domingo, 22 de novembro de 2009

MAIS UMA GOTA NO OCEANO...


Boa Noite ao Leitores do Diário de um Bobo da Corte! Estou de volta! espero que não tenha pensado: Nossa, já??
Segue um texto escrito em 2004. Seu tema: Uma análise de Tempos Modernos, do audacioso Chaplin. Caso tenha pensado: Ixi, mais uma interpretação deste filme! Saiba que sim, pois se boas mensagens fosse fáceis de se disseminar, as pessoas saberiam mais frases célebres do que trechos de funk. Por isso sigo martelando...
TEMPOS MODERNOS


O filme Tempos Modernos de Chaplin, possue força sobrecomum no gênero. A possibilidade de significados para os signos utilizados para retratar a crise de 1936 , período entre guerras, se prolonga quase a exaustão; e é com esta força criativa e expressiva que o mesmo atravessa o "salão da casa do tempo", sem se deter, para fixar-se na constelação dos Clássicos.


Clássico é considerado todo produto da atividade artística que por si só estabelece-se como paradigma de seu tempo e para além deste plano se mostra atemporal, sempre atual e necessário. A grandiosidade começa desde a produção do filme, que trás como diretor e no papel de protagonista o insuperável Chaplin, que não satisfeito compunha as músicas de seus Filmes, como Smile (1) (2), que comprovam também a aptidão do mesmo para esta arte.


Obrigado a inserir sons no Filme, Chaplin que considerava o som no cinema como a massificação do mesmo, acaba distorcendo todos os sons existentes, excetuando sua primeira fala no cinema. A distorção além de protesto, contribui de forma notável para contextualizar sua obra, os sons de compreensão confusa são também uma forma perfeita e inovadora de afirmar que a comunicação e por conseqüência a própria razão naquele momento eram na verdade incompreensíveis, ou seja irracionais e não comunicativa, a coroação da razão instrumental.


Nos primeiros instantes surge a cena de um bando de animais, que é sobreposta pela dos operários saindo da fábrica. Esta montagem se mostra rica quando pensamos não somente no imediato, ou seja, que ali se vê a comparação do proletariado, do povo a condição de animais em bando, mas se lembramos que a primeira cena exibida no cinema foi também a da multidão , podemos pensar numa crítica mais ácida, que não se mostra impossível para o brilhantismo de Chaplin.


Ao sobrepor a manada com a cena da multidão é resgatado e criticado o próprio intuito com o qual o cinema principiou. Chaplin estaria a dizer de forma intertextual ao cinema , "olhe o cinema prometeu ser um espelho de seus anseios, mas o que a "indústria cultural, a indústria de massa" vêm desde então fazendo através dele com você é massifica-lo, torna-lo  uma regra, um animal, desrespeitando sua dimensão humano, a favor de uma situação "maquinal".
Outro aspecto interessante refere-se aos três ambientes onde a história se desenrola: A rua, lugar de manifestação, a cadeia, para onde o Estado mandava todo que representasse abertamente perigo a forma imposta e por último A fábrica, espaço de alienação e exploração, esgotam por completo a crítica a sociedade e os problemas da época. Chaplin assim enreda todas as possibilidades possível e relevantes, conseguindo tratar das três classes da época, e seu comportamento: à saber, o Estado e os poderosos, os militares e o proletário.


Momentos antológicos também não faltam. O protagonista na linha de produção apertando parafusos, não consegue nem mesmo no descanso, ou como será  mostrado mais a frente, nem mesmo fora da fábrica, abandonar os movimentos repetitivos, que demostram-se não só um desrespeito a criatividade humana, mas também algo que é capaz de arruiná-la. O homem nesta condição perde sua própria dimensão humana, sua liberdade, e sua forma de lidar com o mundo, com sua vida em sociedade, suas escolhas passam a ser determinadas pela sua forma de produzir, em uníssono com a noção marxista do processo de trabalho (1) (2).


A imagem do homem destruído pelo Sistema chega ao absurdo quando aparece a máquina de automatização de alimentação. Neste ponto a alimentação que é não só uma atividade fisiológica, mas de sociabilidade, entendendo-se aqui almoçar com os amigos e família,  deve ser automatizada para fins de produtividade. Não basta mais o homem chegar a empresa e trabalhar maquinalmente, para o sucesso da máquina, o ser deve se tornar máquina, e a máquina deve se tornar sua forma de pensar, de agir, de se alimentar.


Ocorrido mais alguns eventos novamente a imagem construída por Chaplin, se enche de significado. O protagonista que é engolido pela máquina da linha de produção, é também representado no Judas, o obscuro, de Thomas Hard,  o homem diante do nietzschiano  dragão de milhares de escamas, onde se vê escrito "tú deves", contextualizado para a época como máquina, mas universalmente inserido na problemática humana. Uma alusão ao processo de reificação do homem, a redução do ser diante da linha de produção a condição de coisa, também de engrenagem para os fins do processo.


Se não fosse a sutileza de Chaplin, a incapacidade do protagonista em lhe dar com as personagens femininas, fariam saltar lágrimas aos olhos. A mulher, representando a dimensão social, a afetividade, o mundo dos sentimentos reforçam a incapacidade do homem-máquina da época em lhe dar com sua própria natureza. A anulação de si mesmo que o processo causou, esta mesma anulação que torna tal sistema sustentável apesar de seu absurdo.


Por fim preso ao ser confundido como líder de uma manifestação, o protagonista se vê desrespeitado e tratado como nada ao ser regurgitado pela máquina. Mais a frente, o contra-senso, a mais triste realidade. Tratado como máquina, sugado pela fábrica e enfim descartado, o ser não encontra perspectiva possível, senão voltar ao seu lugar na linha de produção, ou em qualquer outro canto do mesmo Sistema que o descartou e tornou doente. A sua lógica é a da fábrica e do trabalho e para eles voltará, não é uma vida agradável em absoluto, mas já não pode enxergar para além do que viveu. O Sistema quer a miséria do maior número de indivíduos possíveis, pois a miséria é quem gera a ignorância e oprime. A ignorância é quem cega e a opressão, quem cala.


Seriam ainda inúmeras as imagens e as abordagens possíveis, tantas que perdem o propósito para um texto breve. Em fim Chaplin deixa-nos contudo uma visão de esperança. A cena final, onde o protagonista caminha de mãos dadas com a orfã, deixa em nossas mentes a possibilidade, a impressão de que em algum ponto do caminho, que percorrem em direção ao sol, serão felizes. Uma mensagem de esperança para seu tempo e o nosso.


Escrito originalmente em:12/05/2004. O texto não foi devidamente revisado.

3 comentários:

Anfilóquio de Fayum disse...

Caro Chris, poucas vezes vi uma pessoa escrever tão bem como você escreve: num estilo elegante sem ser pedante, didático sem apelação.

Sua análise de Tempos Modernos é muito rica, e você conseguiu transmitir a mensagem em poucas linhas, e enriqueceu seu texto com links pra lá de interessantes.

Olha não tenho nem palavras para agradecer nem para elogiar o seu texto ou melhor sua aula. Show. amanhã pretendo consultar e ler os links que você deixou como referências.

CH disse...

Fernando e demais colaboradores do blog, estou repassando um selo de reconhecimento para o blog de vocês.

http://leitecommangafazmal.blogspot.com/2009/11/selo-de-reconhecimento-blog-instigante.html

Abraços e parabéns!

Ravick disse...

Faço minhas as palavras do Fernando, e em dobro quanto ao sistema de referências em links.

Fico cá me perguntando que diria Chaplin dos empregos "intelectualizados" do hoje...