sexta-feira, 18 de abril de 2014

Da importância da desmilitarização da polícia





Na última semana estudei muito sobre o que é a polícia e como funciona a polícia se é que funciona. Eu não quis dar pitacos sem estudar a polícia, sem ler  e sem me informar. Mas não é preciso ser nenhum sociólogo para saber que nossa polícia é brutal que o digam os manifestantes de junho de 2013. Abordar o tema da polícia nas redes sociais também não funciona porque os defensores da polícia defenderão seu modus operandi e o debate descambará para a palhaçada das falácias: "Quem não gosta da polícia é bandido", "bandido bom é bandido morto" e coisas do gênero.

Então estudei muito e refleti bastante sobre o assunto e creio que estou apto a abordar o tema em questão, então sem mais delongas vamos ao que interessa.

A polícia militar ainda guarda herança maldita da ditadura, essa polícia nada entende dos direitos humanos e age militarmente como estivesse em guerra, isso porque a polícia tem um discurso ultra-conservador. Segundo o tenente-coronel da reserva Adilson Paes de Souza: "Os ex-policiais militares afirmavam que tinham a falsa percepção do que vinha a ser o poder de polícia, para eles o poder de polícia era ter superpoderes. Estavam num campo de batalha e podiam fazer de tudo para proteger a sociedade" .
Ainda de acordo com Adilson Paes de Souza os policiais militares não tem formação adequada e por isso agem com truculência.

Outro problema da polícia militar é que ela mata com a bênção do Estado: "Estudo da Anistia Internacional de 2011 aponta que as polícias dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro mataram 42% a mais que todos os países onde existe a pena de morte". Sabemos ainda que "o Rio de Janeiro lidera o ranking de letalidade. De 2003 a 2012, quase 10 mil pessoas perderam a vida em ações provocadas pela polícia. Foram 9646 vítimas fatais na década. O Rio também é o campeão em execuções extrajudiciais". 
Evidentemente que num país verdadeiramente democrático, onde a justiça funciona de fato, esse número não seria assim tão elevado, mas os policiais não são julgados por esses homicídios porque esses homicídios são magicamente transformados em autos de resistência. E como funciona o auto de resistência? Orlando Zaccone D'Elia Filho (delegado e doutor em ciências políticas) explica: "A folha de antecedentes criminais do morto é juntada no inquérito e o promotor leva isso em consideração no pedido de arquivamento. O local onde a morte ocorreu também é importante para legitimar (a ação da polícia). Se o assassinato ocorrer em uma favela, isso também conta a favor do policial que matou a vítima. Vários elementos são constituídos para legitimar a morte praticada. Se o morto é um traficante, isso é (visto como) legítimo". Ainda segundo o delegado "99% dos autos de resistência - que é a definição empregada nos boletins de ocorrência quando o policial alega legítima defesa para a execução da vítima - são arquivados em menos de três anos no Rio, segundo pesquisa do sociólogo e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Michel Misse.
Quem arquiva os autos é o juiz, a pedido do Ministério Público. Se arquiva, é porque reconhece como legítimo. Isso significa que essas mortes são legitimadas por um sistema maior que o policial gerenciando isso". É estranho que no Brasil onde não há pena de morte mata-se muito mais do que nos países onde a pena de morte é aplicada, e, ainda tem gente que deseja pena de morte no Brasil, para quê se nós já a temos extra-oficialmente? Zaccone afirma que "apesar de a Constituição proibir a pena de morte no país, em dois estados da federação existem mais pessoas executadas do que em todos os países onde a pena de morte é legal". 

A polícia militar diminuiu a violência, diminuiu o número de homicídios? Claro que não. Os homicídios tem aumentado e isso pela parte que deveria proteger as pessoas e as maiores vítimas são jovens negros que moram em periferias, de acordo com Marcelo Freixo (historiador e deputado estadual Psol-RJ): "os dados sobre homicídios revelam essa lógica seletiva. Embora os índices gerais das mortes violentas tenham diminuído em todo o país, a diferença entre homicídios de jovens brancos e negros continua díspar. O número de homicídios de jovens brancos (15 a 24 anos) caiu significativamente no período entre 2002 e 2008, passando de 6.592 para 4.582, uma queda de 30% em seis anos. Entre os jovens negros, os homicídios passaram  de 11.308, em 2002, para 12.749, em 2008, um aumento de 13%. Com isso, a brecha de mortalidade entre brancos e negros cresceu 43%. Isso comprova que não se podem trabalhar os dados de homicídio sem levar em consideração o corte racial, uma questão central para a democracia brasileira.
Entre 1997 e 2012, o estado do Rio de Janeiro alcançou a marca de 12.560 "autos de resistência" (mortes de civis resultantes de ação policial). Um levantamento feito pelo sociólogo  Ignácio Cano, na década de 1990, mapeou que as mortes decorrentes das ações policiais se concentram em favelas. Entre os casos analisados, quase a metade dos corpos recebeu quatro disparos ou mais, e 65% dos cadáveres apresentavam pelo menos um tiro nas costas ou na cabeça, configurando a prática de execuções sumárias.
Homens de preto, quase todos pretos, matam homens pretos, eis a desgraça carioca. E assim, a suposta "guerra contra o tráfico de drogas" justifica a aniquilação da juventude negra, pobre e favelada".

Vimos que a polícia é racista, violenta, não tem preparo e nem autonomia. A polícia militar tem dois tipos de policiais: os praças e os oficiais; Os primeiros não tem chances de ascender aos cargos superiores e os últimos vêm da classe média alta e que teve chance de estudar em boas escolas e prestar exames como o da FUVEST. Os policiais muitas vezes tem que submeter as arbitrariedades de seus superiores e não podem denunciá-los abertamente pelo caráter militar. As ouvidorias não podem investigar apenas recolher depoimentos porque a instituição da polícia militar está blindada.

Evidentemente os policiais que estão nas ruas tem pouca formação e uma formação deficiente é nociva para toda a sociedade porque atentará contra a laicidade do Estado como faz ver Cynthia Semíramis: "Outro aspecto que merece ser ressaltado se refere à violação do Estado laico. Por mais que a formação procure ser laica, no cotidiano, agentes de segurança pública agem de acordo com seus princípios religiosos. São comuns os relatos de estímulos de oração, conselhos como a sugestão de que a mulher não se divorcie de um marido violento pra manter a família unida, ou a afirmação de que determinado tipo de relacionamento ou orientação sexual "não são coisa de Deus". Também há relatos de tolerância policial em casos de violação de templos de religiões de matriz africana, reforçando um quadro de racismo aliado à questão religiosa". 

A DESMILITARIZAÇÃO DA POLÍCIA SE FAZ NECESSÁRIA

A polícia militar é uma reserva do exército e todos os seus aspectos são militares, então quando essa polícia vai para às ruas, ela vai agir como se estivesse em guerra contra os civis, principalmente aqueles que moram nas periferias mas também contra manifestantes, sejam professores ou grupos insatisfeitos com a governabilidade. Na época da ditadura civil-militar os inimigos eram políticos, isto é, pessoas com ideologias diferentes daquela do governo, com o fim da ditadura civil-militar socialistas e comunistas deixaram de ser os inimigos e agora os inimigos são os jovens negros que moram nas periferias. A polícia age militarmente, isto é, com táticas de guerra, invasão de morros, instalação de UPPs e essas invasões e ocupações são sempre violentas como um estado de guerra e esses são motivos suficientes para que a polícia seja desmilitarizada. Segundo o coletivo DAR e MOVIMENTO MÃES DE MAIO: "Somente em maio de 2006, durante a ofensiva do estado paulista contra a população pobre, justificada por uma suposta reação a ataques do PCC, foram executadas e dadas como desaparecidas mais pessoas do que todos os assassinatos políticos oficialmente contabilizados durante o regime civil-militar brasileiro, que teria ceifado 426 vidas de ativistas políticos (os números certamente são maiores e estão em constante revisão).
Se a brutalidade de maio poderia soar como exceção, na verdade ela não passa de regra. entre 2001 e 2011, o número oficial de mortos por policiais militares em serviço apenas no estado de São Paulo é de 5.591. A média é de 508 mortos por ano, apenas em dos 26 estados brasileiros! E nós sabemos que os números são bem maiores, posta a prática cada vez mais comum das chacinas por policiais à paisana, em carros pretos com insulfilm ou em motos com garupa - um modus operandi com inúmeros indícios da participação de agentes da lei, a começar pelo emprego de munições de uso restrito em muitos casos. A polícia brasileira é uma das mais letais do mundo, além de ser uma das mais violentas, corruptas, racistas e desacreditadas. Inclusive para seus próprios membros, situação que fica explicitada pelo alto número de suicídios entre integrantes da corporação.
"A polícia sempre dá o mau exemplo/ lava minha rua de sangue/ leva o ódio para dentro", cantavam os Racionais MC's nos anos de 1990, e de lá para cá o desprezo das classes populares pelos funcionários do Estado que deveriam garantir sua segurança não teve um motivo sequer para diminuir. 
A irracionalidade fardada que ocupou os telejornais e as ruas durante os protestos de junho pelo Brasil afora só serviu para recolocar na agenda pública um debate que, apesar de sempre urgente, ainda não foi encarado de forma suficientemente consequente por nossa sociedade: até quando vamos tolerar ser vigiados perseguidos, controlados, encarcerados e violentados pelas forças do Estado? Que alternativas há para mudar esse quadro?" 

Sabemos ainda pelo coletivo DAR  e pelo Movimento Mães de Maio que um "levantamento realizado pelo próprio Instituto Sou da Paz - entidade que tem convênios com o governo estadual e ´, portanto, insuspeita de inflar as estatísticas - mostra que 93% dos mortos em supostos tiroteios com a Polícia Militar de São Paulo entre 2001 e 2010 moravam na periferia da cidade. Cinquenta e quatro por cento eram negros ou pardos. Os números mostram um quadro que é o mesmo desde as 111 mortes comandadas pelo coronel Ubiratan e pelo governo Fleury em 1992, no Carandiru: é assim que os pretos e os quase pretos de tão pobres são tratados, como bem narra a canção de Caetano e Gil".

Ainda de acordo com o coletivo DAR  e o Movimento Mães de Maio: "A polícia militar é, ainda, altamente hierarquizada e intransigente com seus escalões inferiores, que transferem para os cidadãos a lógica de medo e desumanidade à qual são submetidos desde o seu primeiro dia de treinamento. Para coroar o quadro, a PM oferece péssimas condições trabalhistas a pessoas que, por meio de seu poder, podem influir em mercados ilegais altamente lucrativos, o que geral um nível de corrupção só comparável ao do Congresso Nacional.
Em relação aos "abusos", a resposta é o descontrole. Ajustiça militar permite que os crimes cometidos por policiais sejam julgados por seus próprios pares, e a enorme maioria dos integrantes do Poder Judiciário (exceção feita às ainda frágeis defensorias públicas) é conivente, legitimadora e até incentivadora da violência policial que deveria controlar externamente. Sem qualquer controle independente ou confiável, a PM emerge de maneira autoimune". 

Concordo inteiramente com o coletivo DAR e Movimento Mães de Maio quando afirmam: "Se para atingirmos o mundo que buscamos é necessário muito mais do que uma polícia desmilitarizada, certamente ele não é sequer imaginável dentro do atual cenário".
Mas a proposta apresentada por ambos os grupos é interessante para toda a sociedade: "É preciso fortalecer o controle externo pela sociedade civil da atividade policial e judicial, bem como a autonomia das perícias criminais. O fortalecimento da Defensoria Pública da União e das defensorias públicas estaduais, além da criação de outros mecanismos de assessoria jurídica popular autônoma, igualmente se fazem prementes. 
Outras medidas importantes seriam a criação imediata de mecanismos de combate à tortura (incluindo limitações às armas menos letais), a melhoria das prisões e instituições de medidas socioeducativas, começando pelo reforço de amplos mutirões carcerários que avancem no desencarceramento imediato de pessoas ilegalmente presas (provisórios tornados permanentes; presos em regime fechado quando deveriam estar em semiaberto etc.), e a criação emergencial de uma Política Nacional de Reparação Integral às Vítimas Torturadas e às Famílias de Vítimas do Estado Brasileiro (reparação psíquica, moral, física e material)".


Bibliografia:

Caros Amigos Especial - Violência Policial nº 66
Le Monde Diplomatique Brasil ano 7 número 76

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