sexta-feira, 12 de julho de 2013

Uma entrevista com Noam Chomsky







No texto a seguir limito-me apenas a reproduzir a introdução e a entrevista feita a Noam Chomsky.

Os anarco-sindicalistas e o Estado: proteger-se das feras ou do domador?

Linguista de renome internacional e militante libertário midiático, Noam Chomsky interessou-se pelas relações entre o movimento sindical revolucionário e o Estado. Propomos aqui a tradução de um fragmento de entrevista que ele concedeu aos nossos camaradas da Anarcho-Syndicalist Review.
Nossa iniciativa não se inscreve na atual "apologia" de Chomsky, mas na preocupação de propor uma análise contraditória e esclarecedora dos debates que atravessam nosso movimento. Conquanto situando sua análise em nível da intervenção estatista em geral, esse ponto de vista merece um amplo espaço, bem como as reações que essa entrevista suscitou e das quais publicamos um exemplo em complemento.

N'autre école, nº 2, inverno de 2003

Anacho-Syndicalist Review: Várias vezes no passado você se posicionou a favor de um apoio limitado e tático aos governos e ao Estado, em certas situações. Esse apoio temporário teria por objetivo assegurar a proteção dos cidadãos perante os predadores ainda mais temíveis: as multinacionais. É a teoria da "expansão da jaula". Temos várias questões concernentes a essa posição. Primeiramente, é possível apoiar, de um lado, as "boas" funções do Estado (por exemplo, a proteção social e o Estado providência), sem reforçar ao mesmo tempo sua função negativa (repressiva). O estado é a mais segura das proteções frente ao poder do patronato? A maioria dos Estados "modernos" não é controlada, domesticada pelo mesmo patronato que você gostaria que fosse vigiado (controlado) pelos Estados? Você se preocupa com a ruptura entre o fim e os meios que o apoio aos governos implica? Enfim, em relação à teoria anarco-sindicalista, quais são as implicações de sua análise? Por exemplo, você pensa que a oposição tradicional ao Estado, princípio fundamental do pensamento anarquista, considerado como imutável, deveria ser revisto? Ou então, trata-se apenas de uma contorção temporária e estratégica, a exemplo de uma anomalia na teoria do desenvolvimento científico que, no final das contas, deixa intactos os princípios essenciais da análise anarquista do poder?

Noam Chomsky: Antes de mais nada quero precisar a origem exata dessa teoria da "expansão da jaula". Não sou seu inventor. Ela foi criada pelo movimento operário brasileiro. Os operários brasileiros tinham várias escolhas. A primeira era a de submeter-se completamente a um poder particularmente brutal. A outra solução que eles poderiam considerar era tentar ampliar o âmbito no qual podiam agir e transformá-lo em algo diferente: embora permanecendo conscientes de que estavam encerrados numa jaula, que era e permanecia uma golilha opressiva. Agora, digam-me, qual anarquista sincero veria um problema em tal escolha? O que quero dizer é: vocês permaneceriam num sistema em que a opressão é cada vez mais acentuada em vez de obter direitos, e utilizar suas vitórias como as raízes de novas conquistas? Vocês não prefeririam descobrir os meios que conduzem às vitórias e escapar desse sistema? É impensável para mim que se possa defender o contrário; não penso nem mesmo que isso seja levado em consideração. Tomemos um exemplo concreto: o governo americano. Ele pôs em prática, enfim, ele foi obrigado a pôr em prática e aceitar as condições das leis do OSHA(Administração da saúde e da segurança no trabalho), não se tratava de um presente ofertado pelo Estado. Ele aplica muito pouco essas leis, mas às vezes é obrigado a isso. E quando é obrigado a aplicar essa legislação, isso geralmente salva vidas. Sob o governo Reagan, as leis cessaram de ser aplicadas e o número de acidentes aumentou enormemente, quase triplicou. Vocês se lembram da greve dos trabalhadores de Aluminíos Ravenswood, há alguns anos? Eles lutavam, entre outros motivos, contra essa deterioração, o que lhes concernia em grande medida. A direção intervira para que os operários trabalhassem em equipes de dois nos altos fornos, onde se encontram os materiais em fusão a quase 2.000 graus Fareinheit. Condições tão pavorosas que alguns deles morreram. Tudo isso os levou a exigir a aplicação das leis relativas à saúde e à segurança no trabalho. Lock-out movimento de luta e, no final, vitória para os grevistas, ajudados por um apoio internacional impressionante. Mas o essencial foi a aplicação da legislação sobre a segurança e a saúde na empresa, para impor um sistema de multas insignificantes, que iriam se tornar, em seguida, muito elevadas:por exemplo, 250.000 dólares por ter violado essas leis. Sem entrar em detalhes, esse tipo de combate parece-nos condenável?
É a esse tipo de questão que somos confrontados todos os dias. Vivemos neste mundo, não em outro. É possível que desejássemos outro mundo, mas é neste que vivemos e se quisermos estar em fase com nossos semelhantes, se quisermos ser capazes de resolver seus problemas e que eles nos ajudem a resolver os nossos, devemos aprender juntos a ultrapassar nossa condição. Se vocês quiserem ser parte concernente deste mundo, devem aceitá-lo tal como ele é. Se o problema dos operários é que eles morrem por falta de respeito às leis, acontece que neste mundo só há uma instituição capaz de fazer com que elas sejam respeitadas: é o governo; ele pode agir assim, pois, precisamente, ele não é totalmente controlado pelas empresas. Evidentemente, ele é amplamente submetido a seu controle. Mas em nossa sociedade, o governo é, contudo, distinto da General Eletric. GE, na teoria e na prática, é uma tirania, e ponto final.Você não tem, enquanto indivíduo, nenhum comentário a fazer sobre sua organização e suas decisões. O governo, em contrapartida, ao menos no papel,e às vezes também na prática, está submetido à pressão popular e também pode ser obrigado a introduzir medidas como as leis sobre a saúde e a segurança no trabalho, que podem salvar vidas, e que, neste caso,conduzem a uma vitória significativa para o movimento operário. além do fato de que essas leis permitem salvar vidas, elas também permitem a chegada dos sindicatos no seio da fábrica etc...
Estamos em condições de recusar mecanismos suscetíveis de salvar vidas, melhorar as condições de trabalho, ajudar a compreender que ainda há muitos outros combates a travar?
Ao virem me visitar, por exemplo, ao tomarem avião, vocês legitimam não apenas o Estado, mas igualmente o Pentágono. Isso porque um avião comercial nada mais é que um bombardeiro levemente modificado. é impossível sobreviver em nossa sociedade sem colaborar com as instituições que a constituem. Poderíamos declarar que as preocupações cotidianas das pessoas não nos interessam, que um metalúrgico se faça matar ou que uma mãe pobre morra de fome por falta de tickets de alimentação. Não nos interessaríamos por elas porque ter uma reação significaria que utilizamos os mecanismos em vigor bem como a única instituição em ação, sujeita aos controles e à influência popular? É verdade, podemos adotar essa postura, mas então devemos parar de fingir ser parte envolvida nas lutas pela emancipação e pela liberdade, porquanto não contribuímos para isso. Talvez seja uma brilhante teoria para exibir num colóquio universitário ou durante uma conversação anarquista. Mas é simplesmente indefensável no âmbito da luta pela defesa dos direitos, da liberdade, e do ataque das bases da autoridade. Se vocês lutam por isso, não creio que haja outras escolhas além dessa.

Anarcho-syndicalist Review: Isso seria a prova de que você considera a teoria anarquista sem validade? 

Noam Chomsky: Não, creio apenas que nenhuma teoria anarquista poderia negar isso. Não posso imaginar Kropotkin, Bakunin ou Rocker declarando: "Não, recusamos que seja posta em prática uma legislação sobre a saúde e a segurança que permita salvar a vida de trabalhadores porque isso reforçaria o poder do Estado".

Fonte: Libertários - revista de expressão anarquista - São Paulo nº 2.  2º semestre de 2003, páginas 26 e 27

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