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MEMÓRIAS DE NELSON RODRIGUES SOBRE A GRIPE ESPANHOLA MOSTRAM QUE NADA MUDOU: 'O VELÓRIO SERIA UM LUXO INSUPORTÁVEL'
No ano de 1967, Nelson Rodrigues escreveu um livro de memórias no qual tratou sobre diversos momentos que vivenciou, entre eles, a triste pandemia
GIOVANNA GOMES, SOB SUPERVISÃO DE THIAGO LINCOLINS PUBLICADO EM 23/03/2021, ÀS 11H43 - ATUALIZADO ÀS 14H28
O passado e o presente
Conforme documentado pela Biblioteca Nacional, em determinado trecho de seu livro, o carioca diz que "morrer na cama era um privilégio abusivo e aristocrático. O sujeito morria nos lugares mais impróprios, insuspeitados: - na varanda, na janela, na calçada, na esquina, no botequim."
Em seguida, Rodrigues afirma:
"Normalmente, o agonizante põe-se a imaginar a reação dos parentes, amigos e desafetos. Na Espanhola não havia reação nenhuma. Muitos caíam, rente ao meio-fio, com a cara enfiada no ralo. E ficavam, lá, estendidos, não como mortos, mas como bêbados. Ninguém os chorava, ninguém..."
"Ora, a gripe foi, justamente, a morte sem velório. Morria-se em massa. E foi de repente. De um dia para o outro, todo mundo começou a morrer. Os primeiros ainda foram chorados, velados e floridos. Mas quando a cidade sentiu que era mesmo a peste, ninguém chorou mais nem velou, nem floriu. O velório seria um luxo insuportável para os outros defuntos."
A morte torna-se trivial
"Era em 1918. A morte estava no ar e repito: - difusa, volatizada, atmosférica; todos a respiravam....", recorda o autor do livro. "De repente, passou a gripe. Ninguém pensava nos mortos atirados nas valas, uns por cima dos outros. Lá estavam, humilhados e ofendidos, numa promiscuidade abjecta."
Por fim, Nelson ressalta que devido ao fato da morte ter se tornado cotidiana na vida dos brasileiros, a "peste deixara nos sobreviventes, não o medo, não o espanto, não o ressentimento, mas o puro tédio da morte."
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