quinta-feira, 16 de novembro de 2017

O tabu do totem - Uma resposta a S Freud III (As fontes de 'Totem e tabu' - Darwin e Robertson Smith))

 Resultado de imagem para chimpanzé ou gorila?




Segundo Kroeber duas são as principais fontes de 'Totem e tabu'. Acompanhe-mo-lo:

"Antes de tudo a simples hipótese emitida por Darwin e Atkinson... Assim a escolha do gorila como modelo de organização dos primeiros homens é puramente arbitrária pelo fato de excluir os demais hominídeos."


"Segundo ponto. A alegação de Robertson Smith sobre o sacrifício de sangue se o centro de um antigo culto restringe-se as culturas do Mediterrâneo durante um período muito bem definido pelo autor - O qual situou-o nos últimos dois milênios antes desta Era - e nas culturas subsequentemente influenciadas por elas. Trata-se portanto de uma hipótese que não se aplica a religiões de outros lugares e a esfera de outras culturas."
Diante de tais 'defeitos' de fabricação somos autorizados a declarar que o 'filho' de Freud é aleijão que capenga de ambas as pernas.

Examinemos agora a crítica levantada pelo antropólogo estado unidense.

Quando a primeira fonte:

"A conclusão que nos parece mais provável, é a de que os homens viveram primitivamente em pequenas sociedades, tendo cada um deles uma só mulher, e as vezes, quando possuía um alto grau de poderio, várias; as quais defendia zelosamente contra todos os demais homens. Pode o homem não ter sido um animal social e ter vivido, sem embargo, COMO O GORILA, com várias mulheres de sua exclusiva propriedade. NOS GRUPOS DESTES ANIMAIS se a constatado sempre a presença de um único macho adulto. Quando o gorila jovem chega a um certo estado de crescimento, luta com os demais pelo controle absoluto do grupo e após te-los matado ou expulsado, se faz chefe supremo.... Os jovens machos assim eliminados e errantes de lugar em lugar consideram a seu tempo um dever, quando chegam a conquistar uma fêmea, impedir quaisquer uniões co sanguíneas demasiado íntimas entre os membros de sua família. Atkinson parece ter sido o primeiro a reconhecer que as condições que Darwin atribui a horda primitiva implicam a exogamia dos machos jovens. Cada um destes desterrados podia fundar horda análoga, no interior da qual ficava assegurada e mantida, por ciúmes, a proibição das relações sexuais. Deste modo, acabaram tais restrições por transformarem-se na regra que hoje em diase nos mostra como lei consciente, ou seja, a proibição das relações sexuais entre os membros da mesma horda. Após a introdução do totemismo assumiu esta proibição o caráter que conhecemos e que proíbe as relações sexuais entre os membros do mesmo totem." p 165

Em que pesem as conclusões de Atkinson - em 'Primal law' 1903 - a temática do gorila como um todo remonta ao teórico evolucionista Ch Darwin (The descendent of man).E nem podemos duvidar de que as conclusões sacadas por Freud dependem prioritariamente dela, e que toda sua teoria caí ou permanece de pé com ela.

De fato o grupo dos pongídeos compreende Orangotangos, gibões, chimpanzés e gorilas. Não apenas gorilas.

Darwin por sinal costumava observar bastante de perto a orangotango Jenny, primeiro exemplar deste animal levado ao Zoológico de Londres.  Chegando a declarar inclusive que o Orangotango era como que uma espécie de janela para as origens da humanidade.

No entanto, apesar disto, como Hanon de Cartago, deu o gorila como sendo nosso parente mais próximo e até, em certo sentido, nosso proto tipo sócio cultural. Pelo simples fato de poder vincula-lo, ainda que remotamente, a sua doutrina da seleção natural - "Os jovens machos, sendo expulsos e vagueando por outras plagas, fugiriam, quando bem sucedidos na procura por um parceiro, o intercruzamento próximo dentro dos limites da família." Darwin 1874 p 901 Claro que isto favoreceria a variedade das formas sexuais ou numa releitura contemporânea a variabilidade genética.

Quanto a Freud e sua teoria, a escolha de Darwin, veio a calhar pelo simples fato de que o macho dessa espécie vaga solitário pelas florestas enquanto que a fêmea costuma cuidar sozinha do único filhote, tornando impossível a viabilização do 'complexo edipiano'. Por outro lado Atkinson já havia, de certo modo, aplainado o caminho na medida em que sugerira que num dado momento a mãe recusou-se a permitir que o filho caçula fosse expulso da horda - teria se baseado no mito de Zeus e Cronos? - até que conseguiu manter todos os filhos adultos junto a si. Diante disto o patriarca teria sido impelido a formular uma lei contra o incesto... Kuper 2008 p 151 Quem não percebe que nos achamos na 'soleira' de 'Totem e tabu'??? Atkinson no entanto, como bom cidadão vitoriano que era, prefere resolver toda essa questão de família gorila nos termos de Blackstone i é nos termos da lei ou civilizadamente. Aduzindo daí o tabu generalizado a respeito do incesto...

Freud no entanto era, ao menos culturalmente, germânico e pupilo de Nietzsche. Daí o 'drama' da efusão sangrenta com que finaliza sua versão do conto...

Evidentemente que não podemos responsabilizar Ch Darwin por uma escolha feita numa época em que genética praticamente inexistia.

Hoje no entanto, esta suficientemente demonstrado que Ch Darwin - e consequentemente Atkinson e Freud - equivocou-se, e que nosso parente mais próximo é sem sombra de dúvida o Chimpanzé. Em termos de genética nossa identidade com o chimpanzé é maior... Ponto e basta...

Agora que pensar em termos de cultura? Será que a cultura vai de encontro as constatações da genética ou afasta-se delas?

Até onde podemos saber a arqueologia tem, cada vez mais, coletado evidências no sentido de confirmar a proximidade da nossa organização cultural mais primitiva - australiopitecidea - com a organização social dos chimpanzés.

Tentarei ser sucinto.

Gorilas, sem serem completamente vegetarianos - alimentam-se ocasionalmente de larvas e insetos - não caçam. Daí a organização familiar observada por Savage, Schaller, Fossey, etc e descrita por Darwin e Atkinson. Já os chimpanzés caçam, inclusive pequenos macacos, o que supõem, como no lobo e no leão, estratégia de caça e portanto um grupo mais amplo. E de fato os grupos de chimpanzés agregam inúmeras famílias e clans, chegando a abarcar cem indivíduos.

Freud no desenvolvimento de sua teoria chega a fazer alusão a tecnologia de implementos. Sem no entanto declarar que se tratavam de implementos de caça, os quais, segundo o testemunho da arqueologia, destinavam-se a caçar. Estudos de rádio carbono efetuados em 1992 e 1994 evidenciaram o consumo de carne por parte dos australiopithecus.

Não ignoro a questão do dimorfismo quanto a altura dos machos e fêmeas deste grupo. O qual nos primeiros humanos ( H erectus e H Habilis) aproximava-se dos 20%, também aqui análogo ao existente entre os chimpanzés. Devemos considerar no entanto que os primeiros representantes do gênero Homo eram mais acentuadamente caçadores do que seus ancestrais australiopicídeos... isto a ponto de caçarem grandes mamíferos, o que nos leva mais uma vez, e decididamente a grande comunidades de caçadores e não a pequenas famílias de coletores.

Se algo no Australiopitecus reportava ao gorila, deixando alguma dúvida pairar no ar, isto já não ocorria com os primeiros representantes do gênero Homo. O Homo habilis é caçador, talha seus implementos e alimenta-se inclusive de australiopitecídeos... A simples indústria lítica basta para sugerir a formação de um grupo social mais amplo que a simples comunidade familiar.

A arqueologia apoia decididamente a tese segundo a qual Homo Habilis, Homo Ergaster e Homo Erectus viviam em grupos constituídos por diversas famílias ou clans a exemplo dos chimpanzés e não em pequenas comunidades patriarcais. Não basta reconhecer com Freud que semelhante modelo social - análogo ao do gorila - JAMAIS PODE SER OBSERVADO EM PARTE ALGUMA QUANTO AO 'HOMO SAPIENS SAPIENS' p 185. É necessário deixar bem claro que se sua identificação com o regime de vida dos Australiopiothecus é duvidosa, sua identificação com o regime de vida dos primeiros representantes do gênero Homo é insustentável.

Não estamos mais diante de vegetarianos ou coletores que vivem em famílias e tampouco de caçadores episódicos como os chimpanzés, mas diante de comunidades de caçadores especializados e já se disse que a caça plasmou o homem e acelerou sua evolução. Ora a caça é por definição uma atividade social em termos de estratégia. Agora adicionem a este quadro uma indústria lítica e a hipótese da indústria lítica cai por terra.

Seja como for seria bastante ousado postular a existência, nos homens de hoje, de agregados psíquicos persistentes ( apenas parodiando, num bom sentido Wilfredo Pareto ) que remontem a hominídeos que floresceram há dois milhões de anos e meio. Temos de lembrar que o primeiro representante do gênero Homo, o Habilis, extinguiu-se a cerca de oitocentos mil anos. E que o Homo Erectus passou a História a não menos de trezentos mil anos. Aqui a transmissão consciente de cultura, em tese possibilita a transmissão de fragmentos ou vestígios agregados a mente do homem atual.

O próprio cérebro não deixou de evoluir durante todo este tempo em que o homem consumiu gordura e por fim a carne assada dos grandes mamíferos em quantidade cada vez maior. Foi justamente esta evolução da base somática ou física de nossos ancestrais que possibilitou a elaboração de um aparato psíquico tão complexo quanto o nosso, acompanhando a mente a evolução do corpo, e transformando-se com eles.

Diante deste quadro supor alguma herança ou legado psíquico de simples hominídeos, quiçá anteriores ao Australiopithecus, é exercício altamente especulativo, que Etnólogo, Antropólogo ou Sociólogo algum jamais aventurou-se a fazer, por mais imaginativos que tenham sido.

A simples tese - bem parecida com o monogenismo bíblico por sinal - segundo a qual um evento sucedido no interior do primitivo tronco (leia-se aqui horda ou o que quiser) plasmou a direção psíquica ou cultural de toda espécie, exige para ser validade, que esse evento - quanto ao Homo Habilis  - tenha ocorrido a dois milhões de duzentos mil anos, e quanto ao Homo Erectus, que tenha sucedido a um milhão e oitocentos mil anos! Por outro lado se devemos situar tal evento a aparição do Sapiens Sapiens, devemos situamo a no mínimo trezentos e cinquenta mil anos.

Sucede no entanto que o Neanderthal apareceu cinquenta mil anos antes e constitui cultura própria. E que parte dos Sapiens Sapiens 'cruzou' com eles... além é claro de terem trocado experiências em termos de cultura.

Problematizemos ainda mais.

A simples existência de raspadores de pele numa época tão remota quanto 780 mil a C nos faz deduzir a existência de roupas de pele. O uso do fogo remonta a quase dois mil anos e seu controle efetivo a um milhão de anos. É provável que o abrigo tropical preceda a descoberta do próprio fogo e o uso de cavernas na Zona temperada remontando a mais de um milhão de anos. A indústria lítica parece ter surgido com o H Habilis a cerca de dois milhões de anos. Assim a própria caça... De modo que os principais elementos da cultura procedem o aparecimento tanto do H neandertalensis quanto do H Sapiens. Resultando disto ser absolutamente falso que o evento incestuoso ou o complexo de Édipo estejam na base de todas as nossas conquistas culturais e por assim dizer da Religião e da Moralidade.

A menos que tal experiência remonte no mínimo a um milhão e oitocentos anos, numa fase que nosso aparelho cerebral ainda esteva em formação e sujeito a determinadas transformações. Semelhante baliza temporal torna as hesitações expressar por Freud nas últimas páginas de seu Ensaio - justamente quanto ao modo porque essa experiência foi transmitida a posteridade - ainda mais consistentes. Tanto pior se levarmos em conta não apenas a inexistência da escrita mas o próprio caráter rudimentar da linguagem naquela fase da evolução cultural... Quando a precariedade do aparato cerebral em desenvolvimento já nos referimos.

Se o simples conceito de consciência ou alma coletiva, alias aduzida por Jung, já é discutível em termos de cultura atual ou como algo formado nos últimos milênios ou dezenas de milênios, faze-lo remontar a um ou dois milhões de anos parece-nos ainda mais ousado do que as especulações dos etnólogos, antropólogos e sociólogos apontadas por Freud.Tomada primeiramente a genética, a arqueologia e por fim a própria antropologia cultural; a evidência de que os primeiros gêneros do Homo, assemelhavam-se mais aos chimpanzé do que ao gorila, só nos resta admitir que a administração ou fruição da vida sexual era similar e inferir com toda verossimilhança, que o Habilis e o Erectus não viviam isolados em comunidades familiares poligâmicas a semelhança de um sultão, mas em regime de promiscuidade, em que as fêmeas férteis estavam disponíveis a todos os machos, em que pese, sem dúvida, a preponderância do macho alfa, a qual nem de longe implica posse exclusiva ou controle.

Segundo os primatólogos Waal e Goodall uma jovem chimpanzé acaba sempre transando com outros machos além do macho alfa ou com diversos membros do grupo. A própria 'vastidão' do grupo impede que o macho alfa consiga controlar esta tendência.

Consideremos agora que as chimpanzés ignorem o instante em que concebem de determinado macho... ou que mesmo tendo ciência disto (!!!) não possuam um calendário para marcar tal evento ou um Diário para registra-lo. Por fim que ignorem essa 'coisa maravilhosa de deus' que é o exame de DNA.

Que aduzir daqui?

Que cria alguma pode saber quem é seu pai!

O que destrói pelo fundamento a metafísica freudiana ou a formulação de um complexo edipiano a parte de determinada formação cultural. Nem estamos dizendo que o complexo edipiano não exista em determinada realidade espacial e temporal... Limita-mo-nos a negar sua amplitude e presença universal, o quel por sinal já foi suficientemente demonstrado por M Mead quanto a primitiva cultura africana e por Malinowsky quanto aos habitantes das Ilhas Tobriand.

Sem que haja paternidade definida, como é próprio da organização sexual grupal, o tão decantado Complexo de Édipo vai-se pelo ralo abaixo. Impossível formula-lo em termos de paternidade difusa... bem a gosto da "República" do velho Platão... Onde todos os machos são pais das crias.

Devo acrescentar ainda que o incesto filha/ pai e irmão/irmão é frustrado em função das jovens chimpanzés migrarem para outros grupos. Estabelecendo-se em cada grupo, quanto ao macho que ali permanece, uma organização matrilinear, a qual parece corresponder da mesma maneira a organização dos primeiros grupos humanos. Freud como conhecedor de J J Bachofen e L Morgan, esta perfeitamente ciente disto p 140/142. O próprio matriarcado e a existência das divindades femininas, como a grande mãe, se lhe apresentam como algo um tanto enigmático. p 194 Evidente que a matrilinearidade supõem a ignorância quanto a pessoa do genitor, e a formação promiscua dos primeiros grupos humanos.

Resta-nos indagar a respeito das relações mãe e filho na Sociedade promiscua dos chimpanzés. Aqui mais uma vez os primatólogos são terminantes - jamais puderam observar chimpanzés machos copulando com suas mães biológicas em estado de liberdade ou natureza. Quanto a isto é necessário ter em mente a constatação basilar de Wolfgang Kohler segundo a qual um chimpanzé enjaulado e isolado, privado com contato com o grupo, não é um chimpanzé de verdade, uma vez que se tratam de animais caracteristicamente gregários.

Seja como for em estado de natureza, o incesto mãe/filho jamais foi verificado nas Sociedades chimpanzés.

Outro aspecto não menos interessante da relação mãe/filho entre os chimpanzés é a estabilidade ou durabilidade dos vínculos afetivos, os quais supostamente impedem a ativação das relações sexuais ou mesmo do próprio desejo. O que nos levaria a hipótese de Westermarck - Efeito Westermarck - a ser discutida noutro artigo.










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