quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Capitalismo - Posso questiona-lo?


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Quando indagamos se podemos questionar o capitalismo o que queremos saber é se podemos questiona-lo sem ser Comunistas?

Ao menos supostamente, é apanágio do pensamento livre e das instituições democráticas não apenas poder questionar qualquer coisa em foro íntimo como poder expressar tais questionamentos... aqui, chegamos a obviedade e ter de explicita-la já insinua a gravidade do problema.

Vivemos tempos em que o óbvio deve ser muito bem explicado e tempos assim não são dos melhores.

Há quem se julgue bom Ocidental - Civilizado, evoluído, 'moderno', vanguardista... E ignore pressuposto tão caracteristicamente liberal, tendo-o em conta de anarquista ou o que é ainda mais grave, de comunista!!! E no entanto estamos falando sobre um dos fundamentos da nossa civilização, o que basta para evidenciar quão frágeis são tais fundamentos...

Digo, o pressuposto ou o direito de duvidar de qualquer coisa.

Para muitos no entanto duvidar do Capitalismo ou seja de sua viabilidade, de sua dignidade, de sua perfectibilidade, ou de sua suposta eternidade sabe a heresia... O que nos remete ao conceito de Dogma. Para muitos a perfectibilidade do Capitalismo é crença que sabe a Dogma. E há que se ter fé nela para ser um bom cidadão ou homem de bem, ao menos em certos círculos. Do contrário serás um herético... quase nos termos da Idade Média. 

Há todo um misticismo chão em torno do sistema econômico vigente. O qual não condiz nem um pouco com nossos fundamentos liberais...

Após ter aluído o liberalismo político em diversas situações, o liberalismo econômico choca-se contra a mais fundamental de todas as expressões liberais - que é a liberdade de pensamento.

Para muitos pensar contra o Capitalismo ou questionar esta opção é algo intolerável, algo que deveria ser reprimido, punido, castigado... Como nos velhos tempos da inquisição genebrina... que o velho Mc Carthy tentou fazer reviver nos EUA do século XX, sem experimentar maiores dificuldades!

Claro que há quem, fiel a tradição liberal, reconheça aos contrários ou dissidentes, o direito, líquido e certo de duvidar de qualquer coisa, inclusive do Capitalismo. No entanto os que duvidam são sempre e necessariamente, Comunistas ou Bolcheviques.

Mesmo que semelhante dúvida parta do Dalai lama, do Papa Francisco ou de John Gray, eles ficarão sendo vermelhos... Aqui nos meios virtuais do Brasil José Bonifácio, D Pedro II e Getúlio Vargas já foram matriculados na KGB. Freud e - pasmem - Darwin foram os últimos a seres acusados de apoiar o 'Comunismo' e fila certamente conta com Platão, Sócrates, Buda, Confúcio, Jesus, Paulo, os Padres da Igreja, Aquino, Vitória, Morus, Campanella, etc Esperemos os cães de guarda do sistema tornarem-se mais atilados ou imbecis... Maritain, Mounier, Bloy, etc que se cuidem, pois o fanatismo liberal economicista não perdoa seus críticos... levantou dúvidas é comunista ou bolchevique.

Tal o sentido de nossa pergunta: Podemos questionar o Capitalismo ou ser céticos com relação a ele sem ser Comunistas?

Embora tudo nos indique que Sim, e de modo absolutamente claro, sonoro, translúcido e evidente, boa parte das respostas obtidas equivalerá a um sonoro Não. O que como já dissemos é alarmante. Venha donde venham as críticas, partam donde partam, procedam onde procedam, e embora inspiradas em valores diferenciados quais sejam o humanismo socrático, a fé búdica, a Ética católica ou considerações keynesianas em torno da economia pura, serão sempre classificadas como comunistas pelos desonestos.

Isto mesmo querido leitor. Para boa parte dos ocidentais resolvem a questão dualisticamente ou por meio de um dilema: Quem não é capitalista é Comunista e vice versa. E não enxergam qualquer outra possibilidade além destes dois sistemas hermeticamente fechados. É necessário conformar-se com um ou outro i é entrar na caixinha.

Terceira opção, via ou possibilidade é algo impossível, impensável, inconcebível... A este falso dilema acrescentam ainda - é claro - uma avaliação simplória, a que chamamos maniqueísmo: Capitalismo bom, Comunismo mau...

Eis julgada a questão e não se pode pensar doutro modo, fronteiras estão traçadas e limites postos! Quem discordar é comunista, logo mau...

Julgo que qualquer pessoa inteligente e ponderada seja capaz de concluir pela artificialidade, pela tacanhice e pela miséria deste quadro. 

Eis-nos diante de uma pintura distorcida da realidade formulada por pessoas francamente limítrofes senão desonestas. Mas há quem identifique-se com ele. Quiçá devido a sua pobreza absoluta... Nada mais fácil do que gritar como uma pega no cio: Comunistas, Comunistas... ao invés de pensar, discutir, pesar dos argumentos e dialogar como gente civilizada. Melhor rotular e permanecer eternamente girando em torno de um 'ad hominem'.

Caso você ofereça outros botões - digo outras opções ou horizontes mais amplos -  ao sujeito, os neurônios queimam... e o cérebro pifa.

A zona de conforto destas pessoas pede por uma concepção falaciosa e por uma avaliação maniqueísta. Fazer o que??? "Os homens desejam ser enganados, façamos sua vontade." reza o provérbio...

O que me espanta não é a existência deste tipo de visão. A existência da tolice ou da miséria intelectual é previsível. Digo mais: Semelhante tipo de visão é algo que até esperamos ver proliferar num espaço como o 'Belt bible'.

O que me espanta e atemoriza é ve-lo estender-se pelo mundo afora e contagiar outras tantas culturas, encontrando aderentes e repetidores.

Haja visto um número considerável de brasileiros que afetam ser patriotas e engolem esta xaropada americanista forjada pelos seguidores de João Calvino...

Curiosos estes brasileiros que melindravam-se do tal imperialismo russo ou soviético enquanto saudavam e saudam o imperialismo Monroe - o do destino manifesto.

A crítica é válida e aguda posto que originalmente o Capitalismo não pertence a nossa cultura. É elemento externo ou alienígena, tão alheio a nossa cultura quanto o Comunismo ou o Anarquismo. Mais, é elemento não de origem Latina ou Católica mas de origem Alglo saxã e protestante. Por mais que alguns 'católicos' ou melhor neo católicos, safados e vendidos, pretendam demonstrar o contrário, a crítica levantada por Max Weber permanece firme, forte e inabalável. É corroborada além do mais por uma hoste ou multidão de autores católicos de fidelidade indiscutível. Assim O Brien, Maritain, Fanfani... O que a Igreja criou ou produziu foi uma doutrina social destinada a combater este sistema pérfido e cujo sentido é obviamente, anti liberal.

Caso o liberalismo econômico ou a auto regulação interna do Mercado estivesse de acordo com o pensamento da Igreja não haveria qualquer necessidade de uma doutrina social inspirada numa ética religiosa e portanto externa ao Mercado. A Igreja romana e com ela todo o Cristianismo, tudo quanto seja Católica, a Ortodoxia Oriental, o Anglo Catolicismo... não compreendem que hajam necessidades humanas autônomas face ao que chamamos ética. Não reconhece de modo alguma a pretensão cientificista do positivismo, alardeando que também a ciência - outra ação ou produção humana - possuí limites igualmente ditados pela Ética. Como reconheceria as pretensões de um sistema economicista, cujo fim e o materialismo???

O protestantismo apenas poderia concordar com tais pretensões na medida em que postulou, como observa Maritain, uma salvação sem obras ou ética, desvinculada da imanência ou do mundo natural. O Catolicismo sempre vinculou a redenção a ação ou atuação dos fiéis no mundo natural, físico ou material; em suma ao comportamento, o que certamente engloba a produção da ciência e a administração da produção e distribuição de bens. Nada caí fora do primado da ética. Alegar que a Igreja ou a fé nada tem a ver com isto é distorcer a questão. Não é o Catolicismo uma fé teórica ou um sistema solifideísta, mas uma fé destinada a inspirar e regular as ações humanas e assim a ação econômica, que é humana. Portanto as pretensões do Catolicismo chegam ao Mercado sim e são pretensões reguladoras e limitadoras, alias de um vício que nossa tradição classificou como avareza!

Os padres da Igreja não deixaram a economia florescer livremente, nem os escolásticos, nem Francisco de Assis, nem S Antonio de Pádua, nem a tradição constante e imutável que vai de Morus e Campanella e Mably, Morelly, Meignam, Keteller, Mounier e Maritain, ou seja, ao Catolicismo social. E deste contesto surgiu um sistema dócil e colaboracionista que foi a reforma protestante, quiçá porque a Igreja antiga tivesse sido irredutível e se recusado a colaborar. Foi o protestantismo que batizou as primeiras aspirações economicistas com Calvino e seus sucessores e foi ele a instituição que mais colaborou - ao menos negativamente, por recuo ou omissão - para a afirmação da nova realidade, e isto a ponto de podermos descreve-lo como solidário. Ao contrário da igreja antiga ele não teve poder ou forças para resistir aos ímpetos do novo sistema. E disto surgiu um novo mundo ou uma nova sociedade, não apenas secularizada, mas materialista e economicista, embora teoricamente se apresentasse como Cristã. O que alias condiz com o éthos solifideísta do protestantismo.

Mas era quanto a prática ou quanto as obras Cristã esta Sociedade em que os homens não mais se reconheciam como irmãos? Uma Sociedade em que o amor fora substituído pelo sentido do lucro? Uma Comunidade em que a justiça fora sacrificada ao capital? Uma Sociedade onde o homem foi trocado dinheiro? Uma Sociedade em que irmãos converteram-se em rivais ou concorrentes??? Por mais exata ou correta que fosse esta fé, não vejo como semelhante sociedade pudesse fazer jus ao título de Cristã. O que temos aqui sequer é uma Sociedade pagã, mas uma Sociedade materialista, economicista, desumana, inumana e cruel. O cúmulo da degradação!

Agradeçam por isto o querido protestantismo a que incensam, não a igreja romana e menos ainda as antigas Igrejas Católicas, as quais reguladas pela tradição ancestral e se querem por uma tradição produzida numa cultura rural ou agrária, só podem pensar em termos de solidariedade, o que o capitalismo tem de menos característico. Segundo nossa tradição nem os pobres são vagabundos  - mas frequentemente oprimidos - nem a miséria diz respeito a caridade (mas a justiça cf Aquino) e nem é o exercício da caridade livre mas tão impositivo quanto o da justiça.

E se a fome e a morte resultam de uma má gestão ou de uma má distribuição dos bens produzidos é sobre o homem - que opera por meio da avareza ou da cobiça - que cai esta aberração monstruosa. De que haja fome e morte quando há suficiência de bens para todos. Corresponde isto, inclusive o esforço excessivo e a saúde precária do trabalhador, a um crime ou pecado horrendo e este pecado é pecado social. Praticamente todos somos co responsáveis na medida em que silenciamos ou cessamos de criticar. Caso não nos oponhamos a este regime de morte somos cúmplices. Pergunta o Cristo sobre as almas e corpos de nossos irmãos e não lhe podemos dizer: Que tenho eu a ver com meu irmão??? Porque batizados fomos inseridos num só corpo. Assim não convém quem um membro do corpo assista impassível a fome ou a enfermidade ser experimentada pelo outro. Ser membro de um só corpo implica sentir a dor do outro ou ser solidário.

O neo Católico prostituído no entanto observa os membros de Jesus Cristo, expoliados pela avareza e lançados a sarjeta, como vagabundos, e aparta-se deles, recusando-se a estender-lhes a mão. E caso o denunciemos esse ímpio ousará replicar gritando - Comunista! Se ser Comunista é servir aos pobres, censurar a avareza e indagar sobre as fontes da miséria humana, então é o Comunismo filho do Evangelho e perfeitamente evangélico! O que não é nem um pouco evangélica é a cobiça e a dureza de coração dos neo Católicos protestantizados. Afinal é dever do Católico Ortodoxo - e de quantos se consideram Católicos - considerarem sempre suas posições com relação ao próximo, que é seu irmão, buscando dignifica-los e resgata-los da miséria.

Assim o Católico é levado a promover o irmão ou a investir no homem e não no Mercado. Pois sua poupança ou bolsa de valores esta nos céus, no Reino de Jesus Cristo. Pois seu coração e seu tesouro estão no mundo invisível ou no paraíso. Porque suas economias consistem em servir. Em alimentar, vestir, medicar, visitar, confortar, etc Tal seu ofício e sua vocação. Tal a verdadeira religião, que consiste em socorrer os órfãos e as viúvas em suas necessidades. Se o Católico não trás este sentido quão miserável ele é...

Portanto não é só a experiência da realidade que nos convida a duvidar do sistema estabelecido mas a fé de nossos ancestrais, a qual plasmou nossa cultura, socialista para mim, se quiserem ou fizerem questão - Solidarista, corporativista, humanista, trabalhista, personalista, social, pouco se me dá. Podeis definir a nossa cultura ancestral como quiserdes menos como Capitalista ou liberal economicista e desafio qualquer Católico desonesto ou de má fé a demonstrar-nos a existência de Capitalismo na Antiguidade Cristã, na Alta e mesmo na Baixa Idade Média. Provem ou demonstrem que o Capitalismo afirmou-se em qualquer sociedade Católica antes do advento da Reforma protestante. Estou aguardando há duas décadas por esta demonstração. Do contrário continuarei repetindo com Weber - o liberalismo economicista ou capitalismo é filho ou irmão do protestantismo, nada trazendo em si de legitimamente Católico.

Mas para que levar o tema até ai???

Para demonstrar cabalmente que os defensores do modelo capitalismo estão na contra mão de nossa cultura ancestral - Católica, latina, lusitana e brasileira. Tanto pior caso adicionassem as fontes indígenas e africana. Nenhuma delas sabe a Capitalismo. Destarte temos de avaliar este sistema tão seguro se si, como algo tão estrangeiro e imperialista quanto o Comunismo e o Anarquismo. Ao criticar os Comunistas e ao berrar contra eles o capitalista brasileiro assemelha-se a alguém que busca tirar cisco da vista alheia, tendo um poste na sua. Nossas formas de opressão e dominação, sempre questionadas pela igreja - embora não com a devida intensidade - eram abertas. As formas de dominação capitalistas são ainda mais nocivas e perniciosas porquanto dissimuladas. Afirma-se que há chances ou igualdade de oportunidades a todos quando não há. E o resultado desta crença é a conformidade.

Claro que nosso passado não foi santo, perfeito ou paradisíaco, mas bem poderíamos ter tomado uma outra rota, no sentido do Evangelho ou da Ética proposta por ele. Lamentavelmente o rumo que nos foi imposto de fora para dentro foi bem outro... fortalecendo as cadeias da opressão e multiplicando os males. Certamente não temos mais escravos africanos. Mas temos multidões de descendentes seus 'exilados' num mundo a parte ou numa realidade paralela chamada favela. Quanto aos índios, quem ignorara o estado de penúria e indignidade em que vivem??? E não chegamos as multidões de trabalhadores urbanos assalariados cujos direitos se veem ameaçados dia após dia pelas necessidades econômicas ditadas pelo mercado. O quanto vejo é um povo ameaçado pela servidão e pela mais dura das servidões, ainda que disfarçada.

Diante disto o Socrático se pergunta - Posso criticar o Capitalismo??? E assim o Platônico, o Aristotélico, o Budista, o Confuciano e sobretudo o Cristão, o Cristão Católico e Ortodoxo... e só pode responder de um modo:

Não posso, DEVO. E se não colocar este sistema em dúvida como poderia afirmar-se como Católico.

Termino este breve ensaio concluindo que há mais motivos para questionar o sistema Capitalismo do que supõem o Comunismo.




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