sábado, 28 de janeiro de 2023

O acúmulo ilimitado de bens e a ilimitação econômica sob a ótica da Filosofia greco romana.




Faz parte das manobras da modernidade e do discurso americanista, urdido pelos pastores, classificar todos os opositores do capitalismo ou do liberalismo econômico clássico como comunistas, marxistas, bolchevistas, etc Falso dilema que ainda faz bastante sucesso entre as massas desorientadas produzidas pelo próprio capitalismo. 


No Brasil por sinal, o surto psicótico americanista, alimentado pelo sectarismo bíblico ou protestante, tem resultado em posturas para lá de bizarras - Posto que temos visto inúmeros personagens de nossa história e arquitetos de nossa cultura (Cristãos apostólicos inclusive!) apontados como comunistas ou marxistas mesmo quanto tenham vivido antes do nascimento de Marx ou ignorado supinamente o teor de suas obras... Tais os delírios a que temos assistido nos últimos anos. Indício seguro de que tudo sempre pode piorar... E de fato piora.

José Bonifácio de Andrada e Silva, patriarca de nossa independência; D Pedro II, monarca bragantino; Getúlio Dorneles Vargas, um dos maiores adversários da ideologia comunista; Goulart, Santiago Dantas, Jânio Quadros, Leonel Brizola, D Helder Câmara, dentre outros... foram ultimamente matriculados, pelos zumbis americanistas, como comunistas ou bolchevistas... pelo simples fato de que em maior ou menor grau cada um deles afastou-se do modelo capitalista, da mercadolatria ou do economicismo crasso, orientando a economia noutros sentidos possíveis. 

Nenhum deles no entanto combateu a legítima posse da propriedade pessoal ou mesmo a posse privada dos meios de produção... Eliminando tampouco a liberdade econômica em sua totalidade. De modo que nenhum deles foi Comunista ou aplicou soluções marxistas no contexto brasileiro - Embora seja exato que tenham dirigido e portanto limitado politicamente a economia, nos termos já enunciados por Leão XIII, papa romano, na Rerum Novarum - A situações de tal gravidade, no que tange a condição dos trabalhadores, que é não apenas lícito mas necessário que interfira o poder político... (Citação de memória!). 

Não aniquilaram ou exterminaram a liberdade do Mercado como preceituam os bolcheviques, porém inspirados por ideais tomados a Tradição Cristão ou ao Evangelho - E tenhamos sempre em mente o franciscanismo! - estabeleceram justos limites tendo em vista reduzir ou reprimir a proliferação da miséria. O que repito é ideal precipuamente Cristão ou antes humano e humanista, não marxista. 

Alias se há no comunismo algo de superior em comparação com o capitalismo ou com o liberalismo crasso é a sensibilidade para perceber que algo está errado face a tanta miséria ou face a tão grande desigualdade. Tem o marxismo pelo menos um ponto a seu favor, reconheceram diversos sacerdotes papistas - Anteriores ao Vaticano II com efeito: O fato de destoar do materialismo assumido e deitar um olhar crítico, logo ideal e idealista, sobre a realidade. Pois para os liberais economicistas é a miséria algo absolutamente comum... Para os positivistas nos devemos conformar com a realidade dada - O viés conservador é explícito - e abdicar de transforma-la ou de torna-la melhor.

Em que pesem seus defeitos, como a abominável Ditadura do Proletariado, o comunismo tem consciência de que algo não vai bem ou de que algo está errado numa sociedade em que alguns não tem pão ou leite para dar aos pequenos enquanto outros tomam banho de champanhe ou comem bife temperado com ouro em pó... O comunismo percebe o drama da miséria ou da pobreza e quiçá comove-se sinceramente. O capitalismo é absolutamente insensível face a tais situações de sofrimento até a crueldade e a indignidade humana não lhe diz absolutamente nada...

De fato essa inconformidade face a realidade dada, essa revolta, essa indignação produzida por um tipo ideal é comum ao autêntico Cristianismo, filho do Evangelho; e ao comunismo. É um vínculo que nos une e um laço que nos liga: A compaixão, associada a vontade de ajudar, de melhorar, de beneficiar, de mudar, de fazer algo enfim... Podemos até desfrutar do melhor sistema já elaborado - No entanto é esse 'melhor' demasiado miserável, insuficiente e deficitário; e sempre podemos avançar e melhorar mais a partir do que temos! Naturalmente que a partir dessa vontade magnânima, que consistem em mudar para melhorar as condições de parte da sociedade, podem resultar, como resultam, diversas situações de conflito provocadas por aqueles que temem a mudança de uma realidade que os beneficia... Aqui porém a responsabilidade é deles - Dos egoístas e acomodados, que pensam apenas em si mesmos.

Ora o Cristianismo nos ordena cuidar do outro, beneficia-lo ao máximo, resgatar a dignidade alheia e minorar o sofrimento humano - Por isso nossos ancestrais e avoengos sempre tiveram diante dos olhos, como autêntico fim da vida política o "Bem comum", pois tal é o sentido da palavra "República". Não foi de Marx, Engels ou Lênine que partiram eles mas do Evangelho, da tradição patrística e mais remotamente - Como patenteia a Teologia escolástica do Aquino. - de Aristóteles, o lógico, o peripato e 'Mestre consumado de todos aqueles que sabem algo.'

E no entanto há quem, diante da economia dinâmica vivenciada pela Hélade, ouse divisar nela o liberalismo econômico clássico ou algo semelhante ao capitalismo atual. 

Em que pese aquela espécie de Loas, registrada na Política de Aristóteles, o Theorikon de Péricles, os deveres do Corego, etc há quem nos deseje apresentar Atenas como uma plena economia de mercado. Eu no entanto, diante de tais leis e de outras tantas compendiadas pelo macedônio Craterus, o máximo que posso distinguir ai é um estado de Bem estar ou Welfare State, como as atuais repúblicas do Norte da Europa, cujo modelo é absolutamente diverso do modelo Norte americano, o mais próximo dos ideais postos pelo liberalismo clássico ou pelo neo liberalismo. 

Penso estarmos de acordo - Podemos não estar! - que o principal representante do pensamento Filosófico grego foi Sócrates de Atenas, filho de Sofronisco e Fenarete. 

Em diversos aspectos seguidor de Aristóteles e Antístenes ou Diógenes, devo confessar a primazia de Sócrates. 

Conhecida a apreciação de Rousseau, o qual situava o pensador ateniense imediatamente abaixo de Jesus Cristo, com o qual tantos pontos teve em comum - Assim com Buda e Confúcio, outros dois grandes mestres que viveram mais ou menos ao mesmo tempo que ele. 

Admiro Sócrates antes de tudo por ter enfrentado serenamente a morte para não abdicar de seus pontos de vista.

Poderia ter deixado a pólis que o viu nascer e ido viver com sua esposa e filhos noutras paragens - Não o admitiu...

Anaxágoras, Protágoras e Aristóteles, dentre outros, acharam por bem fugir... O que lhes era defeso e sequer merece reproche... 

Sócrates, como disse, recusou-se a fugir - E aceitou morrer em nome dos princípios e valores que acreditava serem seus. Não foi apenas um mártir da liberdade de pensamento - Foi convicto e acima de tudo corajoso.

Quiçá pudesse subverter a Atenas de seu tempo - Tal sua fama. - e tomar o poder... Como Jesus Cristo porém...

Além disso, ao contrário do que dizem, foi ele, Sócrates, o maior benfeitor da Democracia, por denunciar o mecanismo equivocado do sorteio indiscriminado ou incondicional e insistir na formação.  Caso Sócrates tivesse sido ouvido e suas críticas tivessem sido acatadas quiçá a democracia ateniense tivesse durado mais de mil anos...  Foi aquele olhar acurado e atento que pela primeira vez distinguiu o populismo ou a OCLOCRACIA (Degeneração política voltada para as baixas aspirações e vícios das massas!) - Mais tarde descrita por Aristóteles e Políbio! - e buscou advertir seus pares, em vão!

Platão (E Critias é claro e Alcebíades.) sobretudo, foi que entendeu suas críticas equivocadamente, e por rancor, opôs-se a qualquer tentativa democrática. Platão sempre alterando o pensamento de seu mestre... E que seria de nós sem um Xenofonte ou um Esquines...

Por fim foi Sócrates quem retirou a Filosofia das quatro paredes em que fora contida por seus predecessores - Em especial Pitágoras e seus pupilos, para os quais era uma espécie de Maçonaria. - para leva-la as praças, ao grande público ou ao homem comum! Sendo consequentemente apresentado por Melito como corruptor da juventude, pelo simples fato de levar o pensamento crítico ao jovem do povo. Pois o mesmo pensamento era já levado, a peso de ouro, pelos sofistas aos jovens eupátridas...

Alias palmas a Sócrates por ter criticado igualmente o tráfico da erística, copiosa fonte de renda para os sofistas de então. De fato nem todos os sofistas tinham o mesmo comprometimento com a educação e a democracia que um Protágoras. 

Agora o que pensava Sócrates sobre o acúmulo ilimitado de riquezas ou a avareza, i é sobre o espírito do que chamamos capitalismo...

Começarei citando o Alcebíades:

"Sócrates: Quem cuida de sua fazenda, não cuida de si mesmo ou de suas coisas, senão que muito está afastado delas.
Alcebíades: Assim o é.
Sócrates: O homem de negócios, portanto, não realizado o que há de mais importante, que é cuidar do que lhe é próprio." 

E mais além:

"Portanto não se escapa a desgraça acumulando riquezas, mas acumulando a sabedoria."

Passo agora ao Eutidemo:

"Demonstrado esta que não obteríamos vantagem alguma, em possuir, sem trabalho ou sem aperfeiçoar a terra, todo ouro do mundo. Poderíamos até saber tranformar rochas em ouro: E tal conhecimento não tería valor algum, porque se não sabemos tirar proveito do ouro, por si mesmo, já o sabemos, utilidade alguma nos trará ele..."

Poderia multiplicar as citações ao infinito. Mas não desejo ser fastidioso...

Arrematarei assim com a famosa crítica ao consumismo - Motor da economia progressiva. - transmitida pelo divino Laércio (Vida e doutrina dos Filósofos ilustres.) - 

Tinha Sócrates o costume de levantar-se bem cedo e dirigir-se ao grande mercado de Atenas, indo de barraca a barraca e contemplando os diversos produtos. Por fim, ao retirar-se sem nada comprar, explicava: Gosto de passear pelo Mercado para ter uma ideia precisa de quantas coisas não precisamos por serem inúteis.

Ora toda nossa economia exuberante, e consequentemente a explotação irracional dos recursos naturais bem como a produção de resíduos ou poluição, vive disso: Da comprar e venda de coisas que não são absolutamente necessárias. De fato preciso eu de um celular ou de um refrigerador, de um fogão e de um ar condicionado, de uma bicicleta e de um liquidificador (O que em si já é problemático pois somos oito bilhões de criaturas humanas!) mas não precioso trocar de celular, carro, ar condicionado, fogão, etc podendo utilizar os mesmos aparelhos por anos a fio ou até que quebrem sem maiores problemas. Os meios de comunicação ou a propaganda é que nos convoca a desfazer periodicamente dos aparelhos mesmo estando ainda bons e isso apenas em benefício do Mercado e consequentemente da explotação de recursos e da poluição ambiental...

Mais do que a temida Revolução comunista, uma simples mudança de postura, nos termos racionais de um Sócrates, seria algo ameaçador para essa máquina chamada mercado... Pois atingiria esse sinônimo de miséria interior ou de pobreza de alma chamado consumismo. O sistema em que vivemos não apenas produz pessoas enfermas ou neuróticas mas afirma poder cura-las fazendo-as depender de si pelo simples fato de consumirem ao máximo. 

Todas as pessoas que acumulam coisas: Das que acumulam tampinhas de garrafa ou alfinetes as que, como o tio Patinhas, acumulam imensas fortunas, moradias ou automóveis são pessoas doentes e neuróticas, pessoas frustradas, pessoas mal resolvidas... enfim pessoas interiormente mendicantes ou mendigas. São os mendigos do Ser - Pois floresce o SER  na proporção inversa do SER e, quanto mais se tem menos se é. Não podendo nos sobrepor aos outros ou supera-los na esfera do Ser, por meio da virtude ou da prática do bem, optamos - Quiçá inconscientemente. - por ter mais coisas do que eles.

E se oito bilhões de humanos é uma calamidade, oito bilhões de acumuladores é um flagelo... Portanto o resto, deve ser composto por despojados ou miseráveis - Até por questão de sobrevivência.

Passo a Antístenes - O mais genial, leal e sublime entre os discípulos de Sócrates.

Que nos diz eles sobre a posse ilimitada ou o acúmulo de riquezas...

Como Sócrates, Antístenes identificava a riqueza com a sabedoria. O que não é para surpreender.

No entanto o que ele diz concretamente sobre a posse das riquezas é imensamente precioso:

"Quanto ao sábio, seja o total de seu dinheiro, o que um homem de porte mediano possa levar ou transportar."

De Crates de Thebas ou Athenas sabido é que após ter lido as obras do divino Antístenes colocou todo seu ouro numa carroça e lançou-o no fundo do mar, após o que teria exclamado:   'Agora livre' - Assumindo, o que seu mestre chamava Autarquia ou autonomia. 

Tendo tomado conhecimento de sua atitude, um certo Diógenes, ao ser exilado de sua terra natal, Sinope, desfez-se igualmente de todas as suas posses limitando a portar uma túnica surrada, um bordão e uma cuia. Segundo diziam os antigos teria vivido, ao menos durante certo tempo, num enorme barril ou melhor dizendo numa imensa ânfora de vinho ou azeite. 

Sobre esse sábio, contam as anedotas que tendo Alexandre se aproximado dele, com o objetivo de ve-lo, foi atalhado com as seguintes palavras: Afasta-te um pouco porque me tapas o sol. E noutra oportunidade, tendo o homem mais importante e poderoso do mundo lhe perguntado se poderia conceder-lhe algum favor, ouviu estas outras: Nada me podes dar que já não tenha eu!

Mesmo Aristóteles, que costumava ser muito mais moderado em seus juízo e apreciações teria criticado a sugestão sobre o acumulo limitado de bem, com o declarar que tal era impossível num sistema finito. 

Mesmo Platão, que era de família aristocrática e rica e malquistava com o regime democrático, na sua conhecida República, determinou que o grupo mais importante, o dos guardiães, formassem uma comunidade tanto de bens quanto de filhos. Pois acreditava que os Filósofos reveriam dedicar-se a refletir sobre o poder político e concentrar-se na resolução de tais problemas sem se desviar. 

Que podemos inferir a partir da solução posta por Platão...

Que ele percebeu certa rivalidade entre a esfera do público e do privado, optando, diante disso, por eliminar o privado. Sobretudo intuiu, como pode ser observado por Arendt, que dentre os diversos setores do privado, o que mais tende a absorver os humanos é o econômico, a ponto de esvaziar o político e reduzir sua qualidade. De modo que também Platão, teme o economicismo. 

Continua



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