quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

A inexistência de uma economia de Mercado antes da Idade Moderna.



É objetivo deste artigo demonstrar que a ideia capitalista de ilimitação econômica ou liberalismo crasso, bem como as perspectivas individualista e economicista, enquanto emergências conceituais modernas ou contemporâneas, foram supinamente ignoradas tanto pelos antigos gregos e romanos quanto pelo Cristianismo apostólico, ancestral, histórico ou primitivo. 

Por que tanto esforço para nada dizer de novo ou repetir o que já se sabe a exaustão...

Porque a um lado há pessoas desonestas que se esforçam para demonstrar o oposto i é que gregos e romanos ou mesmo egípcios e sumérios conheciam o princípio capitalista da ilimitação e a outro pessoas incoerentes que buscam associar a ideologia mercadista ou economicista aos construtos éticos das escolas filosóficas pré cristãs ou do cristianismo apostólico, o que alias é fácil em tempos de pós modernismo, quando dissociações e associações incoerentes, sincréticas e aberrantes proliferam em todas os domínios da cultura.

Por mais que as esquerdas modernista e pós modernista, detestem ouvi-lo é necessário repetir que o pós modernismo irracionalista e assistemático é uma ferramenta de grande importância a serviço do capitalismo. Ignora-lo é ignorar o óbvio e ser cego. No entanto, desde Marx, são as esquerdas ortodoxa e 'heterodoxa' reproducionistas, assumindo acriticamente um cem número de elementos culturais de origem capitalista ou positivista. Observem que essa esquerda já entrou no jogo do capitalismo ao apresentar-se como materialista e o jogo positivista, ao apresentar toda vida Ética como relativa e subjetivista... Por que admirar-se de que tenha ido mais além e sorvido a azeda taça do modernismo... Fazer o que...

Porém do lado de lá também há gente idiota e má.

Aos maus corrijamos ou refutemos, como nos bons tempos antigos. Aos idiotas repitamos o óbvio a exaustão, até soletrar quando necessário. 

Os povos antigos nada sabiam em termos de capitalismo.

Quanto as culturas primitivas leia-se antes de tudo Karl Polayni, na 'Grande transformação'. Guiavam-se tais grupos pela Ética da reciprocidade ou da gratidão, jamais pensando em termos de lucro.

Já com relação as primeiras civilizações sabido é que reconheciam o primado da religião, da crença ou do espiritual, a partir do qual ordenavam suas vidas.

Assim a principal aspiração de um antigo egípcio não era se tornar escriba ou general, comprar uma casa maior ou palácio ou adquirir uma liteira ou um cavalo e sim adquirir um túmulo, um sarcófago, um plano de embalsamamento... ou amealhar joias para enterrar! 

Então havia quem lucrasse com isso... gerenciando as avós de nossas modernas funerárias, as 'Casas dos mortos'. Sim, havia. E no entanto, mesmo os sacerdotes e embalsamadores amealhavam riquezas para levar com eles em túmulos ainda maiores e mais suntuosos...

Outro dado relevante e constatado ainda neste séculos pelo Dr Zahi Hawass diz respeito a como foram construídas as grandes pirâmides de Gizah ou sobre a Vila dos construtores de pirâmides, cujos restos dão testemunhos sobre o cuidado dos Faraós com os camponeses que realizavam tais trabalhos, a ponto de podermos falar numa espécie de plano assistencial, inclusive com recursos médicos. Portanto, já por volta de 2,400 a C os governantes do Vale do Nilo preocupavam-se com a qualidade de vida - I é com alimentos, bebidas, roupas, habitações e medicamentos. - daqueles que construíam seus túmulos. 

Seja como fosse o móvel interior deste ou daquele, o mercado é que não ditava as regras naquela Sociedade. O governo é que organizava as expedições ao Punt ou a Serabit e que dispunha dos bens, quase sempre em favor da fé - Tipo: Incenso para os deuses, fossem Phtá, Rá, Hórus ou Amon...

O mais importante aqui é o quanto lemos na novelinha judaica ou bíblica de José: Quando por qualquer motivo de ordem natural, fosse seca ou excesso de chuvas, grassava a miséria, os governantes mandavam abrir os celeiros públicos com o objetivo de evitar que os súditos morressem de fome. De modo que o valor da vida humana se sobrepunha a valores de ordem financeira ou econômica. 

Observem que em nossas Sociedades 'cristãs' foi tolerado ou encarado como absolutamente comum a prática dos produtores destruírem alimentos quando os preços caiam, e com a premeditada intenção de aumenta-los. Isso numa realidade de miséria em que até crianças morriam de fome seja na Etiópia, no Haiti ou no Nordeste do Brasil... mesmo assim os produtores 'sifilizados' lançavam centenas ou milhares de toneladas de trigo, arroz, feijão ou batatas as chamas ou em algum rio com o objetivo de obter lucros - E a vida humana, encarada como coisa de pouca monta, era largada...

Inconcebível que qualquer sociedade antiga, pagã ou pré Cristã assim procedesse... Alias caso qualquer produtor egípcio concebesse a ideia de queimar o trigo ou lança-lo ao Nilo com o objetivo de que Roma pagasse um preço maior por ele, iria direto para o Circo Máximo tornando-se pasto de feras! Isso já no quadro de uma economia imperial muito mais dinâmica.

Agora passarei a largo da Suméria, onde há quase 4.500 anos, Urukagina de Lagash, que nada podia saber de Marx e Engels - implementou a primeira grande reforma social em nome dos deuses, i é, do pai Anu e seus companheiros. E também passarei a largo da Judeia, onde os atrasados hebreus tiveram tino suficiente para estabelecer um regime de redistribuição de terras permanente em nome de seu javé, evento de que os judaizantes americanizados jamais se lembram...

E irei direto a Grécia. Onde para começar temos o Teórikon de Péricles, que era um subsídio concedido aos atenienses pobres para que pudessem assistir os espetáculos teatrais. Quiçá pareça pouco a alguns. Todavia entre os mais de trinta mil decretos aprovados pelo povo de Atenas, arquivados no 'Mentron' e consultados por Craterus da Macedônia, há um, citado por Aristóteles na Política, que corresponde a nosso Loas, fixando um subsídio para os deficientes ou enfermos que não se podiam sustentar. 

Nem Mercado, nem indivíduo. Mesmo após a emergência gradativa da pessoa, os antigos gregos jamais perderam de vista o que chamavam de 'Pólis' e portanto um gênero de vida coletivo, gregário e social. Aristóteles na Política, alias, nos informa que um certo Filéias de Calcedônia estabelecera um regime 'socialista' estabelecendo a igualdade de bens, um gerenciamento comum ou democrático e a instrução pública.

Bom lembrar que a instrução pública foi estabelecida igualmente pelo democrata Protágoras de Abdera na Constituição de Túrio. 

Quanto aos romanos sabido é que não poucos autores insistem no Jus abutendi com o objetivo de sancionar a doutrina da posse incondicional da terra ou dos latifúndios porventura improdutivos. Sem que quanto a isso se recordem que os romanos fossem pagãos - Só se lembram disto quando se trata de costumes sexuais... A bem da verdade lemos em Aulo Gélio sobre um dispositivo legal que estipulava a perda da cidadania por quem não cultivasse seu campo... Por onde se vê que o direito de propriedade ou proprietarismo entre os antigos romanos não era absoluto, e que eram abertos ao princípio da propriedade pessoal ou funcional, enunciado pelo grande cristão Henry George há século e meio.

Que dizer então sobre o primeiro Estado assistencial e humano em larga escala que foi o Império bizantino, ao menos quanto a isso fiel aos princípios Cristãos tradicionais. 

Restaria-me expor sobre a Idade Média latina ou ocidental.

Quanto a isto porém nada diverso dos ensinamentos patristícos nada liberais em termos de economia. 

Quanto a isso consulte-se J Luridan "Por que a Igreja crítica os ricos.", o "Socialismo Católico" de Nitti ou ainda as obras do Pe Bigo, etc

Os escolásticos prosseguiram na mesma direção e nada inovaram, antes aprofundaram e ampliaram esse ideal servindo-se de Aristóteles. 

Eis porque nenhum estudioso sério do campo da Teologia escolástica ou do tomismo ousaria falar em livre mercado na Idade Média Cristã ou em adotar semelhante discurso.

O que nos ajuda e entender porque os 'tomistas' Chesterton e Belloc postularam o distributivismo, porque Maritain insistiu em opor-se ao capitalismo e finalmente porque no fim de sua vida o professor Jorge Boaventura, personalidade muito querida dos militares e da Biblioteca do exército, reconheceu, com grande estardalhaço (Sendo chamado de 'senil') - Pelos idos de 1990 - que o capitalismo e o Cristianismo tradicional ou apostólico eram, como são, fenômenos incompatíveis ou excludentes. 

Segue - Na segunda parte o veredito das diversas escolas filosóficas gregas sobre a ilimitação, o economicismo e a avareza.

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