É necessária uma explicação para o texto que se segue, ou parecerá ao leitor desavisado sem sentido ou contexto. O texto abaixo é trecho do Livro Alfa - Um Princípio (título provisório) escrito no ano de 1998 por este amador que lhes escreve. O livro não foi publicado, mas se um dia concluir uma revisão adequada talvez possa lhe dar vida ao publicá-lo. A sinopse do livro, sendo excessivamente sucinto, trata da história de um príncipe de um povo lendário, Chamado Alfa, e que se vê arrancadado de seu lar por um povo hostil. O que se segue é a batalha deste por toda a Grécia para reaver seu trono. A história se complica quando este descobre que os acontecimentos em seu reino estão relacionados com uma guerra nos céus que alterou a ordem do mundo. E o que era uma batalha comum por vingança se torna uma busca heróica pela ordem do mundo.
Resolvi publicar aqui este trecho por seu teor filosófico. Nesta parte o príncipe Alfa esta peregrinando em busca de respostas e encontra vários gurus exilados do mundo, cada qual com sua verdade de hermitão. Abaixo segue o diálogo do príncipe com um e tirano que perdeu a fé na civilização.
Peregrinou durante todo um dia em completa solidão, até encontrar no caminho um velho senhor que o carisma já o convidara a sentar e partilhar a presença antes mesmo de expressa-lo. Alfa encontrando neste homem conhecimento incomum, quis ouvi-lo e sentiu-se sorteado por tantos homens diferentes em pequena viagem. O velho falou-lhe nestes modos:
—Detenha-se por hora, recoste-se em pedra ou arbusto e ouve a minha história que poderá servir-te quando de sua velhice ao menos, assim como serviria a todos os homens sábios. Vê toda esta terra por onde se estende hoje a polis e seus arredores até onde podemos enxergar?
—É uma região maravilhosa, de relevo privilegiado e fértil. Respondeu Alfa.
—Estas terras e muitas outras – continuou o ancião com ar solene – pertencem aos meus antepassados, que aqui chegaram trazendo civilização quando os homens promoviam guerras de sangue por motivos quaisquer e suas moradas estendiam-se dispersas por estas planícies sem sentimento de Estado, sem motivo para que crescesse entre eles a diretriz de uma civilização. Meus antepassados cederam terras a estes homens em nome da civilização, da hospitalidade. Da polis atual quase dois terços eu herdei e não houve luxo que não tenha eu desfrutado.
—As nossas vidas assemelham-se neste ponto. Fecundidade e escassez.
—Os homens que chegavam nestas terras fixavam-se onde considerassem melhor para viver. As ásperas montanhas de pedras calcárias ocupando quase todo o território, restringiram naturalmente a ocupação dos territórios, aproximando os homens. Os genos eram minúsculas comunidades naturais, onde se reuniam um número pequeno de famílias. Com o tempo, as famílias obrigatoriamente foram criando laços, resultando em antepassados comuns para prestarem culto a um só sangue. Logo os genos tornavam-se comunidades de sangue comum. As pequenas aldeias cresceram e conquistaram inimigos para os quais tiveram necessidade de criar um sistema de defesa.
—São as Acrópoles.
—Justamente. Nos locais mais elevados construíam a Acrópole e ao redor muralhas para dificultar as investidas inimigas. As atividades agrícolas foram substituídas por outras atividades econômicas, que atraíram elementos estrangeiros, unindo os homens ainda mais. As várias atividades propiciaram o surgimento de classes distintas. As lutas políticas sucediam-se. A solução foi criar leis para regulamentar as atividades sociais e econômicas. Os meus antepassados formaram a aristocracia regente; na crise desta, surgiu a tirania. O tirano, senhores das cidades, protetores da justiça e religião, arrastou consigo as artes diversas para uma explosão intelectual. O sangue dos meus antepassados tem raiz desde o princípio desta civilização.
—Mas por que vieste para a montanha —coloca em questão Alfa —afim de isolar-se, se o destino reservou-te vida afável e segura?
—Eu lhe asseguro estrangeiro a existência escura de um pacto. Há um pacto obscuro entre a alma e a sociedade. “Quanta dor há em você! Quanto sofrimento corrompe a sua alma! O seu corpo poderá suportar este vazio que há dentro de você ou não faltará muito para que desabe como um saco de carne, repleto de tripas, sem a sustentação dos ossos?” Disse-me a angústia...
—Continue, começo a entender!
—A angústia conduziu-me ao encontro do ser. Dissolvido no cotidiano, de repente, senti-me estranho a minha condição. Eu não tinha vivido, mas existido até aquele momento. Eu percebi que o homem pode transcender, atribuindo um sentido ao ser, vestindo-lhe de bem e mal. “O seu corpo não consegue sacudir os alicerces? Quanta dor, quanto sofrimento!” O cotidiano, aliena o homem de sua inclinação original: a ontologia. As preocupações cotidianas, o sacrifício pelo opressivo “eles” desviaram-me de minha própria vida. Os homens vivem na sociedade atual sugando uns aos outros prostituindo a si mesmo. Acordei e percebi que os objetos que possuía afastavam-me cada vês mais de mim. Os objetos que eu adquiria me possuíam. “Eu sou capaz de aliviar sua dor. Eliminar o seu sofrimento. Eu ofereço um pacto. No início haverá um desconforto, muito do que você é hoje, deixará de existir. Haverá um momento que a sensação de liberdade dará lugar a uma sensação de mecanicidade. Em pouco tempo a segurança nascerá. Este é o meu preço, posso aliviar a sua dor em troca de sua liberdade ou viva livre com sua angústia. Vague livre por todas as partes ou aceite minha oferta na comunidade, diz a sociedade”. Os homens ofertam a sua liberdade, em troca de segurança contra o meio, mas em especial de si, de sua fúria de movimento. A existencialidade expressa nos atos de apropriação das coisas do mundo, o prazer de possuir. Só a angústia desperta o ser humano e percebe que existe na frente de si mesmo, que se constrói no ato. A sua existência precede a essência. O ser humano é único capaz de agarrar sua vida e tornar-se o que desejar. O pacto do qual a minha alma foi adágio não o selei, mas os meus pais o fizeram. Não assinei de próprio punho este contrato, por isso, sem remorso liberto-me. A igualdade, o pecado e a vida no além segundo a dieta de conduta reta, tudo isto vi externo ao homem. O verdadeiro projeto do homem é de se construir. O homem é uma obra de arte.
—O que quer dizer com o homem é obra de arte, mais claramente.
—Pensemos na arte. Na criação artística, quando de sua realização existem dois momentos distintos, também possíveis de chama-los fases: a criação e a obra. A primeira quando de sua composição caracteriza-se por uma íntima ligação com o criador que se expressa através desta mesma, carregando-a de signos e experiências íntimas. Nesta fase podemos observar a necessidade do criador realizada somente ali quando do ato da composição. Terminada a obra de arte desvincula-se da paridade criador-criatura assumindo corpo próprio.
—A criatura terá sempre as marcas de seu criador.
—Não. O criador permanece apenas como um nome. Inserida no tempo histórico a obra passa a desdobrar-se assumindo valores, sendo interpretada de forma às vezes até adversas da intencionalidade criadora. A meu ver o artista é o homem, que tem seu projeto na criação, expressa sem a obrigação e o laço de absolutizar sua obra. E a obra de arte é o produto deste homem liberto, a sua vida. O projeto do homem é criar além do bem e do mal, e só os homens fortes criam com pleno prazer.
—Sinto uma certa dificuldade no que tange a obra de arte e a criação.
—Um exemplo. Tomemos este desenho — traceja com o indicador um círculo no chão e marca-lhe o centro, o melhor que pode. — Interprete a representação.
—Bem, o ponto como interpreto, representa o homem e o círculo, o mundo que o cerca. O conjunto seria portanto, o homem fechado em si, só, como indivíduo, mas passível de compreender o universo que o cerca por si.
—Eu pensei simplesmente em uma roda de carroça. Escute atentamente. O momento que realizava o tracejado no chão, evidentemente propus-me a representar algo, este é o momento que chamei de criação. Construção e introdução de signos. Ao terminar o desenho, entendendo que o comparo aqui ao produto final de toda criação, este passa a ser interpretado de forma diversa, conforme o tempo e o entendimento, bem como experiência do observador. O homem está em relação dual com o papel de artista e interprete. Interprete, perante um mundo no qual existe aquém de sua vontade, e na qual fora inserido tendo como forma única de existir somente pela constante escolha...
—...que não se furta mesmo na omissão, visto que escolhe não escolher. O ponto de construção é sua livre escolha, não há sinais no céu ou no manto dos deuses. É criador na medida que a sua atividade material e mesmo intelectual, sempre que revelada ao outro, será fruto de interpretação, muitas vezes contrária a sua intenção primeira.
Espero que os leitores não tenham ficado com a cara do coringa...
Fim do trecho
Espero que os leitores não tenham ficado com a cara do coringa...
Acrópole - De acron = cimo, e polis = cidade. As aldeias gregas, por volta de 800 a.c. cresciam, conquistando inimigos. No local mais elevado, os homens criaram seu sistema de defesa, estas eram as acrópoles.
Polis - Assim eram chamadas as cidades-estados gregas.
Genos - Comunidades naturais, de proporções minúsculas,anterior a polis propriamente dita. A sua população era constituída de todos aqueles pertencentes a um mesmo sangue ou as vezes raça, etnia. O tempo, faria a comunidade crescer e reunir-se cada vez com mais intensidade nestes núcleos comunitários, em busca de proteção. No início, o ponto mais alto era fortificado para que em caso de guerras, os cidadãos pudessem buscar ali proteção. Esta é a origem da Acrópole, cidade alta. Na medida que a população crescia os muros tomavam maior extensão de terra e leis tiveram que ser elaboradas para regular as relações das classes emergentes.
2 comentários:
Não sei quem aqui é o tal de Ravick, mas se você (ou ele) gostou da tal 'guria' lá, pode levar. Eu tenho bom gosto pra mulheres.
É interessante trabalhar com a Grécia, você fez um ótimo trabalho Chris.
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