quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Pecado ancestral, tentação, Super ego, Freud e o Evangelho... Por uma nova compreensão em torno do Super ego (Ensaio de semi pelagianismo)


Resultado de imagem para Jesus e freud







É a doutrina Ortodoxa do pecado ancestral uma versão bastante mais atenuada do pecado original proposta por Agostinho de Hipona do século IV. A qual pode ser entendida inclusive naturalisticamente e em conexão com a doutrina de Freud sobre o Super ego. É antes de tudo a experiência do mal no homem uma experiência humana e natural.

Admitido que Freud metafisicou bastante em torno de suas constatações - editando-as como generalizações nem sempre bem fundadas - podemos relaciona-lo com Agostinho, o qual do mesmo modo metafisicou a respeito de coisas que não podia compreender a seu tempo, chegando aos confins do maniqueísmo.

Para os naturalistas ingênuos ou otimistas como Rousseau, é o homem uma criatura perfeita ou melhor harmoniosa. A Sociedade no entanto contamina-o ou infecta-o e nele introduz o mal. Temos de admitir que Rousseau, o otimista, estava absolutamente correto, ao identificar a Sociedade ou seu produto a cultura, como fonte do mal ou do pecado. Seu erro consiste em imaginar o homem, em qualquer tempo ou fase de sua vida separado da Sociedade, pois é este homem um ser social, social do berço ao túmulo. Social porque assim que nasce deve ser limpo, alimentado, aquecido, protegido... por outros seres humanos ou por um pequeno grupo social chamado família. E nem as famílias vivem isoladas umas das outras. Sendo o homem ao nascer um ser familiar, é concomitantemente um ser social, que pela família entra em contato com outros homens.

Uma vez que a sociedade ou a cultura estão impregnadas pelo pecado - mas não só por ele - o homem, gerado, nascido e criado em contato com a sociedade e a cultura terá sua mente preenchida em parte com memórias, recordações ou elementos pecaminosos. Temos assim no pecado ancestral uma potência que pelo pecado atual ou pessoal converte-se em ato.

Evidencia-se com prístina claridade a genialidade da doutrina do alexandrino, repetida por S João Damasceno na 'Fé Ortodoxa' é o pecado ancestral transmitido pelo exemplo humano, pela sociedade e pela cultura enfim. E assimilado pelos sentidos e pela memória - pela mente enfim - desde a vida infra uterina. Assim antes que atinjamos o estágio operatório formal, lógico ou racional - estágio em que nos tornamos aptos para julgar e decidir - temos já um substrato pecaminoso ou maligno em nossa mente.

Podemos então falar, quanto a diversos casos, num super ego pecaminoso, fonte das tentações com que o inconsciente opõem-se, diversas vezes, a deliberação racional. Dando lugar ao tão conhecido estado de combate ou ambivalência porque chegamos, não poucas vezes a neurose. Mas não estou a falar a lingua de S Freud, i é, em sexo ou sexualidade. Cristão Ortodoxo, não maniqueu ou judaizante, estou a falar em verdadeiros pecados ou dilemas éticos - postos pelo Santo Evangelho - e assim em princípios divinos como honestidade, justiça, solidariedade, amor, lealdade, etc é disto que estou a falar, numa concepção autenticamente Cristã ou Católica de pecado ou virtude e não em baboseiras puritanas ou moralistas.

Somos capazes de armazenar em nossas mentes, segundo o ambiente em que fomos criados, uma massa de princípios anti éticos. Noutras palavras um inferno interior ou um Diabo interior e todos conhecem a clássica imagem do anjo e do diabinho. E no entanto a composição do homem interior ou da mente jamais será totalmente má mesmo majoritariamente má. Tudo dependerá do ambiente, da educação, da formação, dos valores concretamente manifestados pelas pessoas com quem entramos em contato... O que nos faz avançar na direção da tese a respeito de um super ego majoritariamente ético ou bom, harmonizado com o aparato consciente ou racional.
Por meio de um super ego majoritariamente pecaminoso, face a uma deliberação racional saudável impoẽm-se o cenário de um drama - o drama do homem enquanto ser dividido ou fragmentado. Cindido entre o consciente ou o aparato racional e um inconsciente pecaminoso. Este drama, percebido por Agostinho e antes dele por Paulo é um drama real e vivo. Com que sentimentos não registrou o apóstolo: Faço o mal que desejo e o bem que desejo não faço. Que significa isto senão a luta ou a guerra entre o homem exterior, cônscio de seu dever e o homem interior dominado por instintos atávicos e más memórias?

Admitida esta compreensão podemos dar por desnecessária e fútil a ação externa de um suposto diabo. É o homem, e algumas parcelas do Novo Testamento já o sabiam, tentado por si mesmo e não por qualquer agente exterior, embora possa também ser sugestionado por outros homens. Claro que uma tentação que parte do interior ou de dentro será sempre mais intensa e incomodativa, afinal é difícil ao homem fugir de si mesmo. Outra constatação é a de que inexiste qualquer transmissão mágica em torno deste pecado... e tampouco qualquer tipo de culpa ou pena, pelo simples fato de não haver assentimento e portanto 'pecado' propriamente dito. Semente não é fruto. Pecado ancestral não é pecado pessoal ou atual, e portanto não implica culpa, e por não implicar culpabilidade não serve de obstáculo entre nós e o sagrado.

O que ele faz é predispor-nos ao pecado pessoal e desde então cindir por assim dizer, a pessoa humana, convertendo-a num campo de batalha, disputado por forças diametralmente opostas; as impressões maléficas e a deliberação racional ou consciência. Eis uma realidade a que não podemos fugir e mesmo os naturalistas são obrigados a encara-la no terreno da Psicologia. Todo homem que aspirar viver conforme os ditames da consciência e deliberação racional encontrará dificuldades e experimentará conflitos interiores.

Freud topou com mentalidades dominadas por conflitos de ordem sexual porque exerceu sua atividade num contexto saturado de puritanismo ou maniqueísmo. Noutros contextos sociais, em que a sexualidade, por não ser demasiadamente reprimida, não se tornava obsessiva, daria com outros problemas, inclusive com dilemas éticos. Assim as relações que descobriu e a que chamou complexas foram produtos de determinadas situações culturais.

Destarte poderíamos supor um outro tipo de Super ego, tanto mais próximo da consciência ou em harmonia com ela. Claro que isto implica a adoção de uma determinada lei ou padrão e de um padrão ético por parte dos educadores, dos pais, das famílias e mesmo da sociedade. Um contexto social em que predomine a ética da pessoa produzirá um substrato mental ou um super ego virtuoso e portanto em sintonia com a deliberação racional. Do que resultará uma vida equilibrada.

Claro que a pergunta que se faz é se além dos bons exemplos que se fixam na memória por meio do esforço cultural a que chamamos educação existe algo de bom imanente no próprio homem. E é claro que estamos invertendo a doutrina de Agostinho e postulando a presença de um bem metafísico. Se em termos de intelecto nossa resposta é um sonoro ou rotundo não, no sentido de que não há conteúdo de virtude ou de ética que anteceda a experiência vivida ou a operação sensorial (empirismo), em termos de uma vontade informe, intuição ou atração podemos dizer que sim e que este homem, possuindo elementos bons e mais em sua mente, identifica-se com os bons, tendendo ao bem. Por isso mesmo o homem natural com experiências de pecado continua sendo atraído pelo bem e realizando coisas excelentes, apenas violando a si mesmo, a sua natureza, a sua condição, o âmago de sua consciência, transforma-se num monstro.

Neste caso, se o homem contém algo de bom em si e tende ao que é bom para que a graça i é a Unidade de Jesus Cristo.

No plano natural por mais que aspire pelo bem, pela virtude e pela perfeição não pode este homem deixar de cometer o mal ou de pecar ao menos episodicamente, devido a ação deste super ego, no qual, em maior ou menor medida existe o mal. Do estado de combate contínuo a que esta exposto, ao menos em algumas ocasiões, resultará a derrota deste homem e, do ponto de vista puramente natural, um afastamento com relação ao Sagrado ou uma profanação. Outro seria o caso se os primeiros homens aos quais coube a deliberação racional tivessem sido fiéis a suas consciências e repudiado o que estavam habituados a fazer. Ao que parece não fizeram isto, cederam livremente a fragilidade e cometeram o primeiro pecado atual e após este alguns outros... até que o mau exemplo contaminou a todos e pelo exemplo fixou-se em todas as mentes, tornando o ideal da impecabilidade impossível.

Por isso manifestou-se o Verbo eterno Jesus Cristo, nosso Legislador e Mestre com o duplo objetivo: De fixar um padrão absoluto de ética por meio de sua Lei, o Evangelho ou o Sermão do monte e de auto comunicar-se a todos os homens de boa vontade, ou que se sentiam desconfortáveis face as situações de pecado. Por auto comunicar-se compreenda-se: Agregar-nos espiritual e intimamente a si, ligar-nos a sua Unidade e oferecer-nos a sua amizade que é a graça.

No entanto não é esta graça elemento neutro ou de enfeite mas um elemento ativo ou capacitador, o qual vem em socorro de nossa boa vontade ou do bem que há em nós reforçando-o contra as tentações. Coadjuvados pela ação da graça podemos resistir heroicamente as tentações internas e vence-las, podemos resistir ao pecado e romper concretamente com ele, podemos cessar de pecar e nos tornar santos, podemos cumprir o mandamento de Jesus Cristo: Sede perfeitos como vosso Pai celestial é perfeito. Isto é a conversão, 'Metanoia' ou mudança, não de opinião ou crença, mas de vida.

Podemos assim, por meio de uma educação ética, conforme os princípios do Evangelho, produzir super egos cada vez mais puros e diluir o drama do conflito. Como podemos com o auxílio da divina graça superar o conflito e assumir uma vida de santidade e perfeição. Uma mente nutrida do Evangelho desde o berço e posta em contato com a graça do Senhor trilhará a passos largos a senda do bem, do amor e da justiça. Uma memória impregnada por bons exemplos e socorrida pelos Sacramentos não poderá deixar de frutificar abundantemente e de dar bons frutos cem por um.

Nenhum comentário: