terça-feira, 18 de setembro de 2018

Curso de Política I - Voto: Entre a abstenção e o pensamento mágico.

Nada mais icônico do que a propaganda dos T. E.s sobre a importância do voto no rádio e na TV. Tem certo ar de misticismo ou melhor de fetichismo que chega a repugnância. É sem dúvida algo que baralha a realidade e mistifica.

Querem passar a impressão, leviana; de que ser cidadão resume-se em votar i é em ir, obrigatoriamente, de quatro em quatro anos participar do ritual de transferência de poder que sanciona o 'status quo'. Querem passar a impressão de que votar tudo é e tudo resolve e esta impressão é perigosíssima.

Não nos enganemos, votar é um detalhe, quiçá ínfimo. É algo que faz parte da política ou melhor da cidadania, mas que não pode esgota-la.

Votar nem nos converterá em cidadãos nem solucionará todos os nossos problemas. Faz parte, não é tudo.

Alias devemos aproveitar a oportunidade para salientar a monstruosidade do voto obrigatório num contesto democrático.

O que por sinal corresponde a uma intencionalidade, e a uma intencionalidade política - Impedir ou travar a consolidação de uma política consciente e cidadã.

Afinal aquele que vota por força da lei, obrigado, revoltado...Votará de qualquer jeito ou em qualquer um, quando não venderá seu voto aquele que pague mais. Consolidado nosso coronelismo enrustido e alimentando ainda mais a venalidade e a corrupção.

Da obrigatoriedade do voto é que resulta este mercado ou melhor a oferta de eleitores que se vendem e podem ser facilmente comprados. A massa se vende porque não vê motivo algum para votar... porque não vê sentido nesta ação... E não vendo sentido esculacha, votando no tiririca ou mesmo num bode.

No outro extremo temos os abstenceístas, muitos dos quais anarquistas.

Nós, eles e os autoritários conscientes ou fascistas temos algo em comum: Reconhecemos as deficiências, mazelas, vícios e defeitos do sistema representativo elaborado por John Locke no século XVII. Democrata que não reconheça a fragilidade intrínseca da democracia representativa ou burguesa fantasia e não pode ser bom democrata. Nós, com os contrários, reconhecemos o problema.

Os anarquistas no caso acreditam que o sistema entrará em colapso por meio do abstenceísmo i é do voto nulo ou da não participação nas eleições. No entanto, o que vemos e percebemos é que, apesar das abstenções o sistema continua firme e forte, sem dar sinais de que esteja demasiadamente abalado ou prestes a cair. Os nulos hoje ainda não passam de 20%. Será que um dia chegarão a 80%??? Tenho motivos para duvidar...

No caso deles a abstenção ou seu sucesso levaria ao colapso do que chamamos macro estado. Mas quando Brasil ou Argentina dissolverem-se política e administrativamente que haverá de substitui-las? Pequenas agremiações regionais ou mesmo municipais a semelhança das antigas cidade estados gregas? O que inclusive facilitaria, sem dúvida, o exercício da policracia ou da democracia direta. É um ideal nobre - o da policracia - e do qual partilhamos, sem no entanto nos deixar enganar pela solução das cidades estado.

As cidades estado gregas, num determinado momento assumiram, em sua maior parte, a forma democrática. Foi algo belo e esplendoroso, mas nem tudo foram rosas. Pois havia, lá fora, um colossal Império persa a espreita. O trágico aqui foi que as cidades gregas não se conseguiram entender e formar uma Unidade contra o inimigo comum, o que gerou um impasse. Durante mais de século viveu a Grécia sob pressão daquele inimigo externo unificado. Até que Alexandre conquistou-o. Não sem antes unificar a força as cidades estado e, consequentemente erradicar a democracia, exterminando-as em seu próprio berço. Não poucos teóricos alegam que teve de imolar a democracia as necessidades da cultura. Pois fragilizada pela divisão e conquistada pelos persas a Grécia viria a compor o Império e a perder dua identidade cultural.

Foi uma opção dramática, e que até hoje não podemos avaliar serenamente.

Não se diga porém que inexiste um Império semelhante ao persa disposto a ocupar qualquer nicho ou espaço criado no planeta. Seria pura ingenuidade acreditar que as cidades estado do 'aquífero' não seriam assediadas por um inimigo externo poderoso e muito bem organizado nos tempos em que a água vai adquirindo tanto valor. Seria igualmente ingênuo asseverar que nossas cidades estado brasileiras ou bolivianas manteriam a concórdia ou conservariam algum tipo de unidade militar. Francamente falando, olhando para o Norte deste continente, não creio que a adoção do modelo grego convenha a América latina. Aqui temos de ser realista.

Por isso sou favorável, quiçá seguindo o exemplo de Bolivar e de José Bonifácio, a construção de uma democracia cada vez mais direta no contexto do macro estado. Quiçá através dos meios de comunicação digitais e a exemplo do Demoex da Suécia.

Abrir mão do macro estado no atual contexto bem poderia beneficiar a construção de um imperialismo colossal.

Outros tantos anarquistas, cientes de todos estes problemas, tornam a Bakhunin com seu evasivo - Não sabemos nem queremos saber que venha ser o futuro mas apenas destruir... No entanto é próprio do homem pensar o futuro ou melhor planeja-lo. Seja como for esta evasiva me parece fútil. Pois quem sabe se destruindo o que existe sem pensar o futuro não estamos preparando um futuro pior???Refletir e buscar soluções sóbrias sempre foi o caminho mais seguro para chegar ao melhor e o ser humano merece esta seguridade. Temos assim de oferecer algo ou alguma perspectiva com relação ao futuro e não me parece que o anarquismo esteja sendo bem sucedido neste sentido.

Já dissemos quando oferece alguma resposta sobre o futuro na melhor das hipóteses recorre a experiência grega em torno das cidades estado. Experiência que como vimos não deixou de ser problemática, como não deixa de se-lo no tempo presente. Dizemos melhor das hipóteses ou mais realista pelo simples fato de que parte dos anarquistas jamais furtou-se a quimera Stirneriana em torno de uma Não sociedade ou de agremiações de indivíduos, chegando aos confins do ANCAP...  Claro que isto não corresponde aos ideais de um Kropotkin ou mesmo de um Bakhunin, e no entanto ao menos parte deles tem cogitado na eliminação do que concebemos por Sociedade. Como se vê, a confusão entre as noções de Estado e Sociedade torna o problema ainda mais sério e abre as portas para o espectro do individualismo...

Já os autoritários, militaristas, absolutistas, fascistas, etc são pela eliminação da democracia e pela adoção de uma ordem hierárquica, autoritária e despótica. A solução não podia ser pior... embora seus teóricos conheçam, talvez até melhor que os anarquistas, os vícios e defeitos da democracia burguesa.

Não poucos dentre eles - digo parte dos fascistas -  tem exposto de deplorado a existência do que chamam plutocracia ou seja, de uma regime político ou de uma democracia a serviço de interesses puramente econômicos, do mercado ou do capital. A crítica não parte apenas dos Comunistas, mas de alguns fascistas, alias classificados como socialistas. Seja como forma eles acreditam que uma autoridade 'neutra' seja capaz de julgar a questão, de fazer justiça aos injustiçados, de conter as aspirações do Mercado e de cimentar a conciliação entre as partes instaurando uma 'paz perpétua'.

O problema aqui não diz respeito a suposta neutralidade classista ou econômica da autoridade em questão. Nem poderíamos negar a priori a existência de uma autoridade ética e voltada para o bem comum. O problema aqui é de ordem histórica, matemática e psicológica. Será prudente apostar que o titular de tão grande autoridade não se deixará corromper pelo exercício da mesma? Parece-me que para cada monarca virtuoso a História nos oferece o exemplo de mil psicopatas e degenerados como Heliogabalo, Tamerlão, Hitler, Stalin ou Bush. Não eu não acho prudente apostar no poder e na autoridade de um só e julgo que o poder absoluto corrompe absolutamente produzindo apenas monstros. Aqui os nobres e virtuosos correspondem a ínfima exceção, sendo coisa rara.

Para mim a solução pelo autoritarismo seria emenda pior que o soneto. E vemos já quem em nome da autoridade, da lei e da ordem queira sancionar a praga da tortura, que é um crime contra a humanidade.

Melhor que os homens partilhem a administração das coisa pública e se contenham uns aos outros.

Tornamos assim a solução democrática, em torno da participação, do gerenciamento comum do poder e da cidadania. Sem deixar de reconhecer que nossa forma ou estrutura é viciada e que deva ser alterada de modo a tornar-se mais eficiente e assim mais democrática.

Não é nem pelo individualismo e pela destruição, necessária, do macro estado e menos ainda pelo retorno ao despotismo que devemos sair da democracia burguesa, formal, parlamentar ou representativa mas por meio da democracia direta ou da policracia.

Nosso objetivo deve ser construir, na dimensão do macro estado, novos mecanismos capazes de ampliar a participação popular ou a cidadania, além é claro de empregar os mecanismos consagrados do plebiscito e do referendo com uma assiduidade cada vez maior. Devemos além disto priorizar a política de base resgatando o velho ideal do municipalismo, pois é na esfera do município que se torna possível um nível maior e mais profundo de participação.

Dentro desta perspectiva é claro que o voto acabará perdendo seu brilho artificial. Terá cada vez mais um peso relativo.

De certo modo o próprio abstenceísmo não deixa de presumir demasiadamente do voto e de emprestar-lhe muito importância. Pois aposta que o aumento dos votos nulos levará o sistema ao colapso.

O quanto podemos dizer sobre a realidade do tempo presente chega a ser simples - A propaganda posta em circulação nos meios de comunicação e que identifica a cidadania ou a política com o ato de votar é tendenciosa. Votar não solucionará todos os nossos problemas e isto pelo simples fato de que outros também votam, de que ignorantes e canalhas votam, de que as massas sem consciência votam... Assim, a cidadania pressupõem certo 'proselitismo' ou cerra dose de conscientização. Temos de discutir, de dialogar, de debater sobre política, temos de argumentar e de ganhar o outro, temos de persuadir o outro sobre a importância do voto cidadão, temos de nos engajar na política antes de dizer que a política não presta.

Platão já dizia que não se fará uma boa política sem a participação dos bons cidadãos. E é aqui que a abstenção, fuga ou omissão dos virtuosos enojados dará espaço e poder aos maus... Caso nos retiremos o preço a ser pago será sermos dominados pelos maus ou pelos inferiores, pelos ignorantes, pelas massas...

O Brasil é exemplo vivo disto.

Bolsonaro e seus apoiantes, assim como a sinistra bancada 'evanjéguica' correspondem a minorias ou a elementos minoritários muito bem articulados que auferem imenso benefício da abstenção por parte dos que não concordam com seus respectivos ideários. Pois bem, estas pessoas virtuosas e conscientes poderiam ajudar-nos a conter estas duas ameaças, mas preferem lavar as mãos como Pilatos e não participar, não interferir.

Digo mais. Com o apoio de tanta gente boa mas desiludida seria muito mais fácil transferir o poder para pessoas que não fossem apenas honestas mas que fossem aptas, digo bem informadas, inteligentes, capacitadas, hábeis, engajadas, etc Querendo ou não as nossas vidas são reguladas e atingidas penas decisões tomadas pelo poder político; e abstenção alguma muda isto. Querendo ou não as pessoas humildes, os trabalhadores, os assalariados, os jovens, as crianças, as mulheres e até os animais e o meio ambiente tem suas existências alteradas ou influenciadas, para melhor ou para pior, pela esfera da política institucional. Querendo ou não o que eles, os políticos profissionais, fazem repercute em nossas vidas sob a forma de qualidade ou de indignidade.

Diante desta realidade inegável fico perguntando-me se não seria melhor partir de princípios e valores saudáveis para escolher representantes leais, dedicados a justiça social, a promoção humana e ao bem comum??? Talvez eleger alguém com tais características seja fazer o mínimo ou alguma coisa. Digo eleger alguém que além de honesto, probo e impoluto seja também conhecedor da realidade social e aspire transforma-la, a partir de uma demanda ética. Agora na falta de semelhante pessoa porque ao invés de criticar e maldizer também não entramos nós na arena da política levando esta ética, estes princípios, estes valores???

Votar com consciência pode ser parte mínima e cada vez mais mínima, no entanto, mesmo assim, faz parte. Não alterará radicalmente as coisas, mas talvez ajude a impedir que elas piorem radical e aceleradamente. Talvez não possamos fazer todo bem que desejamos, mas sempre será possível conter algum mal.

Assim entre a abstenção e o idealismo romântico tomemos por critério um sóbrio realismo. Quem sabe fazendo pouco ou o mínimo seja melhor do que nada fazer ou que sonhar com futuros incertos e imaginários. Talvez abandonar esta forma precária e fragilizada de democracia e permitir que se degenere ao máximo venha a ser o caminho da mais abjeta servidão. Talvez sirva não a propósitos libertários mas a propósitos ainda mais totalitários, opressores, despóticos e tirânicos dos quantos se achem em operação no tempo presente. Afinal, ao fim da linha, que poderá saber quem ou o que substituíra o sistema que temos??? Quem poderá garantir-nos de que não sobrevirá algo ainda pior, mais sórdido e mais destrutivo???


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