo Reino egípcio i é por volta de 2.600 ac ou há quase cinco mil anos passados.

Outros apostavam no enigmático círculo de pedras - Megálitos - de Stonehenge, erguido cerca de meio século depois. 

E de fato nada parecia haver de mais antigo em termos de alvenaria, e caso houvesse seria uma Revolução.

Como o argumento do silêncio é notoriamente falso e a pesquisa histórica, sob todos os aspectos recente, é natural que nossas conclusões sejam provisórias e que retroajam frequentemente na medida em que topamos com artefatos mais antigos até então ignorados. 

Devemos estar preparados para isso e esperar retrocessos cada vez maiores - Pois sempre poderemos encontrar artefatos mais antigos.

Enquanto preparo este artigo é descoberta (2021) a pintura rupestre mais antiga no mundo, contando com cerca de quarenta e cinco mil anos e encontrada na caverna Leang, Indonésia, parece representar um javali. Será ela a mais antiga... O quanto podemos dizer é que é a mais antiga conhecida, até o momento presente... E no entanto quando, há século e meio, D Marcelino Sautuola topou com as pinturas de Altamira e propôs que tinham mais de dez mil anos o próprio Cartailhac não lhe deu crédito algum, havendo inclusive quem postulasse uma falsificação moderna... E hoje falamos em quarenta e cinco mil anos... Quem garante que daqui a um século não terão sido descobertas outras pinturas do gênero com sessenta ou setenta mil anos...

Que dizer então dos primeiros elementos decorativos ou desenhos e adornos malacológicos... Basta dizer que desde o começo deste século foram encontrados na caverna de Blombos, na costa da África do Sul, elementos que datariam de cerca de setenta e cinco mil anos atrás. E no entanto é provisório, e bem podemos suspeitar que existam artefatos ainda mais antigos que ainda não foram encontrados, elementos que foram destruídos e elementos que talvez jamais venham a ser localizados. Jamais podemos declarar que qualquer peça encontrada por nós é a mais antiga ou a primeira em termos absolutos.

E agora, na mesma África do Sul, umas pegadas recém descobertas sugerem a possibilidade de que nossos ancestrais usassem já algum tipo de sandálias cerca de cem mil anos passados... Tais os tetravós das nossas havaianas.

Nada de novo debaixo do sol.

Pois nas Cataratas do Kalambo, na Zâmbia, uma estrutura de madeira com cerca de meio milhão de anos (476.000 anos) pertencente, possivelmente a um abrigo primitivo... O que para alguns pesquisadores supõem inclusive gênero de vida sedentário. 

Que dizer então do Homo Naledi e seus enterramentos - Localizados no complexo de cavernas Star, na já citada África do Sul - que remontam a cerca de duzentos mil anos... Se até bem pouco tempo havia quem risse de Shanidar... Poderia citar ainda o menino do Lapedo, descoberto pelo nosso Zilhão...

A arqueologia esta sempre a surpreender-nos, a corrigir a História e a eliminar opiniões preconcebidas de talhe ideológico. 

E de fato, algumas de suas descobertas chegam a subverter os tais palpites ou opiniões, chegando a ser revolucionárias, na plena acepção do termo.

Desde 1994 não se pode mais escrever sobre História ou sobre Idade primitiva sem mencionar as descobertas do arqueólogo alemão Klaus Schmidt em Gobekli Tepe, cerca de Sanliurfa, Turquia. 

Forçoso mencionar Gobleki Tepe como mencionamos as sete maravilhas da antiguidade ou como mencionamos as Pirâmides de Gizé, os túmulos de Ur, os restos de Mari, Ebla ou Palmira, os palácios de Nínive, os complexos de Cnossos, as ruínas de Tróia e Micenas, a grande muralha da China, Pompéia e Herculano, os Moais da Ilha de Páscoa e algumas outras descobertas emblemáticas.

E juntar o nome imortal de Schmidt aos de Denon, Schliemann, Champollion, Lepsius, Layard, Sayce, Petrie, Evans, Wooley, Carter, Montet, Uhle, Reich, Tello, Heyerdahl, E M Moctezuma, Perthes, Lartet, Dubois, Andersson, Leakey, Coppens, Tim White, etc

E por que...

Por qual razão ou motivo...

Basta dizer que Schmidt descobriu a construção de alvenaria mais antiga da História, a qual remonta - Pasme o leitor instruído! - a 11.500 antes de Cristo. O que sem dúvida alguma bastaria para imortalizar o homem...

E no entanto não é só isso, pois como dizem os nossos 'O problema é mais embaixo.'

Que queremos dizer com isso...

Em geral, acompanhando alguns estudiosos - Como o prestigioso V G Childe, profundo conhecedor da cultura primitiva. - em maior ou menor grau influenciados pelo marxismo e pela ênfase na materialidade, costumamos relacionar a arte, a técnica e o pensamento com a cultura ou com o desenvolvimento material. Via de regra admitimos haver relação entre a produção material e os estádios da cultura de uma determinada sociedade. 

De minha parte, acompanho tal ponto de vista não por ser materialista metafísico - De modo algum o sou. - mas por julgar ser realista e portanto por julgar que o espírito, a mente, a consciência ou seja lá o que for se realiza na matéria, em comunhão ou por meio dela e não a parte dela. Penso de fato que as condições para que o espírito se exprima ou manifeste são dadas pela materialidade, pelo ambiente ou pelas circunstâncias externas a ele e não posso encarar o ser humano como um ente descarnado, puramente espiritual ou angelical, alheio a dimensão física do corpo ou do ambiente em que vive.

Face a essa concepção que faz jus a materialidade e portanto a produção material ou - Segundo os marxistas; a atividade econômica dos seres humanos, a recente descoberta de Klaus Schmidt produziu uma espécie de crise - Daí ser encarada como uma espécie de Revolução ou ainda como algo que subverte. E até parece que a Revolução neolítica de Childe acabou sendo ela mesmo revolucionada.

Então, vamos aos fatos.

E é necessário por pingos anos Is. Pois as coisas não estão muito bem esclarecidas. Haja vista que tal assentamento tem sido relacionado com uma fase pre agrícola na qual os construtores das estruturas não dispunham de criações e plantações. 

A primeira observação a ser feita aqui é de que em Gobekli, aparentemente, não há indício de que os alimentos consumidos, sejam de origem vegetal ou animal, procedam de plantação ou criação assim de manejo agrícola ou pecuária. 

Advirto agora que, segundo o próprio Klaus, parece que durante essa fase, que é a mais antiga, parece que o local não era ocupado ou habitado por uma população sedentária, mas, ocupado apenas periodicamente, mas utilizado como um espaço cerimonial.

Tampouco outros grandes e famosos centros cerimoniais do neolítico como Stonehenge e Carnac parecem ter sido habitados. O que parece indicar-nos uma tradição mais antiga, no sentido de que - Quiçá por motivos de ordem religiosa. - tais espaços não eram habitados.

Julgo que semelhante dado seja importante ou nos forneça algumas pistas sobre o Gobekli.

Outro dado importante é que, sem embargo do que topamos exatamente no Gobekli, a agricultura e a pecuária já eram conhecidas no entorno, no mínimo há meio milênio, senão mais. Queremos dizer que em termos absolutos o Gobekli não precede o trato agrícola, precede-o apenas em termos relativos ou com relação a si mesmo.

Após termos explicitado dois aspectos relevantes da questão podemos já formular algumas hipóteses que quiçá venha a lançar alguma luz adicional.

Pois o ponto nevrálgico aqui diz respeito respeito aos restos de animais e plantas encontrados em Gobekli e dados como selvagens ou não domesticados. E dessa constatação que se parte para estabelecer que os frequentantes ignorassem a agricultura ou a pecuária e que fossem caçadores e coletores.

Começo observando que de fato a decoração do lugar reflete o universo dos caçadores, assim da fauna. 

Podemos a partir de uma religiosidade voltada para animais selvagens e caça negar que seus praticantes ignorassem a agricultura ou a pecuária...

Caso consideremos o caráter conservador, ainda presente em algumas formas religiosas que convivem com o capitalismo e as sociedades urbanas atuais e absolutamente dominante nas formas religiosas mais antigas e tradicionais podemos responder serenamente que não.

Perfeitamente compreensível que as sociedades de caçadores mantivessem seus ritos religiosos inalterados por séculos ou mesmo por milênios mesmo após terem adotado o trato agrícola ou a criação. 

Tanto mais compreensível quando sabemos que não houve troca, permuta ou substituição das atividades como imaginam os leigos. E que a produção agrícola foi introduzida num contesto geral de caça e pesca, convivendo ao lado dela por séculos ou milênios. O que reforça ainda mais a conservação das tais tradições religiosas arraigadas por dezenas de milênios.

Portanto o aspecto apresentado pelos emblemas religiosos, que refletem um caráter arcaico ou estádio anterior não nos deve desorientar, caso levemos em consideração o caráter fixista da religião antiga.

Agora tornando aos aspectos morfológicos dos restos ali encontrados devemos ser criteriosos antes de estabelecer qualquer conclusão precipitada, isso porque as alterações morfológicas e genéticas apresentadas pelos animais domesticados e que diferenciam-nos dos animais selvagens, não acontecem da noite para o dia ou em passe de mágica, mas, como advertem os compêndios de biologia, ocorrem de forma gradual e demandam longo período de tempo e a passagem de gerações.

Pode ser e é perfeitamente plausível que fossem já criadores há alguns séculos - E portanto recentemente. - sem que os animais em questão apresentassem as tais diferenças morfológicas. Ademais, caso levemos em conta o emprego de modelos mistos, como simples manejo sazonal de animais livres, sabemos que tais mudanças sequer ocorreriam. 

Outro o caso das plantas e da agricultura.

Pois parece que sob seleção artificial os vegetais tem a estrutura alterada mais rapidamente. 

O que nos levaria a concluir que caso os frequentantes do lugar tivessem adotado a agricultura pouco tempo antes que fosse construído, algumas alterações na estrutura das plantas consumidas se teria verificado no curso da primeira 'ocupação', o que parece não ter se dado.

Seria o caso, diante disso, de se afirmar categoricamente, que ignoravam o trato agrícola ou que eram meros coletores...

Atentemos que nessa primeira fase não era o Gobekli habitado, mas frequentado, por uma clientela religiosa. Não nos esqueçamos disso!

Outra possibilidade bastante bem acolhida pelos pesquisadores é que o local já fosse frequentado, desde algum momento do mesolítico, e portanto muito antes de que as estruturas de pedra fossem levantadas com o propósito de realizar seus ritos religiosos.

Já apontamos para um elemento com relação ao qual cumpre insistir: O caráter por assim dizer imutável da religião primitiva ou tradicional verificado pelos antropólogos e arqueólogos. 

E se as refeições feitas no local tivessem um caráter religioso...

E se tais refeições tivessem por objetivo perpetuar, e assim sacralizar, o modelo ancestral.

Bem poderia ser que em suas aldeias consumissem plantas cultivadas e animais criados de par com plantas coletadas e animais caçados, mas que no santuário, dedicado a um culto mesolítico, mantivessem, por preceito religioso, o antigo habito alimentar, excluindo o consumo de vegetais cultivados e animais criados...

E se no santuário religioso ou na prática ritual houvesse a estrita obrigação de consumir apenas alimentos caçados ou coletados, segundo o modo dos ancestrais... Costume quiçá facilitado pela abundância dos recursos naturais.

Outro o caso se o Gobekli tivesse sido habitado por uma população fixa. O que, ao menos quanto a primeira fase, parece não se ter evidenciado. 

A partir dos singelos dados coletados e associados a conhecimentos de ordem antropológica julgamos que não haja motivo suficiente para dogmatizar-se em torno de uma origem paleolítica ou mesolítica do conjunto ou de sua construção por caçadores\coletores que nada soubessem, em absoluto, sobre agricultura e pecuária. Viviam num contesto mais amplo em que a agricultura e a pecuária eram conhecidas. Alias nem sabemos de onde vinham e podiam vir de bastante longe...

Consideremos por fim que a leitura de registros materiais deva ser sempre muito prudente, pelo simples fato de transmitir-nos pouquíssimos dados sobre o universo mental ou sobre a cultura imaterial das sociedades estudadas. Precisamente por isso, ao toparmos com uma estrutura que parece remeter a um uso exclusivamente religioso somos obrigados a levar em consideração alguns dados gerais ou comuns a quase totalidade das religiões antigas. Como temos que tomar bastante cuidado ao apelar a fenômenos de natureza biológica, os quais devem explicitados em termos absolutamente rigorosos...










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