No artigo anterior demonstramos que S Freud, a exemplo de K Marx, fez uma importante descoberta a respeito da condição psicológica dos europeus ou ocidentais contemporâneos, a qual batizou como complexo edipiano. Marx havia posto a limpo ou exposto a condição economicista da mesma sociedade, europeia, do décimo nono século. Tanto a mais valia e a distribuição de bens, quanto o completo edipiano correspondem a fenômenos essenciais, dos quais abrindo mão ou fazendo vistas grossas jamais chegaríamos a compreender este homem 'moderno' ou esta sociedade em que nos achamos inseridos.
E no entanto tanto um quanto outro cometeram o mesmo erro deplorável, projetando tudo quanto verificaram em todas as culturas e sociedades humanas ou no curso da História como um todo. Assim os marxistas tendem a enxergar classes, conflito, supremacia do poder econômico, etc mesmo nas idades Primitiva, Antiga e Média - distorcendo a realidade histórica - como Freud e seus seguidores tendem a situar o complexo edipiano na primeira página de nossa História. Assim se um e outro mostraram-se geniais ao deslindar nossa História, a História atual das Sociedades Ocidentais, nem por isso deixaram de errar e de errar feito na medida em que cederam a tentação de conferir a suas respectivas descobertas um caráter metafísico, abstraindo do tempo e do espaço.
Tanto os moldes capitalistas de produção e distribuição de bens - Em termos de Mercado - quanto o complexo edipiano são fenômenos característicos do nosso tempo e não constantes que perpassam a História humana como um todo.
Sobremodo curioso que Ch Darwin e H Spencer tenham feito o caminho oposto. Assim Darwin e os famigerados darwinistas sociais, após terem identificado um dos fatores responsáveis pela evolução biológica - a 'Seleção natural que é um fator negativo - ousaram aplica-lo, hipoteticamente, ao curso de nossa evolução social. Projetando no futuro o que haviam localizado no passado. E sem considerar as peculiaridades do fenômeno humano.
Seja como for Freudianismo, Marxismo e Darwinismo 'Ortodoxos' constituíram-se em metafísicas contemporâneas, destinadas a substituir o positivismo, da mesma maneira como aquele havia substituído o espírito do Catolicismo. O problema crucial aqui é que tais ideologias jamais assumem-se como metafísicas apresentando-se antes como científicas. Científicos são apenas os fenômenos que uns e outros identificaram por meio da observação ou da reflexão. Especulativa a generalização que fizeram a partir do que identificaram seja na direção do futuro ou do passado.
Assim quanto a questão do complexo edipiano faz-se necessário apontar suas fontes ou sua gênese partindo dos seguintes dados:
1 - O 'Efeito Westermarck' definido como insensibilização sexual por parte de pessoas que foram criadas juntas durante a infância. Essa hipótese foi levantada pelo antropólogo finlandês Edvard Westermarck, em sua obra prima 'A História do casamento humano' (1891) com o objetivo de explicar o tabu do incesto.
Curiosamente Westermarck, que era um evolucionista de carteirinha, também adotou o modelo gorila como protótipo das primeiras Sociedades humanas, se bem que atribuindo-lhe uma organização familiar em moldes monogâmicos e estáveis, e nem sei porque não escolheu o gibão... Seja como for para ele a organização familiar monogâmica e estável não havia sido invetada pelos primeiros humanos mas tomada a algum antropoide. O modelo familiar grupal ou promiscuo associado a paternidade difusa - tal e qual observam,os nos chimpanzés - desconsertava-o certamente, por mais que malquistasse a fé 'cristã' (enquanto reduto de uma cultura judaica)...
Já dissemos que quanto as sociedades chimpanzés o efeito Westermarck tem se mostrado válido, ao menos no que tange as relações mãe e filho, a ponto de Bowlby, a partir dele, ter formulado a teoria do apego. Embora a teoria do apego seja bem mais rica do que a teoria freudiana clássica, devemos ter em mente que ela não basta para desbancar totalmente a esta tendo em vista a complexidade das determinações sociais. A questão não é substituir uma pela outra uma vez que podem coexistir perfeitamente.
2 - A existência de um tabu bastante disseminado entre as diversas culturas com relação ao incesto. Freud dá tal tabu como universal em 'Totem e tabu' e Levy Strauss pretendeu ter demonstrado sua universalidade em que pesem os exemplos aparentemente contrários do Egito antigo, do antigo Peru e do Hawai. Seja como for não podemos deixar de admitir que se trate de fato do tipo mais disseminado de tabu, e que seja quase que universal.
Em tese Freud não deixou de ter razão quando, contra Westermarck, apelou aos raciocínios elaborados por Frazer. Segundo Frazer, a existência de uma aversão natural ao incesto tornaria incompreensível, por inútil, a existência do citado tabu. Afinal que sentido faria a elaboração de uma lei que nos obrigasse a respirar ou a que nos abstivéssemos de colocar a mão no fogo? Aquilo que é impulsionado pela natureza ou instintivo, como comer e beber, dispensa o reforço da lei.
Sendo assim, somos obrigados a concluir que a aparição deste tabu, o tabu do incesto, implica que num determinado momento da História ou da cultura, os seres humanos sentiram-se tentados a cometer relações incestuosas. Como o não matarás supõem a possibilidade concreta do assassinato e o não roubarás a possibilidade concreta do roubo, o tabu do incesto supõem a possibilidade do incesto.
3 - Nas sociedades chimpanzés, a ocorrência do incesto entre mãe e filho jamais foi verificada enquanto que a ocorrência do incesto fraternal é raríssima. Tampouco há qualquer evidência a respeito de um complexo edipiano entre os indígenas das Ilhas Tobriand, analisados por Mallinowski ou entre as tribos sul africanas analisadas por Margareth Mead.
4 - Já quanto a Sociedade por ele, Freud, analisada não somos autorizados a duvidar que o complexo de Édipo, definido como desejo inconsciente de ter relações íntimas com a própria mãe e como tendência generalizada a encarar o pai ou mesmo o irmão mais velho como um rival, estivesse bastante disseminado entre as crianças e adultos neuróticos.
Podemos no entanto supor que este complexo não fosse como queria Freud, universal ou absoluto mesmo em termos de Sociedade europeia contemporânea, mas típico de pessoas desajustadas. Neste caso seria são ou normal - em tese, mesmo porque existem outros tantos fatores, sexuais e não sexuais, relacionados com a gênese da anormalidade - não o indivíduo que tivesse superado o tal complexo edipiano, mas aquele que não o tivesse desenvolvido ou sido contagiado por ele, cultivando apenas relações afetivas de apego sem conotações de caráter sexual, as quais em si mesmas implicariam desajuste.
A crítica é absolutamente válida caso consideremos que Freud e seus colaboradores analisaram apenas pessoas enfermas ou desajustadas i é histéricos e não pessoas normais. A pŕopria teoria psicanalítica subjacente, segundo Levy Strauss supõem que não existam pessoas sãs ou normais, pelo simples fato de que Freud e seus colaboradores analisaram apenas pessoas anormais, nas quais deram inevitavelmente com o dito complexo edipiano, como um oncologista examinando cancerosos dá necessariamente com nódulos. Não podendo supor todavia, que todos os homens sejam cancerosos ou tenham nódulos.
A simples tese segundo a qual podemos compreender perfeitamente a normalidade a partir da anormalidade, a sanidade a partir da enfermidade ou saúde a partir da doença parece em si mesma bastante discutível. Talvez a condição normal seja bem mais complexa do que a simples ausência de anormalidade. Claro que naqueles que chegaram a ser impregnados por ele, o complexo edipiano, deve ser superado. Sabendo que em termos de mentalidade a superação equivale a cura. Nada nos entanto obriga-nos a admitir sua onipresença. Como Diágoras de Melos perguntou aos religiosos a respeito dos naufragos que não haviam tido suas preces atendidas pelos deuses, somos levados a nos perguntar a respeito de toda gente normal jamais examinada por Freud.
Após termos exposto os dados, problematizemos -
Embora haja controvérsia, daremos por assente e válido o efeito Westermarck, mormente após pesquisa realizada nos Kibutz israelenses durante os anos 80. cf Sepher J 1983 e quanto ao matrimônio chinês Shim-pua.
A baliza do convívio entre a mãe e a criança, os irmãos ou mesmo estranhos, vai até os seis anos de idade. Portanto não vem ao caso as relações sucedidas entre pais que não criaram seus filhos ou entre irmãos que não foram criados juntos, vindo-se a conhecer-se mais tarde. A própria narrativa edipiana enquadra-se nestas circunstâncias, pelo simples fato de Jocasta não ter convivido com seu filho até a idade de seis anos. Destarte a ausência já do apego, já do conhecimento, possibilitou a construção de um outro tipo de relação. Então temos de nos perguntar se um Édipo criado por uma Jocasta até os seis anos de idade construiria uma relação pautada no apego afetivo ou na sexualidade? Sou pelo primeiro tipo de relação, a qual de pronto impossibilitaria a segunda, mesmo em termos de inconsciência.
Outro aspecto a ser levantado é o aspecto da ama de leite ou da babá. O próprio Freud até onde sabemos não apenas teve uma ama de leite durante estes anos cruciais de sua existência, como passou parte significativas dessa quadra entregue aos cuidados dela (s). O que nos ajudaria a compreender porque na falta de um apego mais consistente a mãe biológica o próprio pai da psicanálise teria desenvolvido o complexo edipiano. Haveria a possibilidade de Freud ter influenciado ou contagiado ao menos alguns de seus pacientes, introjetando seus sentimentos neles e fazendo-os declarar o que queria ouvir???? 'Ignorabimus' mas não podemos negar aprioristicamente esta possibilidade.
Quando sabemos o que Nero disse após ter descoberto o cadáver de sua mãe Agripina e contemplado seus seios e quando como historiadores observamos um recrudescer de relações incestuosas na antiga Itália - durante os últimos séculos da I Média e os primeiros séculos da I Moderna, em que a exemplo da antiga Roma a instituição das amas de leite ou babás foi reabilitada após ter sido objeto de tantas críticas - não podemos nos deixar de perguntar a respeito de quantos pacientes de Freud teriam sido cuidados e alimentados por babás ou amas de leite durante a infância. Claro que estamos numa linha de mão única - pois se a criança em formação pode vir a apegar-se a babá e a criar laços de afeto com ela, uma babá sem escrúpulos poderia manipular os órgãos sexuais do bebe (as vezes até sem maldade) produzindo outra situação de conflito... Aqui porém, o problema crucial dirá respeito a uma mãe jovem e bela com que o pequenino pouco conviveu e com a qual não criou laços estáveis de afeto. Temos ainda o caso - hoje bastante raro mas não no passados - das avós que cuidavam dos netos, chegando inclusive a amamenta-los, enquanto as jovens mães debutavam com os esposos... Evidente que, suposta a validade do efeito Westermarck ou da teoria de Bowlby, teríamos aqui - na interferência de uma ama de leite, tia ou avó - uma abertura para a construção de outro tipo de relação entre mãe e filho, suficientemente descrita por Freud.
Claro que as decorrências advindas deste tipo de relação seriam conflituosas e portanto de modo algum saudáveis.
Temos de salientar ainda que tal e qual Freud seus pacientes advinham das classes médias e abastadas de Viena e não das classes pobres, haja visto que os honorários cobrados por ele e seus colaboradores não eram nada modestos. Diante de tais conjunturas não constitui absurdo algum supor que certa parcela dos pacientes analisados pelo pai da psicanálise tivessem construído relações de afeto com suas amas de leite ou babás e relações edipianas com relação a suas próprias mães, devido, como já dissemos, a certo grau de alienação ou afastamento. O próprio exemplo de Freud - por sinal alegado por Steven Pinker em'Como funciona a mente humana' - autoriza-nos a fazer tais suposições, indicando por sinal uma possível linha de pesquisa.
Claro que a possível interferência das babás não basta para explicar a totalidade das ocorrência do complexo de Édipo. Pelo que devemos acrescentar algum outro fator (na verdade dois outros, os quais se completam) quiçá mais generalizado ou presente. Claro que em certo sentido tomamos a direção oposta de Freud, indo da Psicologia para a Sociologia ou do fato Psicológico para um fato Social.
Tendo em conta que nossos parentes mais próximos os chimpanzés - E muito provavelmente nossos ancestrais mais remotos - numa situação de contato pessoal intenso, construíam laços de afeto suficientemente estáveis e duradouros a ponto de impossibilitar a construção de relações incestuosas entre mãe e filhos e que tais relações incestuosas aparecem já na aurora dos tempos como objeto de tabu e consequentemente como uma possibilidade real, somos levados a nos perguntar sobre o que teria sucedido neste meio tempo no sentido de conduzir nossa espécie a relações incestuosas? Que teria acontecido? Que teria mudado???
Creio que o leitor inteligente deu com nossa resposta contida na pergunta.
Diante de tudo quanto temos compendiado a analisado só podemos compreender o afloramento de aspirações incestuosas em nossos ancestrais enquanto resultado de um enfraquecimento do contato social entre mãe e filho antes dos sete anos de idade. O que nos levaria intuitivamente a divisão social do trabalho, a qual pautando-se no gênero institucionalizou a relação - Homem/caçador - Mulher/coletora, a qual observamos ainda hoje em diversas culturas primitivas.
Conforme o homem e a cultura foram evoluindo e a caça, tanto quanto a coleta, se tornando mais e mais complexas - esta devido a uma quantidade cada vez maior de vegetais comestíveis conhecidos, de suas estações e habitats e aquela devido a estratégias e armas cada vez mais elaboradas - tornou-se necessário que o grupo criasse as primeiras instituições educativas, sempre tomando por critério a divisão social do trabalho por gênero. O que nos leva a instituição mais primitiva de que temos notícia entre as culturas primitivas: A casa dos homens e a casa das mulheres. Totem e tabu p 185 O tema da casa dos homens, foi abordado primeiramente por Hienrich Schurtz em 1902.
A já citada advertência de Lang a respeito do dinamismo da cultura primitiva, deve precatar-nos de ver nas atuais associações ou confrarias de homens e mulheres existentes nas comunidades primitivas as instituições originais. Atualmente, na maior parte das culturas, meninos e meninas passam a ter acesso as respectivas casas quando atingem a puberdade, o que entre eles sucede aos onze ou mesmo dez anos de idade. A partir de então os jovens em especial, abandonam o lar e o convívio materno.
Como no entanto a própria noção de puberdade, dificilmente estaria presente na cultura de nossos ancestrais mais primitivos, podemos cogitar que a separação dos sexos ocorria não muito depois do desmame, o que nos povos primitivos chega a durar três ou quatro anos. Quiçá nos tempos primitivos as crianças formassem grupos de lobinhos a partir dos quatro ou cinco anos na casa dos homens. Seria possível que esta redução de 1/3 ou menos quanto o tempo de convívio do menino com a mãe seria suficiente para desencadear uma atração incestuosa? Seja-nos permitido dizer que ela no mínimo favoreceria a construção desse tipo de relação ou que tornaria o menino acessível ou disponível a ele.
Portanto, além da alienação precoce, temos de avançar e procurar um segundo fator, mais forte ou poderoso do que o predisponente.
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