Insuspeito muito admiro as sociedades judaicas Chevra Kadisha destinadas a confortar os enlutados.
Deploro veementemente a falsa piedade dos neo Cristãos que com base na doutrina da ressurreição dos corpos repudiam o luto e criticam os que choram por seus mortos.
Sobretudo os neo católicos mostram-se deploráveis pelo desprezo que votam aos rituais de sepultamento legados pela tradição. Não nos esqueçamos que os neandertais sepultavam seus mortos na posição fetal e lançavam tinta ocra sobre eles, querendo simbolizar um segundo nascimento ou um nascimento espiritual.
Incoerentes, não poucos dentre eles - i é entre os neo católicos - tem abraçado as opiniões dos fanáticos para os quais não se deve chorar pelo morto ou dar mostras de qualquer tristeza pelo simples fato de que permanecem vivos em espírito, porque haverão de ressuscitar ou porque o Cristo ressuscitou.
Essa gente tosca não compreende que a tristeza e o choro são sinais de saudade tendo em vista a ausência física daquele que partiu.
Concordo que o Cristão Ortodoxo não deva gritar, berrar ou fazer escândalo a exemplo dos que não tem esperança alguma, ignorando a imortalidade e a ressurreição. Pois a certeza de que a vida continua noutro plano ameniza a dor da separação.
Decerto aqueles que morreram segundo a carne entraram na posse da verdadeira vida e tendo vivido piedosamente ou segundo a Lei do Evangelho repousaram de seus trabalhos, depuseram seus fardos e obtiveram a paz.
Sabendo que estão felizes não é por eles que choramos, mas, em verdade, por nós mesmos que aqui ficamos. Não é pelo morto que ficamos tristes mas por nossa própria solidão, abandono e desamparo. Pranteamos porque já não temos aqueles que amamos fisicamente próximos de nós. Derramamos lágrimas de saudade porque de algum modo a ligação entre nós foi cortada e já não nos podemos comunicar. Não é o pranto sinônimo de descrença mas de saudade, tendo em vista a ausência...
Chorar pelo que já não mais se encontra junto a nós não é sinal de dúvida mas de afeição ou carinho.
Não é o desaparecimento que supomos é a separação que deploramos. Não espiritual é claro, pois cremos na comunhão dos Santos e consequentemente que nossos queridos velam por nós junto do Verbo Jesus Cristo. No entanto não somos nós espíritos puros ou descarnados, mas espíritos em posse de corpos, espíritos encarnados. Temos uma dimensão corpórea, a qual não pode nem deve ser ignorada. Fisicamente esta comunhão plena ou física, significada pela presença, é rompida e esta ruptura não pode deixar de produzir um impacto no homem normal.
Aquele que ama folga estar sempre perto do objeto amado, o que em termos humanos significa também proximidade física. A morte do corpo no entanto torna impossível esta proximidade e destrói esta convivência. E se aquele que amamos segue avante em demanda de Cristo e dos irmãos que já se foram, aquele que ama e por aqui permanece não pode deixar de sofrer algum abalo. Crendo o não crendo sentimos a separação física, uns menos outros mais. O fato é que todos sofremos ao enfrentar situações de perda, mesmos sabendo que esta perda é provisória.
Assim antes de julgar o descrente que desmaia ou grita desesperadamente na hora em que o caixão é fechado, antes de apontar, condenar ou ridicularizar coloquemo-nos no lugar dele e perguntemos a nós mesmos a respeito de como estaríamos sem a certeza da imortalidade... Antes de julgar, apontar, condenar, ridicularizar, etc busquemos tentar compreender. Assim como Jesus colocou-se como homem coloque-mo-nos no lugar do outro!
Antes de zombar e escarnecer do irmão ou amigo que pranteia seu ente querido, assumindo um heroísmo frio que nada tem de Cristão, pranteemos com ele, juntemos as lágrimas na mesma piedade, aprendamos com os judeus que assim o fazem dando mostras de humanidade. Não aspiremos ser sobre humanos uma vez que nosso Deus se fez homem. Pois quiçá nos tornemos desumanos. Confortemos com ternura aos que choram ao invés de apontar, julgar e condenar. Se você é forte e não chora, busque a máxima perfeição, abstendo-se de exigir do outro a mesma postura, pois cada um tem seu jeito de enfrentar a morte. Se você se controla ou faz das tripas corações, o mérito é seu, agora só não venha julgar os demais, pondo seus méritos a perder. Afinal há mais merecimento na fragilidade que se compadece e irmana do que na força que desdenha e julga.
Tomemos em tudo por padrão e medida a sunah ou exemplo do Senhor Jesus Cristo. O qual sendo Deus verdadeiro - Pai dos corpos e dos espíritos - e tendo se tornado verdadeiro homem - Em tudo semelhante a nós menos no pecado - não quis conter suas lágrimas diante do túmulo do amigo Lázaro. Por isso o menor verso do Evangelho é dos mais grandiosos, por registrar que Jesus, sendo humano, chorou - E Jesus chorou... Mas por que chorou? Por que é próprio dos homens e natural chorar em tais circunstâncias. Porque chorar de modo algum é pecado. Porque chorar um morto nem é inoportuno, nem é inconveniente. Eis porque chorou o autor da fé, a verdade suprema, o Criador de todas as coisas.
Então por que aspiras tu ser mais que Jesus? Por que condenas tão levianamente aqueles que a exemplo do divino Mestre choram a separação física? Por que repreendes os que manifestam a dor e a saudade por meio das lágrimas? Tendo o Senhor de todos chorado junto ao túmulo de Lázaro já não posso dar-te razão. O que exiges de teus irmãos, essa conformidade heroica, é cruel e desumano. Caso acredites que semelhante postura te faz bem, nada tenho a declarar. Só não te faças medida de todas as coisas ou de todos os homens, porque a medida de tudo e todos é Jesus Cristo.
Altamente sofisticada é a percepção dos judeus face ao mistério da morte e de uma acuidade admirável. Pois corresponde o tempo do luto a uma necessidade imperiosa, que brota de nossa personalidade.
Por experiência digo que o luto conforta e reconforta.
Não me tomem por cruel ou zombeteiro.
Cerca de um mês, pouco menos, perdi uma parenta muito querida, uma prima que era como uma irmão mais velha. Pessoa de imensa delicadeza sempre presente em nossas vidas. Pessoa solidária, útil e prestimosa. Por motivos de ordem superior não pude eu mesmo presidir os ritos de sepultamento ou encomendar-lhe o corpo, pois tive de 'distrair' minha mãe, tia da falecida, que se achava bastante comocionada... Apesar disto tributei a sua memória, discretamente, copiosas lágrimas e preces. Me abstive de distrações, fechei-me em minha residência e parti para um encontro comigo mesmo... do qual saí mais forte e revigorado apesar da saudade.
Passados menos de quinze dias veio o grande baque. Como roguei acima, não me levem a mal... Pois refiro-me a morte de meu gato, o Et. Para ser breve direi que este gato e eu construímos uma relação 'sui generis'. Desde bebê - e eu o vi nascer em meu quarto - ele me conquistou e acabei tomando-o por um filho do coração. Era tratado como alguém da família... Meu gato era tudo para mim e eu o amava na mesma medida em que ele me amava. Era um animal adorável, um felino encantador. E já estava para castra-lo quando a tragédia aconteceu e ele atacado e mordido por um cão morreu na porta de casa.
Foi uma acontecimento tenebroso, para o qual não me achava preparado, mas que tive de suportar. A dor foi grande a ponto de anestesiar-me. E no entanto posso dizer que caso ele tivesse sumido ou desaparecido eu teria ficado louco. O simples fato do corpo não ter sido atropelado, esmagado ou destroçado - o corpo estava praticamente normal - e de pode-lo sepultar no jardim causou uma imenso alívio em meu coração. Assim saber que não havia sido envenenado ou torturado por um humano... O fato dele ter morrido de circunstâncias até certo ponto naturais - Gatos são atacados e mortos por cães desde a aurora do mundo - e de ter podido recuperar seu corpo e sepulta-lo foi para mim um imenso benefício. O segundo - não me levem a mal pois julgo que os animais ou suas almas são tão imortais quanto as nossas - foi poder jejuar e comungar por ele no mesmo dia... Poder rezar por sua bela alma e encaminha-la a paz e ao repouso.
Continuei a rezar pela alma do meu gato dia após dia e a chorar sempre que sentia saudades. E ainda sinto. Credo que ele esta bem e que nos haveremos de reencontrar um dia obtive o conforto esperado. Não se trata aqui de esquecer mas de conviver... Temos de aprender a conviver com a dor e o luto é um excelente exercício introdutório. Considero esse tempo de retido e de reflexão muito importante...
Sepultar significa entregar nossos queridos ao Pai do céu e aceitar que se foram. Retirar-se da vida por algum tempo ajuda a compreender melhor este sentido da perda ou da separação. É um período ou momento necessário. Período de abrir mão, período de aceitar, período de encarar a nova realidade que se impõem. Reflete, insisto, uma necessidade psicológica e avanço dizendo que, se observado, poderia o luto servir como uma espécie de profilaxia da depressão. Deprimi-mo-nos porque não nos é dado um tempo para vivenciar a perda... Nossos queridos partem e continuamos a viver, a trabalhar, a brincar, a produzir, a sorrir... como se nada tivesse acontecido. O subconsciente não perdoa semelhante indiferença... O resultado será a tristeza crônica. Melhor assumir a tristeza de imediato e compreende-la, até que se vá amenizando. Tal o sentido do luto...
Nenhum comentário:
Postar um comentário