Quem deseja assistir bom filme cuja fotografia e o cenário sejam relativamente perfeitos e acuidade psicológica esmerada tem em Frantz (2016) de François Ozon uma excelente pedida.
A atuação da maior parte dos atores é muito boa, a de Marie Gruber, como Magda é excelente e a de Paula Beer, a Anna, noiva do falecido Frantz, impecável. Se Beer não fez jus ao troféu Matroianni não posso imaginar quem pudesse fazê-lo.
Ocioso dizer que a paisagem de Quedlimburgo é deliciosa. Alias trata-se de uma das mais belas cidades históricas alemãs, a ponto de rivalizar com a paradisíaca Nuremberg. As cruzes de madeira do cemitério são típicas da época a que evocam.
A atmosfera social de ambos os lados, com as exasperações patrióticas, foi bastante bem captada. Os alemães bebendo cerveja por cada jovem francês que tombava do 'outro lado' e os franceses bebendo vinho por cada jovem alemão que tombava do 'outro lado'... as propagandas públicas de cada um dos países pintando os cidadãos do país vizinho como monstros...
Claro que não podemos ignorar a crença alemã, assaz comum em alguns círculos alemães, a respeito do espaço vital e de toda essa cultura de superioridade racial ou nacional cujas raízes remontam a malfadada reforma protestante. Alias outra não foi a origem da doutrina do destino manifesto entre os iankees, igualmente protestantes só que calvinistas...
Sucede no entanto que dificilmente a cultura torna-se absolutamente uniforme... também na Alemanha, em seus piores momentos, haviam dissidentes, pessoas com visão mais ampla e humana, pacifistas, socialistas, artistas, etc Almas nobres que fogem a vulgaridade dominante.
Assim nosso Frantz, jovem cultivado e de tendências pacifistas, que por vontade do velho Dr Hoffmeister, o pai; foi enviado as trincheiras, quiçá para que após a vitória da Alemanha, tornasse a pátria com o peito coalhado de medalhas... Tais as possíveis esperanças do velho clínico.
Frantz no entanto, a exemplo de tantos e tantos outros jovens românticos e idealistas, acabou por ser colhido pela morte, ficando sepultado campos de batalha. Resultando disto apenas um cinotafilo visitado diariamente pela mãe e pela ex noiva e um pai destruído por dentro.
Aqui começam as excursões psicológicas do filme.
Pois se aqueles que perderam um dentre diversos filhos, sejam alemães ou franceses, continuam repousando suas frontes sobre a ilusão dourada do patriotismo, aqueles que como o Dr Hoffmeister conduziram a morte seus únicos rebentos, tiveram todas as esperanças aniquiladas e já não nutriam quaisquer esperanças ou ilusões a respeito da Alemanha, da França ou do patriotismo. Afinal nada lhes restara... E não teriam netos, bisnetos ou descendentes que comemorassem as glórias da França ou da Alemanha.
É pois peculiar a sorte daquele que perdeu seu único filho em tais circunstâncias e ele já não nutre nem ilusões, nem esperanças.
Frantz no entanto é mais profundo e vai além. Tocando a questão, interessantíssima, das neuroses de guerra.
Guerras produzem neuróticos, sabe-mo-lo muito bem desde a Guerra da Secessão nos EUA e mais ainda após a primeira grande guerra quando batalhões de psicólogos e psicanalistas foram mobilizados com o objetivo de diagnosticar, avaliar e tratar milhares de ex soldados psicologicamente afetados pelo conflito. Basta dizer que Freud distorceu o sentido de afirmação - descrito por Adler alguns anos antes da hecatombe - apresentando como sentido de morte ou destruição, influenciado por ele...
Todo um ideal de racionalidade e de experiencialidade sossobraram fragosamente após 1914... Os derradeiros vestígios do iluminismo, as falsas promessas do liberalismo econômico, a mística positivista, etc Foi todo um mundo que entrou em colapso e veio abaixo, desabando e sepultando multidões de homens vivos.
A guerra devastou corações e mentes e assistiu a afirmação do psicologismo, dos sentimentalismos, dos emocionalismos e de todos os arroubos do irracionalismo pós moderno. Da perda total do sentido e do nihilismo. Da angústia, do desespero, do pessimismo - Potencializados ainda mais pela reabilitação do capitalismo apoiado pelos EUA - da quebra da magia, do desencanto, da alienação, da superstição, do recurso desesperado a droga... das culturas de morte e de tudo quanto vivenciamos hoje.
Frantz focaliza os primeiros passos dessa trágica caminhada, posto que situado no ano de 1919. E explora como já dissemos o campo ou domínio, muito pouco explorado das neuroses provocadas pelo contato com a morte, seja a própria ou a alheia. E há esquisitice ou algo de exótico nisto...
É um filme interessante porque ajuda-nos a compreender porque o soldado enviado ao front ou a frente de batalha deve ser sempre um anônimo ou desconhecido.
Ao contrário dos SUD ele não trás consigo uma plaquinha com identificação ou dados pessoais sobre o peito. Tomba sem nome e assim é sepultado.
Conhecer é identificar-se...
Mas...
O soldado deve odiar e não identificar-se. O outro não é humano, deve ser pintado como um monstro, despersonalizado, desumanizado...
Daí não ter direito a um nome, a um endereço ou a quaisquer referências.
Tirar a vida do outro sob um pretexto fútil pode acarretar uma forte carga de culpa e tornar a consciência pesarosa.
Já a consciência pesarosa tende a impor-se uma série de sacrifícios buscando reparar aquilo que fez.
Daí a sugestão comum a quem involuntariamente tirou a vida de um inocente, de assumir o lugar ou a vida daquela pessoa.
Essa possibilidade, insólita de modo geral, se torna real para Adrien pelo simples fato de ter encontrado no bolso de Frantz, uma carta com detalhes sobre sua vida pessoal, e, seu endereço.
Terminada a guerra o jovem ex combatente francês, após surtar, toma caminho de Quedlimburgo com o propósito de chorar sobre a tumba daquele cuja vida ceifará e de pedir perdão os pais e a ex noiva dele.
A partir daí a presença do francês na cidade natal de Frantz deflagará uma série de sentimentos numa trama que envolverá de encenações a uma tentativa de suicídio, culminando com uma longa viagem e encerrando-se de modo realisticamente patético, tal e qual a vida apenas sabe encerras as Histórias grandiosas e as Histórias triviais.
Por isso e muito mais a obra de Ozon merece ser assistida num destes dias frios e chuvosos, de preferência com uma taça de vinho entre os dedos e em boa companhia. O 'inimigo' alemão beba cerveja caso ache melhor rsrsrsrsrs
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