sábado, 18 de fevereiro de 2023

O Bilac redivivo


Nosso capitolino Zeus tonante,
belo, excelente e nobre.
Querem por terra, deitar sonante

Qual fosse pobre!

Querem por terra, a estátua deitar
e num gesto banal,
o porte de Atenea esculhambar
em torpe bacanal.


Pois amam o quanto é ordinário
e fere a vista.
Querendo profanar o relicário,
do fino artista.


Desprezam o consumado escrever,
pois não teem valor.
Não enxergam ou não querem ver,
sentido no lavor.


Marmórea arte não querem cultivar,
tampouco a pedra ferem.
O raro não sabem estimar
e o comum preferem.

Rabiscam apenas o que podem,
em um caderno.
E ler o quanto lhes acode,
é o inferno.


E tão feios borrões de tinta,
triste visagem.
Sequer produz ou pinta,

qualquer imagem.


Sequer a frase embeleza
ou a ideia reveste.
É crime de majestade lesa,
nefanda peste!

Desfaz, enfeia e tudo desarruma,
numa composição,
Jamais melhora, apruma,
a tal da redação!


Cristalina prosódia já não há,
me dói até o peito!
A rima eles chamam de má,
não há mais jeito!

É como se um hálito mortal,
sujo, perverso...
Aos poucos corroesse o tal
do verso!

Quiçá calados não saibam contemplar,
o que há mais dentro...
E dispersos não possam avistar,
o próprio centro!


Talvez lhes seja a benção do silêncio,
molesta e perturbadora.
Sinal de um colossal vazio intenso,
e vida aterradora!

Escrever com marcada excelência...
Mulher ou homem!
Afetados por essa decadência,
já não podem!

Tal ofício não mais prezam...
Homem ou mulher!
Antes com rancor o menosprezam,
ninguém mais o quer!


Perdeu-se oh Deus da forma,
belo atavio...
E das musas a suprema norma,
não resta um fio!

Ao crestar do calor tombou a pena,
airosa e altiva!
A falta de brisa gentil e amena,
não mais é viva!

Mulher divina que pereceu tão cedo,
nesse atoleiro vil...
Tua falta me faz tremer de medo,
pelo Brasil!

Cujo o estro ecoando entre povos mil,
flor das nações
Estro formoso e sutil,
foi de um Camões!


A chusma porém envolve o mundo,
da criativa arte.
E já não resta face ao turbilhão imundo,
poupada ínfima parte!


Contra os céus erguem as mãos e gritam,

os conjurados...
Bárbaros que o idioma estripam,
rebelados!

Vociferando vão e assomam,
impetuoso bando.
Torpe multidão a que se somam,
Vermes babando...


Vermes babando sujidades,
castigo atroz!
E quem terá nessas cidades,
Pena de nós...


Fita-os com a vista radiante,
meiga donzela!
E fulmina-os com teu raio brilhante -
Que és pura e bela!


Sobre esta que se aproxima,
rude e loquaz!
Esmaga e enfim passa por cima,
Solene e audaz!


Este que vem sobressaltando, 

nos calcanhares!
E que te vai insultando,
sem alamares.


Esse que o porrete rijo ergue,
com mão brutal!

E que com sanha te persegue...
Vírus letal...


Superna dea, não te atingirá,

o golpe duro!

Deles não te maculará

Semblante escuro.


Impassível a tudo, assistirás,

deusa invencível!
Excelsa forma subsistirás,
imperecível!


Sobre o assento teu inabálavel,
verás a horda recuar.
E atemorizada é bem provável,

Cerviz curvar!


Todavia se por um triste fado,
vieres a cair.
Possa tombar eu a teu lado,

e sucumbir!


Não vejam mais os olhos meus,
a grata luz!
Deste mundo retire-me o Deus

que nos conduz.


O escrínio teu, ver por terra,
derribado.
Tudo quanto um bem maior encerra,
profanado!


Teus marmóreos altares,
já partidos.
Sob estes meus fundos olhares,
consumidos!


Teus sublimes mistérios,

sem sentido.
Convertidos em sacramentos, ermitérios,
do olvido!


Paradisíaco jardim, ressecado, 
sem frescor!
Teu mimoso semblante afetado,
e sem vigor!


Este solo fecundo,
já crestado.
O universo e todo mundo,
Esfacelado!


O Partenon em ruínas,
desfigurado!
Por sombras peregrinas,
assombrado!


Efesino templo outra vez,
incendiado...
O Panteão talvez,
vilipendiado.


Da cruz, o sagrado emblema,
junto ao chão.
Da academia, o eterno lema,

já na contramão!


Extinto o régio sacerdócio,
a crença extinta.
E convertido o lodo do comércio,
nessa tinta!


Do Lácio o mais nobre rebento,
descomposto!
Sobre o frio e o relento,
aqui exposto!


De Bilac idioma tão caro,
descuidado!
De Abreu estro tão raro,
mal falado!


Não me rendo porém, jamais,
me renderei!
Inda que lute demais,
não cederei!


Contigo mulher eu cairei,
entre as fileiras tuas!
E os olhos fecharei,
óh letras fátuas!


Ostente minha pobre lousa,

essa inscrição:
Sob esta campa repousa,
um coração,


que soube amar a bela lingua,
de seus pais.
E em tempos de mingua,
os principais,


testemunhos literários da nossa
Tradição.
Lançados por eles numa fossa,

A traição...


Tal seja o epitáfio meu,
fui um guerreiro!
Entre os anti modernistas eu,

fui o primeiro!

DOMINGOS PARDAL BRAZ 


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