domingo, 20 de junho de 2021

O roteiro novelístico da TV Globo e o Teatro clássico.


É a Globo uma emissora ou empresa paradoxal.

Paradoxal. Não encontro melhor palavra com que defini-la. 

Basta ver que após ter sabotado o governo Dilma e apoiado decididamente um golpe de Estado, a emissora anti petista ou anti socialista por excelência, hora se opõem - Com unhas e dentes - ao projeto teocrático e totalitário do genocida Jair Bolsonaro. Buscando esconjurar o gênio maléfico que ela mesma trouxe do mais profundo dos abismos.

Também sua programação é paradoxal.

Afinal é a Globo uma clássica indústria de entretenimento para as massas, cuja vocação histórica é alienar as massas tal e qual Scheherazade alienava de si o sultão - Noite após noite. Assim a missão da Globo tem sido alienar as massas face a realidade social em que vivem. 

Não está a Globo interessada na Verdade e menos ainda na Bondade e na Beleza ou na Kalokagathia. Empresa está interessada em lucrar ou em aumentar seus capitais colocando-se portanto a serviço do sistema ou melhor a serviço da caterva, dos milionários, dos poderosos, demagogos, opressores, iníquos... Tal a casta que contrata os serviços que ela pode oferecer.

Eis porque empenha-se ela em divulgar algo como o funk - Com sua mensagem ultra erótica ou pornográfica, machista, sexista, consumista... e abjeta. Jamais algo que interiorize ou eduque como a música instrumental (Nem estou falando em música clássica) de um Pedrinho Mattar ou a obra de um Sivuca, de um Hermeto Pascoal, de um Taiguara... Os quais não existem para ela. 

A Globo não aspira ou pode aspirar formar seres humanos integrais, homens, mulheres, cidadãos, pessoas... mas consumidores, marionetes e sombras. Ela tem clientes e executa seu próprio papel.

Daí o BBB ou o Domingão do Faustão. O primeiro com suas futilidades ociosas e o segundo com seu cortejo de bizarrices.

Globo é isso 90% de alienação, tolice, inutilidade e baboseiras - O Reino ou Império da mediocridade.

Algo destinado a evitar que o telespectador peque um bom livro - Seja um Homero, um Dante, um Camões, um Cervantes, um Shakespeare, um Moliére, um Goethe, um Valéry... ou ainda Freud, Darwin, Weber, Sorel, Alain... - e emancipe a si mesmo ou se liberte.

Verdade seja dita o SBT não aliena menos, pelo contrário, aliena ainda mais, especialmente devido ao apoio que presta ao tirano genocida. Haja visto suas novelas mexicanas, espaço em que a alienação junta-se ao mau gosto...

Outro o caso das novelas da Globo. As quais com o Globo Repórter formam aquele resíduo de 10% que parece fugir a regra geral.

De fato as novelas da Globo não podem ser analisadas como um todo uniforme ou como uma coisa só. Por mais que parte considerável dos espectadores jamais passe dos personagens caricatos e dos slogans imbecis há ali certo conteúdo realista ou no mínimo certo material instrutivo e interessante.

Todavia não é escopo deste artigo discorrer sobre o conteúdo realista ou até sugestivo dessas produções mas apenas e tão somente apontar para um elemento específico que parece ter fugido a crítica. 

O drama, o 'drama' satírico e a comédia.

De modo geral temos aí o roteiro do Teatro clássico em suas apresentações.

Pois bem, a Globo, em sua programação novelística, costuma seguir a risca este roteiro que é clássico.

Pois três são suas apresentações diárias dentro desse gênero: As novelas das seis, das sete e das nove, porque as oito há o Jornal Nacional. E nada ali segue a esmo ou ao acaso, sendo tudo muito bem planejado.

A ordem apenas foi invertida.

Pois para os gregos o filé, isto é drama (Ésquilo, Sófocles e Eurípedes.) vinha em primeiro lugar - Quiçá por corresponder a fonte dos demais ou por pura e simples tradição. Seguindo-o as demais categorias: O drama satírico, o qual costumava fechar a programação; e a Comédia (Aristófanes...), no ultimo dia dos festivais.

Mais conforme a representação da nossa cultura. Segundo a qual devemos passar em escala (Como os degraus de uma escada) do bom ao melhor e do melhor ao mais excelente. Alterou a Globo a disposição do espetáculo. Abrindo sua programação novelística com o drama satírico ou o romance, típico da novela das seis e passando a comédia ou ao pastelão, típico da novela das sete. Até chegar ao drama, que corresponde a novela das nove.

Equivalendo cada uma delas a um éthos específico. 

No tempo presente o drama satírico identificou-se com a produção idealista, em parte polarizada e maniqueísta, de que resultará sempre a vitória do bem ou um final feliz. - A qual a TV Globo adicionou um conteúdo histórico precioso. Assim enquanto o enredo das novelas das seis é quase sempre prosaico ou mesmo tosco, como a produção romântica costuma ser, sua forma corresponde, não poucas vezes a uma reconstituição histórica, a uma aula ou mesmo a um curso. Intencionalmente ou não a Globo amiúde, produz excelentes ferramentas pedagógicas para a disciplina de História. O que é inegável.

Já o disse e com grande escândalo: Novelas globais há (Das seis e das sete) que dão de dez a zero em certas aulas ou cursos de História. Triste porém inegável.

Por vezes a programação das seis abre espaço para o mitológico ou para o fabuloso, sem cair porém no pastelão e os limites são sempre respeitados - Ocorrem-me 'Cordel encantado', 'Chocolate com pimenta', 'Eterna magia', etc

Há novelas das sete que são, por assim dizer 'de época', e igualmente aproveitáveis quanto as aulas de História. A tônica porém é a comédia a que chamamos pastelão. Posto que, seja qual for o quadro espacial ou temporal, os personagens são caricatos. E o propósito da novela das sete outro não é que descontrair, distrair, alegrar ou fazer rir. Sendo não poucas vezes voltada para o público infanto juvenil. 

Por fim após certo choque de realidade (Não poucas vezes manipulada ou distorcida.) instilada pelo Jornal Nacional passamos ao terreno do Drama, que corresponde a novela das Nove.

A novela das nove é sempre uma produção realista, a qual não poucas vezes, nos anos 80 e 90, chegou aos confins de um naturalismo forçado. De modo geral, a partir do ano 2.000 foram tais produções se tornando mais equilibradas a ponto de incorporarem certo conteúdo humanista ou mesmo 'polêmico'. O próprio enredo tornou-se mais complexo em comparação com os que foram produzidos no século anterior e criaram-se autênticos dramas humanos cheios de intensidade, um desses tipos criados foi a 'Alana', o último a 'Dna Lurdes'; lembro-me também da Maria da Paz. Contexto em que a banalidade sexual cedeu espaço a profundida psicológica de diversos tipos. Não é que a dimensão sexual tenha sido ou deva ser eliminada. Foi no entanto, como deveria ser, reduzida as dimensões da normalidade.

Apesar disto a Novela das nove jamais assumiu qualquer compromisso com o idealismo Ético. É como dissemos produção que se limita quase sempre a reproduzir a realidade social, jamais se atrevendo a julga-la ou a contesta-la sugerindo algum tipo de modelo. 

No entanto a realidade ali contida e oferecida sempre poderá ser problematizada nas aulas de Sociologia, Psicologia ou mesmo Filosofia. Convertendo-se tais produções em precioso material de apoio. Isto no entanto é já outro tema...

O que pretendíamos demonstrar já demonstramos.

A Globo mesmo quando é canalha e isenta de princípios Éticos não é ou melhor dizendo, jamais é superficial. Não foi portanto a toa que adotou a mesma disposição que a produção teatral clássica, apenas invertendo a sequência. E tudo isto é prenhe de significados.








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