Tal episódio se deu na Era dourada das artes, em Atenas, a Atenas de Fídias, Praxísteles, Polignoto, e é claro Apeles... o qual tinha por costume expor suas telas em praça pública com o objetivo de ouvir os comentários que eram feitos a respeito de seu trabalho.
Numa certa tarde após ter refeito uma de suas obras - Botões, penteado e fivelas dos sapatos - segundo as orientações da costureiro, do cabeleireiro e do sapateiro, aproximou-se novamente o sapateiro arriscando este comentário:
--- Agora estão perfeitos os sapatos, mas esta prega da túnica...
Foi quando Apeles, saindo detrás da tela atalhou:
--- Ne sulor ultra crepidam judicaret, isto é - Sapateiro não passes além dos sapatos!
Outro tanto poderíamos dizer a respeito do sr Richard Dawkins - "Cientista, não passe além dos fatos ou da experiência." ou "Biólogo não passes das provetas e tubos!"
Afinal cuida ele muito teorizar ou metafisicar a respeito de temas que nem de longe dizem respeito a seu campo de investigação... Assim de Deus, do livre arbítrio, da ética, etc apresentando tudo isto como fina flor em termos de ciência. Não, o homem não brinca ou graceja, e proclama em alto e bom som que seu livro sobre os 'genes egoístas', de modo algum é ficção, mas autêntica ciência (cf Flew 'Ediouro' 2008 p 87)... E não chegamos ainda a memética e menos ainda a 'Deus um delírio', pois o homem tudo vende como ciência...
Foge aos fatos em sua rude simplicidade, interpreta, especula, narra, desenvolve, segue pelos domínios da imaginação e da fantasia, como péssimo filósofo que é, e tudo vende como ciência 'positiva' ou factual.
Já dissemos que pela teoria a metafísica renasce, de bem que disfarçada. E já se pode fazer metafísica ateística em nome do positivismo!!! VENDENDO-A COMO FATOS!!! Isto, sejamos justos e honestos, os positivistas não fizeram, ao menos em sua maior parte, permanecendo, muitos deles, no prudente terreno do agnosticismo ou dos fatos. Hoje porém, os homens fazem metafísica com o nome de teoria, e negam que estão a metafisicar, e isto é grave, pelo simples fato de implicar, desonestidade e falsificação.
Ateísmo e materialismo jamais serão dados empíricos ou fatos concretos tomados a natureza por meio da experiência como a lei da conservação da matéria, a incerteza, a relatividade especial, etc Mas construções especulativas ou conclusões que transcendente a experiência pura e simples. São elaborações conceituais ou ideológicas e se os ateístas alegam que tais conclusões dimanam de fatos, os teístas ou deístas não alegam menos...
Alias o problema não é este. Como ser pensantes, Dawkins, Dennett, Harris, Hitchens, Amis, Pullmann, Wolpert, Stenger e demais janízaros do neo ateísmo, sempre poderiam, especular, metafisicar ou filosofar sem precisar oferecer quaisquer justificativas. Afinal nada mais próprio ou característico do Homo sapiens do que refletir ou filosofar. Fazemos isto desde que assumimos um caráter propriamente humano e continuaremos a faze-lo mesmo quando Hume, Kant, Dennett ou outro qualquer declare que não é aconselhável, que não é prudente, que somos incapazes, que não devemos nos preocupar, etc Alias nada mais anti filosófico do que limitar a esfera da reflexão humana, apontando para as 'colunas de Hércules' e declarando jactanciosamente: Não passarás!
O caso é que devemos fazer Filosofia como Filósofos e não vende-la como cientistas... Ser cientista e estar familiarizado com a rotina de um laboratório e suas pesquisas, nada significa em termos de Filosofia. Apresentar-se como filósofo nos domínios da Filosofia só pode significar uma coisa: O desejo consciente ou inconsciente de intimidar o interlocutor colocando-se numa posição de superioridade. É o velho argumento da autoridade que eles mesmos repudiam no âmbito de sua ciência, mas que aspiram inserir nos domínios da Filosofia.
O próprio Sagan, que era suficientemente instruído nos domínios da Filosofia, já havia deixado bem claro que seus pares, caso quisessem teorizar ou metafisicar, deveriam antes de tudo adquirir um aparato conceitual filosófico, e portanto estudar as obras propriamente filosóficas dos Pŕe socráticos a Jaspers ou Maritain, passando por Platão, Aristóteles, Bacon, Descartes, etc. Fato é no entanto que mesmo os Filósofos de fancaria, seguindo certas tradições que remontam a Hume, iniciam suas leituras a partir de Hume e Kant, imaginando que a humanidade começou a pensar com eles e ignorando presunçosamente toda nossa herança grega, romana, medieval e mesmo moderna. Aqui a pressuposição de que tudo quanto fora dito ou escrito antes seria lixo...
Quando aos neo ateístas, parecem não ter estudado seriamente nem mesmo a Hume, cujos argumentos reproduzem cá e acolá, e Kant...
A superficialidade com que Dawkins considera as vias que Aquino tomou a Aristóteles é supinamente vergonhosa, mormente quando foram magistralmente reelaboradas pelo Bispo Fulton Scheen no livro 'Filosofia da religião' (Edição Brasileira da Agir) publicado a mais de meio século. Cito isto apenas de passagem. De modo geral o conhecimento dos conceitos e categorias, da linguagem filosófica propriamente dita, da arqueologia das ideias, dos autores, etc pelos metafísicos ateístas deixa muito a desejar. É como se sequer tivessem estudado Filosofia, Sociologia ou Psicologia no ensino médio ou folheado um livro didático... E são escritores de fama mundial, promovidos pelo mercado editorial, e seguidos por multidões de crentes ou devotos, não menos que o papa romano ou o dalai lama...
Então o que eu esperaria ao abrir uma dessas obras?
Simples - Uma abordagem corajosa, ousada, direta, franca, de cada um dos argumentos ou evidências envolvidos, e sobretudo amplo conhecimento de causa em termos filosóficos, e não afirmações enfáticas - as quais sempre fazem lembrar a 'bíblia' protestante ou o corão - do tipo: Não nos devemos importar com isto! Não nos devemos preocupar com esta questão! Não devemos abordar este problema... Também não me satisfaz a confissão honesta de um Dawkins ou de um Pinker - a respeito da consciência ou da auto percepção - "Nem Steve Pinker nem eu podemos explicar a consciência subjetiva humana, a qual os filósofos chamam 'qualia'... Steve aborda o tema e se pergunta de onde a consciência procede e o que é. E é bastante honesto ao dizer que não sabe. Eu digo o mesmo. Não sabemos. Não compreendemos." Flew 162, de memória.
E no entanto buscamos respostas! Pugnamos, demandamos por respostas! Queremos respostas! Muito bem, o sr Dawkins declara não te-las, então por que raios faz tanta gala de seu ateísmo, jurando QUASE saber que não existe Inteligência ou consciência superior??? Sua ignorância manifesta não devia força-lo a uma posição mais prudente? O homem alega não saber o que é a consciência que temos e já se aventura a negara a hipótese de que uma Mente superior as nossas seja fonte deste fenômeno cuja origem ele supinamente ignora! Ele dirá que apelamos a um Deus de lacunas, podemos bem responder que temos um ateísmo presumidamente cientificista que ignora as lacunas da própria ciência... Seja como for os ateístas não seriam menos prudentes do que nós...
A impressão é aparente. Pois como a matéria bruta não possuí nem de longe qualquer capacidade semelhante a auto percepção, é plenamente justificado, atribuir ao fenômeno supra sensível da consciência, e assim o da racionalidade, a uma causa do mesmo gênero. Se temos fenômenos mentais irredutíveis a materialidade pura e simples - aqui um parentesis: Pavlov, Penfield, Eccles/Popper, Schroeder, Steven Rose... dentre outros tem esclarecido seus leitores a respeito de que a identidade mente cérebro não foi demonstrada, Pavlov por sinal, no fim de sua existência fora pressionado pelo Partido comunista para declarar que a identidade mente cérebro fora cabalmente demonstrada pela ciência, mas, preferindo ser honesto, declinou...
Dizer que o elemento material se auto organizou, acidentalmente ou por golpe de sorte, com o objetivo de produzir o fenômeno da auto percepção parece beirar a insanidade. Afinal como a matéria se poderia ter organizado sem ser racional? Como poderia se ter imposto um fim se não é dotada de vontade própria? Como poderia ter atingido este fim acidentalmente ou por meio da sorte, i é do mero acaso? Por outro lado se a auto percepção é propriedade inerente a matéria estamos dispostos a admitir que as pedras tem consciência de si mesmas ou que os neutrons, protons e eletrons são dotados de vontade própria? Que partículas, átomos, células e pedaços de matéria bruta pensam, desejam, projetam, concebem, etc???
Não me estenderei sobre uma questão a respeito da qual Dawkins confessa sua supina ignorância. Mas não posso deixar passar desapercebidamente aquele trecho famoso em que ele declara, muito seriamente, declara que a primeira célula viva surgiu PARA a seleção natural... Vejam temos aqui uma finalidade ou um propósito para a vida, a seleção natural... Compreende o leitor a dimensão do que diz o Dr Dawkins??? Segundo a teologia natural foi o homem - enquanto se auto percipiente, racional e livre - planejado por uma consciência ou uma mente para realizar tais potencialidade e tornar-se feliz. Agora veja só meu senhor, que este ateísmo caviar ou nutella, repudia a existência da mente mas mantém, oh suprema incoerência, não apenas o desígnio ou o sentido, mas como dirá A C Grayling, resíduos de uma escatologia cristã triunfalista ou positiva.
Agora veja a Santa divindade substituída pelo princípio da Seleção Natural, a qual nosso homem atrela a velha mística positivista do progresso... Pela Seleção natural a ciência, e através dela ao paraíso terrestre... Há uma direção certa que não poderia a haver...
Confesso não saber que pensar sobre isto.
A saber sobre um Biólogo de fama internacional e sucessivamente premiado que falseia a própria teoria da Evolução ignorando a construção da teoria sintética e procedendo como se pertencesse a última quadra do século XIX... Dawkins atua como se Weismann, De Vries e Batenson jamais tivessem existido. Nada de Dobzhansky ou Mayr... Tudo quando o mistagogo inglês deseja é conformar a genética com a 'seleção natural' de Darwin ou criar uma genética darwiniana. Adaptar a genética a um princípio que ja transformou em místico! Claro que tudo isto é construção ideológica. Os criacionistas, mesmo quando alegam estar pesquisando seriamente, jamais deixam de partir do Gênesis, os darwinianos mesmo quando pesquisando não deixam de partir de Darwin, mas não se trata de hipótese testável mas de crenças ou ideias fixas, assim fica fácil torcer e selecionar os fatos produzindo toda uma metafísica, assim o 'Gêne egoísta', porque os genes não podem fugir a seleção natural de Darwin, devem a fina força concordar com ela...
E no entanto a Evolução não se dá, e até um garoto dos bancos escolares devería sabe-lo para estar imunizado, por meio da seleção natural somente, mas por meio das mutações genéticas - Batenson e De Vries. Quando li em Flew queo fator deificado por Dawkins nada produz já o sabia há muito tempo por ter lido Newton Freire Maia. De fato a seleção para atuar depende da 'matéria' produzida, ou da célula alterada, por um evento 'estocástico' a principio, chamado mutação. A mutação é o elemento chave ou positivo da Evolução Biológica, o qual fornece conteúdo a seleção natural e sua dinâmica ou melhor suas leis. Mas Dawkins nada quer saber de mutação, de modo que ela não entre em seu esquema metafísico... Tudo ali é operado ou feito pela seleção, a qual assume o caráter de força maǵica, ou melhor dizendo de um deus...
E face a este deus onipotente que fica sendo o homem???
Nada mesmo que nada, ao menos no que tem de seu ou próprio.
Começando por perder seu livre arbítrio como desejado pelo falecido B F Skinner...
Vejamos então que é o 'Animal racional' ou que fica sendo face a escolástica biológica ou melhor darwiniana do sr Dawkins, o qual bem merece nosso Verbi gratia -
"Somos máquinas de sobrevivência, veículos, robôs cegamente programados para preservar essas moléculas egoístas a que chamamos genes." Flew 87 e foi a propósito disto que ele declarou não estar fazendo ficção mas ciência... id
E no entanto sabemos e muito bem que robôs, máquinas, veículos, marionetes, bonecos, etc não conhecem ética ou moralidade. Falar em moralidade para uma máquina faria tanto sentido quanto falar em moralidade para uma figueira ou um carrapato... Temos aqui, mais um vez o ideal anti ético do positivismo ou melhor de Litreé. Chegamos aos domínios do relativismo e do subjetivismo crassos que justificariam todas as ações de um Ravachol... As partes virtuosas ou oportunistas da humanidade tiveram de berrar... E Dawkins como Wilson antes dele, de dizer que havia sido mal interpretado!
Foi honesto???
Não o sei. Só sei que algum tempo depois voltou a carga - "O argumento de meu livro é que nós, e todos os outros animais, somos máquinas criadas por nossos genes.". Os genes aqui são como deuses ou anjos a serviço da lei ou do legislador supremo que é a Seleção natural...
Outra não é a opinião de seu emissário ou porta voz, o falastrão Pinker, que continuando a obra nociva de Skinner no campo da nossa Psicologia - Leiam todos as respostas que lhe foi dadas por Horgan e Rose - faz guerra ao conceito de livre vontade ou livre arbítrio, o tema por assim dizer, central, da Filosofia segundo I Kant.
Agora qual o significado preciso de tudo isto amigo leitor?
Demos mais uma vez a palavra a Antony Flew:
"Para Dawkins, o principal meio de produzir o comportamento humano é atribuir aos genes características que possam, de modo significativo, SER ATRIBUÍDAS A PESSOAS. Então, depois de insistir que nós somos criaturas de nossos genes, e que por isto não temos escolha, sugere que não podemos fazer outra coisa a não ser aceitar as características pessoais desagradáveis daquelas mônadas que tudo controlam." Flew 87
Bem antes de termos lido Flew, já dizíamos - O homem transforma a seleção numa deusa e os genes em homens! Antropomorfiza nossos genes atribuindo-lhes a intencionalidade que nos pertence, transfere a deliberação do ser racional para partículas moleculares!
E esse mesmo homem que enfia atributos precipuamente humanos em nossas células ou genes, nega tudo quanto nos diferencia dos outros animais... Máquinas são máquinas e todos somos máquinas, aqui um fusca, ali uma Brasília e mais além um Monza... nenhuma diferença essencial.
E esse mesmo cientista 'magnífico' que vê racionalidade e intencionalidade em genes, é incapaz de prestar mais atenção em sua 'deusa' a seleção natural, de de refletir mais detidamente sobre o fato de achar-se diante de um fenômeno regular direcionado para um determinado fim - como o próprio processo evolutivo por sinal. A existência da regularidade, da constância, da direção, do fluxo, significado pelo conceito de lei não lhe diz absolutamente nada, e ele chega a acreditar que as leis constituem ou dão origem a si mesmas... Sem se perguntar sobre o 'pôrque' de continuarem a vigorar indefinidamente ou sobre de onde tiram suas 'forças'...
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